terça-feira, 4 de outubro de 2011

Por Una Cabeza


Dividindo a sombra da árvore, Ariana e eu ríamos do jornalismo pós-moderno, no qual jornalistas - majoritariamente os televisivos - não mais observam o fato, analisam, criticam, comunicam, eles são o próprio fato. De dietas heróicas até desafios abissais no último dos penhascos, todo experimento é válido no desespero de prender a atenção de um público cada vez mais multifacetado e internauta.

Eis que, por ironia do destino, nós, que iríamos registrar com olhar interessado a apresentação de tango em motivo da revitalização do Brique da Redenção, faríamos parte do evento! Mas aí é diferente, nossa curta mas constante trajetória na recém batizada, porém remota Oficina Comunitária de Tango Ocho Adelante dirigida pelo professor Daniel Carlos, só poderia enriquecer qualquer narrativa, torná-la de fato orgânica, uma perspectiva única que também tem seus contras, pois perdemos o absoluto. Vou tentar ser uma pequena parte (apesar dos 1,80cm) no qual está contido o DNA do todo - pretensiosa...

Como não poderia ser diferente cheguei ao Monumento Expedicionário voando as tranças, lá havia sido montado palco para um dia de apresentações pela revitalização do Brique e os dez minutos de atraso em dia de apresentação pesam como horas - todo atrasado sonha na véspera do grande dia que vai se atrasar e, no dia, se atrasa. E como minha cara de desespero deveria estar na proporção do meu atraso, mal cheguei ao local e já havia uma moça do público com cara de seta me indicando a localização dos tangueros. Descobri que havia chegado tarde para o horário marcado mas cedo para horário em que o pessoal começa a chegar...no Brasil o horário marcado tem "licença poética", o tango seria de BA (Buenos Aires) e a pontualidade da BA (Bahia).
Todas as mulheres havíamos feito altas combinações, chegamos à conclusão de que a roupa seria social e preta, fizemos quase um pacto de sangue...Estava uma mais vermelha que a outra, sobre o social podemos dizer que é um termo muito genérico. Todas ajeitando flor no cabelo, falando da largura do palco, da largura do vestido, da largura do vazio do universo, tangueras, pecaminosas e os homens ali, tangueros, impecáveis.

Antes da apresentação, um pequeno ensaio no chão batido, lá se foi meu lustre de Nugget, a poeira da Redenção acostumada aos capoeiristas, levantou perante un ocho adelante, una mordidita, una cadencia, un ganchito. Do palco, nossa prof. esplendorosa chamava, era hora de formar parejas...minha conterrânea rioplatense no grupo vai entender: un lío, em baiano: um auê. Era homem com duas mulheres, parceiro que chegaria mas não chegava, de repente, brotaram de uma só vez todos os homens que faltavam e, direto da Montevideo do início do século 20, irrompe o som de La Cumparsita, hino do tango, composição do uruguaio Gerardo Matos Rodriguez, ao qual abriram a apresentação Eduardo e Cintia com seu tango bem feitinho, simples e sincero como a gente rioplatense.

Depois da Cumparsita lá fomos nós, cinco parejas no melhor estilo arrabal - lotando o espaço com mais alegria que coreografia, mas uma alegria ensaiadinha. Depois, mais cinco. Ao sol, o público, uma brisa setembrina amenizava, o início de tarde de domingo estava para o tango quase antídoto, quase alegre. Mas a tarde não passaria impune, Mirian e Dorgel em coreografias ousadas imprimiriam o tom melancólico que faltava ao domingo, dançaram mais uma obra prima dos que nasceram ao oriente do rio Uruguay, a milonga Violín de Becho del maestro Alfredo Zitarrosa.

Voltamos ao palco depois de mais uma troca de parejas - leia-se troca de parejas as mulheres fazendo dos homens cabos de guerra cada uma querendo dançar mais que a outra pois àquela altura já éramos maioria como sempre. Receptivo e simpático o público, que já havia entoado aplausos no meio de nossa primeira apresentação, foi mais uma vez enfático e generoso em nossa terceira passagem pelo palco. Uma milonga bem bailada pelo argentino Lepera e sua parceira fechou a sequência de apresentações individuais.
Para finalizar, e desta vez pude observar absolutamente tudo desde o público, se deu a mais bonita das cenas que nosso parque e nossa feira merecem, ali, onde há menos de uma semana marcharam passos rígidos em honrarias militares que tanto envergonham a história remota e recente do Brasil, Uruguay e Argentina, tanguearam no palco e entre o público dezenas de parejas ao som de Por una Cabeza, música de Gardel outro uruguaio, com letra de seu parceiro o brasileiro Alfredo Le Pera , uma honraria ao maior dos feitos, a integração de nossas culturas.

Conosco dançaram Anira que nos brindou com sua elegância junto ao colombiano e ótimo tanguero Pedro, depois do tango, seguiu a perfeita salsa cubana de Arnel Hechavarria e sua parceira Aline.
Parabéns a Daniel, nosso professor argentino do qual claramente aproveitamos a ausência para tocar tantos tangos uruguaios...e a toda a turma da Oficina de Tango, unida, alto astral e solícita como sempre! *2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário