domingo, 6 de julho de 2014

Cantos do Sul da Terra



A la una lo escucho
con el habano 'pucho'
y con el gato, mi cuzco
A las seis paro el reloj
para volver en el tiempo
y escucharlo de nuevo.

Meu pai era um operário e vivia como um artista, ele não morreu, só não compartilhamos mais esta vida. Eu não consigo ler uma página por dia, dizem os neurocientistas que, para pessoas assim neurodispersivas, concentrar-se em algo é como para um atleta, transpôr obstáculos. Quando trabalhava na fábrica de couros ele acordava 4 da manhã, quando foi serígrafo imprimia numa mesma tela sem parar e, nas poucas horas que tinha para viver, tocava 'su guitarra' e cantava até o dia morrer. Dele herdei o riso fácil dos proletários, dos proletários organizados herdei o não me acostumar a entortar de tanto trabalhar. A vanguarda dos trabalhadores diz que eles são conscientes enquanto classe mesmo individual e momentaneamente alienados, não sei se meu pai ali, indivíduo, comigo pedaço de indivíduo, sabia direito o que cantava e eu o que estava ouvindo mas a classe, nesse momento, com certeza estava evoluindo...Panfletária ou não a canção comprometida com a causa,a alma, a reflexão tem papel imensurável para o povo trabalhador, é por causa dela que me permito escrever algumas linhas mesmo com tantos livros ainda sem tranpôr.
Todo dia enquanto entorto de tanto trabalhar, me pergunto como meu pai aguentava a vida que levava sem abandoná-la, e todo dia eu tenho uma resposta com hora marcada.
A uma da tarde esteja em meio ao trigo ou ao trânsito, em pleno stress: um remanso. Das 13 às 14h vem o ânimo para produzir o que preciso e a mais valia, posso dizer que, em uma hora, eu ganho o dia.
Cantos do Sul da Terra é o nome do programa concebido e conduzido pelo músico Demétrio Xavier transmitido pela rádio Cultura e retransmitido 6 da manhã.
A Demétrio eu comentei, quando atravesso a rua de Livrapool para Rivera piso em outro planeta, mas uruguai@s, argentin@s e riograndenses acham tudo muito parecido, parece que só eu ando à procura do elo perdido...De fato, quando piso, quando penso no Uruguay, não foi só uma pátria, foi uma infância que deixei para trás. Carrego duas rupturas, uma é universal, a do ser humano com seus primeiros anos para os quais até o fim da vida procura um eterno retornar, a outra é particular, a do migrante que não pertence mais à sua terra e nunca, totalmente, ao lugar no qual está. Todos os dias, durante 60 minutos eu ponho os pés na terra e vejo a infância voltar.
E é assim, com meus fones de ouvido 'boleadores' que, em qualquer canto da terra, escuto os cantos do sul e fico puta quando por algum motivo, por mais justo que seja, o programa é gravado. Porque o instante não é o mesmo, e a respiração é outra, porque é quando o rádio ligo, que paro de trabalhar gravado e começo a trabalhar ao vivo.