segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O discurso antes da posse. O meu.



Parte 1/3

Domingo, 28 de outubro de 2018.

Neste momento, Jair Bolsonéscio é anunciado presidente eleito pela imprensa que, passadas duas horas o encerramento do pleito, só então (devido a diferenças de fuso no vasto país) tem permissão para divulgar pesquisa de “boca de urna” mesmo sem a apuração absoluta. Em casa, no bairro rico do Rio de Janeiro, através de uma live, o declarado eleito, o Jair, se declara o escolhido, o Messias. Exibe o que reconheci como segundo volume das memórias de Churchill*, embora não haja sido especificado na imprensa, que, duvido, o eleito haja lido. Nele Winston profere: "se Hitler invadisse o inferno, pelo menos uma menção favorável ao diabo na Câmara dos Comuns eu faria". Era anticomunista, se referia a Stalin ao citar o diabo, ainda assim o relativizava em relação a Hitler. Stalin só merecia o segundo lugar porque sua falácia do "socialismo num só país" o mantinha "ocupado" interna e burocraticamente, e a Churchill uma ditadura do proletariado o preocuparia, mas não uma ditadura sobre o proletariado. Era o imperialismo alheio que afligia o dirigente inglês, quanto mais ele viesse com a bota da barbárie sobre os negócios e o povo europeu já que os ingleses estavam tentando deixar a barbárie para trás mesmo considerando-se donos da Ìndia, da Austrália, do Egito....
Já em a frente à casa, à frente de sua "equipe" de cabos (eleitorais), no pronunciamento à multidão que cerca o local, se confirma o aspecto patológico de sua patota bíblico-policialesca de homens cujos olhares projetam um reempoderamento (no pior sentido, no de retorno, de retrocesso) de tudo que há de mais insano na sociedade. Importante ressaltar: a insuportabilidade de aceitação de sexualidades multiformes, o ódio a personalidades que representem causas populares e humanitárias, assim como a defesa ecológica. Algumas aversões economicamente fundamentadas - defesa de áreas preservadas e das populações indígenas= entrave à exploração ruralista desenfreada, programas de amparo social= menos dinheiro do PIB economizado para fundo de garantia dos credores internacionais (teto de gastos) e outras mais subjetivas que respondem tardia e pateticamente a avanços que já alteraram por completo as estruturas sociais.
Mas no que me refiro a seus cabos, não se trata de aspectos físicos a priori (como o determinismo eugenista). È anímico. Seu staff e muitos de seus eleitores mais entusiastas são aberrações físicas porque são a imagem perfeita de seu conteúdo. Consumidos por um rancor visceral do que não conseguem encarar a não ser como uma aberração (travestis, transsexuais, transgêneros, lésbicas, gays, negros empoderados, índios diplomados), se transformam na verdadeira aberração social: o branco hipertrofiado com sangue nos olhos ou o atrofiado - em todos os sentidos – que, atrás das redes virtuais triplica de tamanho. Estes foram a caricatura do seu eleitorado, mas dentre os 57 milhões de eleitores do néscio, do muito, um tudo. Duas das pessoas mais doces e polidas no trato que convivi, uma delas esmerada em antecipar pagamentos, abonar, fazer equilíbrios financeiros em prol dos funcionários sob sua supervisão, se sentiram representadas pelo que o amigo Demétrio Xavier tão bem conceitualizou, numa conversa despretensiosa, como dublê violento, capaz de combater a crise atacando com a “devida” intolerância os inimigos caluniosamente forjados. Boa parte do Brasil elegeu Bolsonéscio com exceção da região nordeste - alvo do ódio das elites do sul e sudeste - triunfo das gestões petistas pelo investimento nas forças produtivas localizadas na região, assim como em programas assistenciais que retiraram milhões da miséria. Tal foi o teor da política petista o que não corresponde à defesa petista pós impeachment de que houve um "enfrentamento às elites" em benefício dos pobres. Tudo é uma questão de temporalidade. As concessões orçamentárias do Estado a programas sociais preconizados durante as gestões de Lula não arranharam o lucro das elites nem do mercado, ao contrário, o capital foi beneficiado na medida em que houve incremento no consumo e na qualificação de mão de obra para o mercado de trabalho, porém, em sua nova fase pós crise a retração do lucro exige do sistema uma resposta de arrocho salarial e social (teto de gastos). O capitalismo dá voltas.
Muito se mencionou nas intervenções de dirigentes socialistas – os quais frequento pois estão neste país muito alijados da exposição midiática, apesar da atuação quixotesca garantir-lhes certas aparições contundentes - de "ruptura da Constituição de 88", melhor dizendo: do acordo democrático costurado naquele ano. Os termos são muito impactantes, mas está tão descosturado da realidade quanto a democracia descosturada do povo. Podemos falar de democracia em termos de superestrutura, liberdade de filiação política, de organização política, de imprensa, etc, totalmente relativizada na prática, a liberdade de manifestação é permitida se a manifestação conta com meia dúzia de sindicalistas inofensivos prestes a ir tomar seu vinho no restaurante mais próximo ou se o protesto está devidamente adestrado pela mídia, caso contrário, a polícia estará no encalço cometendo abusos morais e materiais invariavelmente, criminalizando a liberdade de manifestação. A quantidade enorme de órgãos (da sociedade civil, não governamentais, assistenciais), refletem não uma diversidade de modos de organização que proliferam democraticamente, mas uma infinidade de carências a serem intermediadas, sanadas, minimizadas por setores da sociedade que, a partir das mais divergentes intenções, se mobilizam numa verdadeira "operação tapa buraco", tamanha fenda democrática, política e social. A democracia política é obstaculizada pela ditadura da desigualdade econômica. Para ficar somente no aspecto mais rotineiro, sem abordar as chacinas de jovens pobres e negros há décadas, ou o alijamento dos movimentos sociais e partidos que representam de fato interesses sociais sobre a quase totalidade das decisões políticas (câmaras e senado comprados), num país no qual um salário mínimo é de 954, o novo desgoverno promete cortar os investimentos em Cultura, mas um deputado federal ganha 13.400 de "auxílio cultura", num universo de "auxílio terno", "auxílio moradia", auxílio alimentação"... Aos amigos europeus, convém deixar claro: isso tudo e mais um pouco, além de um gordo salário de R$: 33.763. O cidadão no seu dia a dia praticamente não pratica a democracia, ele quase não se manifesta, ele espera quando no posto de saúde o mandam para casa e lhe dizem para esperar que o chamem, ele toma um ônibus lotado que passa de meia em meia hora porque a empresa alega redução da frota por risco de assaltos e ele aceita, há uma greve de metroviários e ele caminha duas horas para chegar à casa do patrão. Aqui, o centenário lema leninista trotskista de que os democratas não são capazes de cumprir com a democracia em países do capitalismo periférico se cumpre, neste século tivemos apenas duas, porém, determinantes ondas democráticas: as Jornadas de Junho e o ELE NÂO! As duas de caráter internacionalista, a primeira depois do mundo haver assistido a primavera árabe e a segunda depois de vermos as ruas das capitais estadunidenses tomadas contra Trump.

Parte 2/3

Domingo, 28 de outubro de 2018.

"Aproveitei o "passe livre" para sentir a temperatura que não se sente na televisão ou nas bolhas sociais e, embora soubesse que boa parte das pessoas, quando não a maioria naqueles coletivos, votaria ou havia votado em Bolsonéscio, o clima era de uma apatia tremenda. Tomei pelo menos dois ônibus que retornavam ou conduziam a bairros de residência da base do povo trabalhador e periférico. Em nenhum dos coletivos se deu alguma manifestação contundente além de uma breve conversa com um passageiro que perguntou "onde seria a festa da vitória", devido à minha minissaia de bolinhas e os escancarados adesivos de #ELE NÂO, pra ser sincera não sei se era de fato eleitor de Haddad ou queria sondar. À pergunta respondi que não haveria vitória, que, no máximo, haveria a derrota de Bolsonéscio. Ninguém adesivado em favor “dELE" e quase ninguém pelo treze ou#ELENÂO. Num dos desembarques no centro histórico da cidade, passou por mim um indivíduo com camiseta da candidatura, bandeira do Brasil e corneta (!!!) que não olhei nos olhos e passou quieto, e à minha frente caminhou um histérico casal de meia idade fardado de verde e amarelo, cada um com uma bandeira do Brasil nas costas. Muito mais adiante, na praça abarrotada, em frente à orla do Gasômetro que é o mais recente destino dos portoalegrenses a passeio após a reconfiguração - dita revitalização - um único homem de camiseta de Bolsonéscio estampado. O eleitor dele foi um eleitor tímido, retraído, ressentido, em sua esmagadora maioria, se isso soa estranho é porque os poucos vociferozes fizeram um estardalhaço tal e proferiram disparates tais, de dentro de suas casas para projeção por facebook e whatsapp, a ponto de hipertrofiar a aparência de histeria desse eleitorado via redes sociais, onde qualquer criatura ganha a coragem que não tem na vida real... Na rua, ele só se manifesta acompanhado salvo exceções extremamente pervertidas e levadas às últimas consequênciashttps://www.atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/2000649-mestre-moa-do-kantende-e-morto-a-facadas-apos-discussao-politica-em-salvador/, em grupo então, aí sim é a zona de conforto para praticar a violência verbal ou física que o discurso de Bolsonéscio tanto aclama.
Meu partido havia se intimidado e não organizou acompanhamento coletivo da apuração no segundo turno. Durante a fala do eleito, vaiei até demais pra quem subloca um quarto no apartamento de uma amiga que já não cai nas graças do síndico. Ninguém me acompanhou, o entorno permanecia em completo silêncio, o que se escutava, minutos depois, era o foguetório que vinha de local mais afastado, até que, lá pelas tantas, passou um com uma corneta (!!!) - os apoiadores de Bolsonéscio usaram cornetas e camisas da seleção brasileira de futebol que há muito não se orgulhavam de vestir no devido âmbito . Fui até a janela: "O terceiro turno vai ser na rua!”. Finalmente, uma voz se levanta: " Fascista!” Mais corneta e defenestro: “Não passarão!.” A voz vizinha repercute: "Conspiradores". E nada mais, sem mais corneta sem mais vizinha, sem mais vaia.
Uma das teclas mais marteladas por nosso campo era a ausência de Bolsonéscio nos debates, a escusa médica para escapar dos enfrentamentos foi a desculpa mais furada da história do país, pois a tendência já era manifesta antes mesmo do atentado do qual foi alvo em 6 de setembro e, recentemente fez flexão pros coleguinhas milicos com bolsa de colostomia a tiracolo. Bolsonéscio era um deputado desarticulado, com escassez de conceitos até mesmo mais simples, incapaz de formular uma narrativa de maneira integral cuja base eleitoral no Rio era obviamente militar e pensionista de militar. Seria derrotado num debate até por uma criança de dez anos que, facilmente, o enquadraria no ECA. O que a esquerda insistiu em ignorar é que o povo também estava fugindo do debate. A crise mundial e o rearranjo mundial de forças sociais e políticas soterra o que eram os prognósticos dos cientistas políticos e interrompe o próprio percurso das eleições gerais: a "estadunização" da política representativa, a polarização entre dois partidos hegemônicos PT E PSDB. O PT preferiu apostar num desenvolvimentismo "possível", num país apenas democrático e foi pego de jeito por uma crise mundial. Agora, toda a amedrontada esquerda brasileira paga o preço pelo PT ser o comunista (que nunca foi), pelo PT ter apurado os crimes da ditadura (que timidamente deixou apurar), pelo PT ter democratizado o ensino superior (que democratizou o dinheiro público com a iniciativa privada), pelo PT ter tirado 40 milhões de brasileiros da miséria (que a crise dita “marolinha” está devolvendo à miséria).
O brilhante debatedor que é Guilherme Boulos, mesmo com intervenções retoricamente perfeitas e que dialogavam com as demandas da maioria do povo, não passou do um por cento e, tudo que as pessoas não queriam ver era a "esquerda" governista engambelar, prometendo mundos e brasis de outrora que a crise levou e falsas promessas como um botijão de gás a 50 reais, medida que não se sustentaria por dois meses, tamanha sua artificialidade numa gestão cuja política econômica não romperia em nada com o programa neoliberal para o país, no máximo postergaria a agenda das contrarreformas durante a incerta gestão (o que, é obvio, já seria um freio enorme no ataque do capital mais cru e nu contra a massa trabalhadora brasileira).
O grande golpe, o que as pessoas se autoimpetraram mesmo tendo acesso à verdade (ver para não crer), é o de que o então candidato dublê, que acabaria “com isso daí" - a corrupção e a bandidagem - não vinha direto do chão do quartel, o que poderia, mas não necessariamente, justificar sua inabilidade com o mundo das ideias, mas estava lá há 28 anos, numa Câmara de Deputados podre, na qual nunca se destacou em nada nacionalmente, diferentemente dos parlamentares do Psol por mais cariocas e paulistas que fossem, muito menos no ataque à corrupção. A criança imaculada passou por, nada mais, nada menos, que 8 partidos durante seus sete mandatos, um dos quais o PP, partido que ocupa semanalmente as pautas da imprensa quando o assunto é corrupção, permanecendo nele por mais de dez anos e se filiou ao 17 só em março do presente ano eleitoral. A mídia que também não sabe o que é democracia, tratou como "polêmicas" os crimes que comete discursando, fazendo apologia à tortura, ao estupro e ao homicídio, crimes não tomados como tais que sim o tornaram conhecido em âmbito nacional no recentíssimo período.
Na terça-feira seguinte à eleição ocorreu o primeiro protesto pela Democracia em Porto Alegre, o qual não cheguei em tempo de acompanhar porque fiquei presa no trabalho, na cozinha. Meu trabalho mais árduo na casa da Margarete (que recém havia me conhecido e, claro, 20 minutos depois já sabia que eu era do PSOL), era esquivar-me quando vinha com o celular mostrando video pró Bolsonéscio. Margarete sempre me liberava cedo, mas aquele dia pareceria que, além das mil fake news do 17, recebeu também a agenda da esquerda com a hora bem verdadeira do ato, porque queria purê de moranga, arrozinho integral (cateto pra demorar bastante) e cadáver de boi vulgo "guizadinho". Às 20:30, quando cheguei à Esquina Democrática já nem sinal de democracia, a mobilização deve ter contado com número reduzido de pessoas. Dei meia volta e fui pra roda de samba que estava cheia.


Parte 3/3

A propaganda eleitoral brasileira neste ano parecia estar sendo transmitida nos anos 60. Tudo, tudo mesmo (!) que não estivesse apoiando as candidaturas milico restauradoras fazia parte da horda de “comunistas, esquerdistas, socialistas”. São Paulo deu show. No Rio Grande do Sul se criou um monstro chamado Sartonaro (abominável híbrido de Sartori com Bolsonaro), nos dois casos o segundo turno da disputa a governador ficou entre a direita com ralíssimas nuances.
Durante o discurso do eleito, nenhuma vaia além da minha se pôde escutar até onde meus ouvidos alcançaram, só tinha meu próprio retorno.

Quinta, 22 de novembro.

Falta ainda um bom espaço de tempo para posse, 1ºde janeiro, mas o Messias começa a ser desvelado. Ao contabilizar 4 ministros (indicados) que respondem a processos por corrupção, profere, em encontro com parlamentares de seu mais recentíssimo partido (PSL, 17):

- "Muito mais grave que a corrupção é a questão ideológica".(site G1. 21/11 por Filipe Matoso). E segue:

- "Se nós errarmos, aquele pessoal volta e nunca mais sai". E quem vai ter que sair seremos nós, nadarmos até a Àfrica ou os Estados Unidos".
Ideologia...eu quero uma pra morrer. A ideologia é tão poderosa e diuturnamente tramada, que até a declaração supracitada será justificada em suas teias. No documentário "O guia pervertido da ideologia", Slavoy Zizek argumenta que a ideologia, ao contrário do que aparenta, "é nossa relação espontânea com o mundo" e para ter alguma chance de ser crítico a ela é necessário não despir-se de mecanismos que obstruam a realidade, mas vestir-se, recorrer a um sistema filosófico, uma lente que atue sobre a realidade de maneira a atribuir-lhe sentido crítico. Não seria justamente isso que está faltando? https://www.youtube.com/watch?v=jEPEHAgVUdQ&t=7s
No mesmo audiovisual, Zizek aborda obsessões temáticas da ideologia: "o outro goza de privilégios e prazeres" pervertido até: "o outro pode ser alguém que tenta roubar de nós a nossa satisfação". Uma ultradireita diretamente militarista e corrupta (desde a última declaração e indicação dos ministros abertamente corrupta) eleita com a bandeira anticorrupção (!) que durante a campanha incrementou o valor ideológico anti esquerda retrocedendo históricamente a 64 (data inaugural das ditaduras civis militares no cone sul), contra uma centroesquerda governista que, nas últimas 3 gestões governou - foi governada - para a burguesia, capitulou para os setores mais reacionários do ruralismo e da religião, manteve inquestionadas as concessões dos meios de comunicação, aderiu e organizou novos esquemas de corrupção endêmicos ao establishment, aparelhou para o acomodo o sindicalismo. O grande desafio para a práxis crítica, no atual cenário brasileiro, é como lidar com uma realidade ideológica não como se ela fosse uma inverdade, mas com uma atuação filosófoca e política cuja verdade vá às últimas consequências contra a ideologia.
Configurando um mercado consumidor gigantesco, um produto aqui desenvolvido acabou por elevar-se ao status de unificador nacional, os meios de comunicação, o rádio e a telecomunicação que "educaram" o cidadão brasileiro nos últimos 50 anos - o processo de Impeachment de Dilma Rousseff foi um complot facilitado pela campanha televisiva ostensiva de achincalhamento de tudo que remetesse ao PT e à figura de Dilma até o momento espetacular realmente digno de um programa dominical de qualquer emissora brasileira. É sempre importante lembrar que Lula governou diretamente com a algoz da terceira gestão do PT à qual perdoou dívida, renovou concessão, se negou a discutir a concentração dos meios. Um poder ideológico nunca antes visto foi, durante décadas, protagonizado pela televisão brasileira e, agora, no momento em que parte da novíssima geração reemplaza esse "produto nacional" por entretenimentos fabricados pela internet em escala globalizada, uma parcela considerável da população se identifica e é conduzida ao retrocesso pela Igreja Evangélica e o estratégico alargamento de seus meios de comunicação. Se nossa ideologia continuar consistindo em fazer balanços positivos e entusiastas em torno de um multiculturalismo com o qual não conseguirá ir às últimas consequências, por um lado, e um derrotismo que apenas faz ressuscitar os lemas contra o fascismo español por outro, continuaremos a ser surpreendid@s não pela dinâmica da realidade, mas pelo próprio imaginário defasado.

11 de dezembro, 2018.

Hoje é novamente terça-feira. Passaram-se duas semanas entre meu trabalho de transcrições sobre terceirização do trabalho a encargo de um cientista social, algumas panelas engorduradas no bistrô e muitos filmes na Netflix.
A esta altura da dinâmica política, o mundo do trabalho continua meio paralisado, mas a superestrutura galopa. Há um par de horas o “projeto” “Escola sem Partido” foi enterrado (ao menos por este ano) na Câmara Federal e (pasmem!) o presidente eleito não empossado é alvo do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) por lavagem de dinheiro. Assim como na Argentina, um motorista foi a pista. Lá ele* foi bem mais colaborativo e entregou planilhas completíssimas dos dólares transportados - trajetos, destinos, nomes, descrições de personagens, peso das malas, quantidade de notas - durante os governos dos Kirchner, passados dois anos do secretário de Obras Públicas* à época, desovar nove milhões de dólares num convento e ser preso em flagrante. Por aqui, apesar da discrição do funcionário*, a conta bancária dele não era tão discreta assim. Valores que ultrapassam o milhão movimentados na conta deste, em apenas um ano, abriram a tampa da primeira panelinha do Bolsonéscio: seu clã familiar/parlamentar.
O mal aventurado futuro governo chega ao auge de sua indicação de ministros (22) nomeando para o Meio Ambiente, pasta que seria suprimida, porém, mantida devido à péssima repercussão nacional e internacional, um fulano que preside o movimento Endireita Brasil e fraudou mapa de preservação ambiental na várzea do Rio Tietê para favorecer empresários. (http://www.ihu.unisinos.br/…/585353-um-investigado-por-frau…)
Mas nem mesmo se tem muito tempo para articular uma campanha crítica contra o futuro Sinistro do Meio Ambiente, as atenções daqueles que lutamos contra a quadrilha política militarista estão no desenrolar dos fatos levantados pelo Coaf e Ministério Público Federal, enquanto a rede Globo está preocupada em destacar os abusos sexuais cometidos por João Teixeira de Faria, o pretenso médium espírita e tratar de maneira muito secundária a gravíssima acusação contra os Bolsonéscio..
Apesar de ser a quarta chamada da pauta ficando atrás de “João de Deus” e alguma eventualidade grave (roubo de cargas por agentes policiais, chacina em igreja), o jornalismo da rede Globo fez uma obsessiva devassa no caso dos “depósitos suspeitos” focando mais no deputado Flávio Bolsonéscio, desvinculando-o do Messias, se contou meticulosamente o número de horas que um assessor investigado por haver efetuado depósitos na conta do motorista e receber salário e benefícios como tal, ficou fora do país e, mesmo a defesa do deputado alegando tratar-se de férias acumuladas tiradas da cartola no maior malabarismo que puderam, os jornalistas alertaram para o fato de que a estada no que seria a atual residência do assessor em Portugal, dobrou o tempo do benefício de férias. O Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) que não assisto, tem um dono que apoia diretamente Bolsonéscio e o recebeu em seu aniversário.
Hoje,14 de dezembro, o fuzilmento de Marielle Franco e Anderson Gomes cumpre 9 meses e, na véspera, a mídia divulga conteúdo de relatório da Polícia Civil que apurou plano para execução de Marcelo Freixo, eleito deputado federal pelo Psol e atual presidente da Comissão de DDHH na Assembleia do Rio. Já calejado de receber ameaças, Freixo conta com proteção desde 2008 pela instauração da CPI das Milícias na referida Casa, mas não deixa de dar arrepio a materialidade do plano, com data, hora e local programados para um par de dias depois.
Nisso sumiu o futuro Sinistro do Meio Ambiente, nisso perpassa a notícia de que o “futuro governo (futuro? Já não sei mais o que pode acontecer até janeiro, fevereiro, tudo está muito longe) sairá do Pacto Global de Migrações” há quatro dias do Dia Internacional do Migrante. Eu vou me arrastando nas descrições de Churchill mais porque ele escreve muito bem que por outra coisa, com receio do anacronismo, que nada, abro a Folha de São Paulo e lá está a Ucrânia em batalha naval com a Rússia e as devidas divisões nos apoios a uma ou outra...
O ano se estica ao máximo e a esta altura, 19 de dezembro é contraproducente abordar tudo que acontece, para isso estão os jornais, os jornalistas, a esquerda profissionalizada. Ontem o velho futuro Sinistro da Economia comeu e discursou para os industriais: - “Tem que meter a faca”. No sistema S, sistema de serviços como formação inicial e continuada, saúde, cultura e lazer, com investimento através da Receita Federal do arrecadado da contribuição das empresas sobre a folha de pagamento para corporações das próprias patronais da indústria, comércio e agronegócio. Meteram a faca no Bolsonéscio e deu merda, meter a faca no financiamento público do sistema privado vai dar merda também. https://www.nexojornal.com.br/…/O-que-%C3%A9-o-Sistema-S-qu…
O ministro do STF resolve chutar o balde e manda “soltura de todos os presos que estão detidos em razão de condenação após a segunda instância”, leia-se: mandou soltar o Lula. Do outro lado da força o Temer mandou caçar o Cesare Battisti para extraditá-lo no domingo.
Amanhã, dia 1º de janeiro, são esperadas entre 250 mil e 500 mil pessoas para a posse. Quem espera? São esperadas...Quando o PT era militava contra os governos neoliberais botava 100 mil em Brasília com movimentos sociais e sindicais, fui por duas vezes e faz tempo... Duvido que essa gente tenha gente pra botar duzentos mil. Um esquema de segurança nunca antes visto para um presidente nunca antes visto... Os partidos de esquerda (até os governistas) negaram-se a comparecer. Uma mostra de dignidade não ir aplaudir quem quer metralhar-te...
Ah, feliz ano novo...

*José López
*Oscar Centeno motorista de Roberto Baratta, então secretário de coordenação do ministro do Planejamento Federal Julio De Vido, que esteve durante 12 anos no comando de todas as obras públicas do kirchnerismo.
*Fabrício José Carlos de Queiroz. Assessor de Flávio Bolsonéscio (filho mais velho, deputado estadual recém eleito)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

A arte vai salvar a política.

Talvez ninguém seja tão intolerante quanto eu. Tão intolerante quanto eu escutando discurso político de artista. A maioria dos artistas quando o assunto é política costuma ser tão ruim quanto a maioria dos militantes políticos escrevendo poesia. A confusão de conceitos em termos de política só se compara à conceitualização linear em termos poéticos no outro. Eu faço os dois e devo confundir-me um tanto e escrever mal outro tanto, mas criticar eu faço bem.
A situação do Rio Grande do Sul é tal que já anseio muito ler sobre ela futuramente, junto com o Rio de Janeiro (este com os últimos 4 governadores presos), é um verdadeiro estado de calamidade. Professora fazendo faxina para botar algum dinheiro em casa, devido ao atraso e parcelamento do baixo salário, é só uma mera ilustração de todo o quadro calamitoso.
Sempre bom lembrar, caso para os de longe não fique tão claro, é uma crise de sistema, é uma crise arrolada por supostos agentes públicos, verdadeiros gerentes estatais do capital financeiro e sócios ruralistas locais, não é uma crise do povo mas para o povo.
Uma das calamidades: a extinção das fundações. Invisíveis para a base do povo, elas estavam lá, fazendo girar a cultura e arte locais (minha peça ia aparecer na RBS?), protegendo espécies de fauna e flora vitais ao ecossitema (outras entidades dependem da fundação para alocação de animais), contabilizando dados que permitem prospectar o futuro financeiro e o PIB do estado (!), o IBGE precisa saber o PIB do estado...
O movimento para salvar as fundações conformou uma dobradinha política que é a única necessária à governabilidade, a dos trabalhadores e os deputados estaduais que militaram dentro da Assembleia com maior ou menor grau de soltura e comprometimento com o mundo do trabalho.
E o balanço que temos hoje? Uma Assembleia cujo deputado mais votado foi un tenente na cauda do Bolsonéscio. Por outro lado os trabalhadores da FM Cultura da Fundação Piratini fundando uma rádio!
Pera lá, na inauguração da rádio web, no London Pub, na tarde de ontem estava Sofia Cavedon que acompanha a cultura na cidade seja ela feita na Restinga ou no London, e foi eleita para mandato próximo na referida Casa, o deputado Pedro Ruas, inveterado na defesa das fundações, não estava mas mesmo com seu mandato não renovado, bem sabem os servidores públicos que contam com ele em sua militância política sempre. A política está aí e há meia dúzia de mandatos combativos no parlamento gaúcho apesar do tenente e do futuro mandatario burguês como o atual só menos burro. Mas quando se fala em resistência, um fato político dos mais relevantes sem dúvida é a iniciativa desta rádio, Salve Sintonia.
O fenômeno conta com sua especificidade, os comunicadores da Fm Cultura, estes empreendedores, para desmistificar esta atitude a qual o neoliberalismo e seus administradorzinhos se apropriam, este “coletivo de comunicadores artistas” como diz Demétrio Xavier, é de um alto grau de consciência política, articuladíssimos durante o processo de ataque e consequente extinção da Fundação, cientes de seu papel para a sociedade gaúcha e o mais importante, não foram tomados pelo lamentismo político, iniciaram prontamente a construção necessária ao mantenimento da comunicação e arte de qualidade que é sua tarefa fundamental no que se nomeia resistência. No palco do London, José Fernando Cardoso enfatizou: “vamos continuar lutando pela rádio pública e não esqueçamos que nossos colegas que lá estão fazem o que podem para garantir um mínimo de qualidade à emissora”.
A tarde do sunday no London contou com apresentação de Paulinho Moreira mas como o dia era bem brasileiro, foi comemorando o samba que começou e a música não parou até as onze da noite. Nossos artistas de Ian Ramil a Gelson Oliveira, passando por Marcelo Delacroix, Simone Rasslan, Àlvaro Rosacosta, Tonho Crocco, Dany Calixto, Leandro Maia, Nino e sua “coluna Prestes”, entre outros instrumentistas maravilhosos de que não disponho o nome, se apresentaram na “abertura” da Salve Sintonia lindamente encerrada por Demétrio Xavier e sua guitarrita. De Pedrinho Figueiredo que encantou a todos com sua flauta transversa quero falar especialmente porque sua fala retomou o momento que foi um marco na defesa da TVE, FM Cultura e fundações, o festival “Salve Salve” no Centro Municipal de Cultura Lupicinio Rodrigues em junho deste ano. Ali o que houve foi uma demonstração de força, da capacidade de articulação dos comunicadores e artistas. O governo Sartori não conseguiu acabar com os servidores e artistas deste estado, são eles que construindo a resistência, veem o governo acabar e, se estamos longe de uma hegemonia capaz de de haver eleito elementos progressistas em defesa do estado e do povo gaúcho, há no mínimo, uma bela sintonia.