domingo, 7 de julho de 2013

Vendo! Compro! Fechado!


O Mercado Público com suas bancas, ofertas e demandas parece uma bolsa de valores das iguarias. Assim que o mercado é aberto ao público, começam a ser cantados os números...quando chego no saguão entro no griteiro que só não empolga os menos ativos:

- 51!!!
- Uma boa ideia!
- Gelo e limão!


Pago as especiarias em espécie, mas esta prática está prestes a ser abolida pois o dinheiro eletrônico é a transação da maioria. E nessa maioria, milhares de pequenos empreendedores vamos em busca de opções para nossas ações gastronômicas. Para mim, o mercado público é tudo, menos peixe. Aos dezoito anos, além de ser o lugar no qual comprava os ingredientes para confeitaria, era local de passagem em direção ao terminal de ônibus que me conduzia à escola de teatro da Terreira da Tribo. Comecei a parar de vez em quando e foi lá que inaugurei um hábito dos mais solitários, dos menos saudáveis: tomar cerveja comendo Trakinas. Os amigos estranham mas depois aderem, porém nunca lá, no Mercado a cerveja é só minha, com minhas contas, minhas trakinas, só o garçom a testemunhar minha sina. Na segunda-feira próxima faria minha primeira entrega de doces no Mercado Público, iria ao mercado vender meu peixe, mas no sábado o mercado sofreu um fire e logo depois se seguiu a grande depressão. Justamente na parte mais afetada pelo incêndio ficava localizado o Telúrico, restaurante vegetariano da Márcia, que assim como eu aprendeu a cozinhar com a avó, e fazia qualquer vegetariano não se sentir um peixe fora do aquário em pleno mercado.

Para alguns comerciantes o incêndio de sábado deve ter sido, de fato, a bancarrota. Mas é interessante observar a fala do delegado Hilton Muller à RBS surpreso ao entrar no local e detectar que somente 10% do prédio havia sido consumido:

— O que vimos pela imprensa, era de que o dano era muito grande. Nos surpreendeu muito positivamente que o dano não tinha tanta dimensão.

Pedro não acredita, mas dentro de minha dispersão multidimensional tenho meus momentos de profunda observação, ninguém é escritora sem ser observadora. Na declaração do delegado está contida clara orientação das autoridades municipais para minimizar qualquer estrago que afete o "clima Copa do Mundo" , apesar de ficar claro que Porto Alegre tem mais vocação para a rebeldia que para o turismo. Os porto-alegrenses não estão neste mundo a passeio e também observam com atenção suas rotinas alteradas por obras viárias conduzidas a toque de caixa para inglês ver e moradias e famílias removidas autoritariamente como na vila Tronco. Porém, as notícias que me chegavam de quem acompanhava o incidente pela televisão eram realmente dramáticas. Para alguém que se sente à vontade nesta cidade e insiste em ocupá-la apesar de suas exclusões e desigualdades, um incêndio no Mercado Público é uma tristeza singular.

Do Mercado não carrego somente os bons momentos na Pão de Açúcar da pieguice "água com açúcar" do David Coimbra. Ele já foi um castelo fechado em meio à escuridão, habitado por ratos numa madrugada qualquer em que eu habitava a rua sem ter qualquer lugar para dormir. O mercado está em mim com tudo que tem de bom e de ruim, como tudo que amamos só pode ser assim.
A vida deve ser aspirada, vista de perto, vivenciada, não há tela que a represente. Estava a dez minutos do incêndio quando o telefone tocou e não havia caminho que não me conduzisse para o que parecia ser o desastre daquele prédio. Ao chegar constatei que uma parcela do imóvel era afetada e toda a parte inferior aparentava estar intacta. Quando o telefone tocou novamente era sobre o perigo da exposição à fumaça tóxica a notícia a ser alarmada. Fumaça sobe, no perímetro do mercado se respirava perfeitamente, no trajeto de volta me deparei com grande concentração da fumaça na avenida Salgado Filho.

Não havia duas semanas estava na avenida Borges de Medeiros quase na esquina com a Salgado Filho respirando, ou pior, sem respirar o gás lacrimogêneo que na Primeira Guerra Imperialista era considerada arma química e mudou de nome para que a repressão policial parecesse "ação técnica" de "efeito moral". A Salgado Filho em questão é uma das avenidas mais poluídas do país pela concentração de poluentes emitidos pelos ônibus que ali passam e têm seus terminais, e cujos prédios se encarregam de emparedar. Qualquer um que fique esperando nas principais sinaleiras ou paradas de ônibus desta cidade traga sua boa dose de fumaça diária, do diesel dos caminhões, dos ônibus da Viamão. Fumaça tóxica de madeira dos anos sessenta para mim é quase ar puro...

Sobre a imprensa...bem...vejamos...depois de acompanhar o protesto referido acima no centro da cidade, acompanhei a transmissão televisiva do protesto...
Odeio teoria da conspiração, ou qualquer outro falso terror que leve ao medo, à submissão ou ao engano. O problema é quando a conspiração é na prática, sai da teoria. O que vi foi uma sequência de imagens editadas criminosamente. Eu havia acabado de sair do real, que, em tese, é sempre parcial, indivídual, para a teórica imparcialidade da mídia que acompanhava o todo...A minha pequena parcela por mais tapada pela cortina de fumaça que estivesse, era mais verdadeira que toda a transmissão exibida na televisão. A prática de sobrepôr imagens e espisódios para consumar fatos não acontecidos não é coisa da mídia somente durante grandes golpes como na Venezuela de 2002, mas também na Porto Alegre de 2013 quando fomos golpeados pela polícia. Incrível...

Pode ser que, assim como os mercados, as câmeras se auto-regulem. Tudo é uma questão global. Tudo depende do ânimo. Dos investidores.

Me toca o estrago de 10 ou de 1% no Mercado Público. Já sentimos o aumento no valor do condomínio em função do PPCI, o Plano de Prevenção do patrimônio público da cidade estava vencido há seis anos...

Eu adoro arte, em Geni e o Zeppelin, música da "Ópera do Malandro", versão brasileira de Chico Buarque para uma obra de Brecht, se conta a história de uma cidade que merece ser explodida por concordar com o horror e a iniquidade, em "Dogville" de Lars Von Trier, a personagem principal decide incendiar a cidade para arrasar junto com o horror, a hipocrisia.

Os funcionários da bolsa de valores surtam em pouco tempo, se aposentam em pouco tempo. Os funcionários do Mercado Público trabalham lá há décadas...vejo seus filhos serem levados para trabalhar lá também, vejo que o trabalho duro inquestionado pelos pais é mal tragado pelas gerações atuais...afinal, no mundo das aplicações e dos aplicativos, dos milionários de vinte anos de idade, pode não ser o sonho emitir papéis com continhas feitas de cabeça um dia inteiro todo dia. No mundo do pregão eletrônico, o esforço físico carregando caixas pesadas pode não ser uma atividade tão bem cotada. Mas sempre há algum ou outro Hegeliano que acredite que o escravo é que é realmente livre...

Quando o índice de pessoas é muito alto eu dispenso uma "solidariedade comerciária" e ludibrio a clientela pregando alguns valores nutricionais dos alimentos que estão a comprar. Um dos funcionários, tem em mim uma espécie de corretora, vira para o pai:

- Não é a primeira vez que ela me salva quando o cliente pergunta.

Agora, e não sei por quanto tempo, o mercado onde: vendo! e: compro! está: fechado!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

"Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano"




Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano.
Quero lançar um grito desumano
que é uma maneira de ser escutado.
Chico Buarque, Cálice





O discurso da manhã é um, a prática da noite é outra.

Na manhã de segunda-feira,Tarso Genro, o hipócrita, concedeu entrevista coletiva atribuindo os atos violentos durante as gigantescas manifestações a agentes da extrema direita e disse que, se preciso fosse, defenderia a sede do PSOL como defende as empresas de comunicação...

Na noite de segunda-feira os militantes do PSOL presentes no protesto, desde a vereadora até o mais recente militante de base, estávamos intoxicados em plena esquina democrática - por mais irônico que esse apelido caia ao trecho da Rua dos Andradas nessas ocasiões.

Enquanto escrevo, nós, que chegamos aos poucos em casa, vemos pela janela entreaberta, um desfile medonho. Depois da passagem de talvez uma centena de pessoas que não identifico como militantes e com uma aparente agressividade reprimida disposta a acertar as contas com um Estado negligente de qualquer maneira, um bloco do BOE avança, atrás dele uma dezena de camburões, na retaguarda a cavalaria. Nós tomamos as ruas, e a polícia tomou a nossa rua. Na televisão, os "comunicadores" lastimam a destruição das agências bancárias...

Eu caminhava indignada, uma jovem chorava durante o protesto, havia sido assaltada. Não são poucos os policiais à paisana que sorrateiam as manifestações, pelo visto não é para impedir a violência, a menos que a violência seja dispensada à sacrossanta propriedade privada. Ela ainda lacrimejava quando vieram as bombas de gás lacrimogêneo, a Brigada Militar começava o vandalismo.
A polícia é a minoria que faz barulho, a minoria agressiva, a minoria que macula as manifestações.

O Tarso diz que os partidos estão falidos. Eu digo que o partido do Tarso está falido. A mídia diz que "partidos" tentam cooptar o movimento. Os partidos da esquerda radical - que não estarão falidos enquanto não se declarar fim a este sistema há muito falido - não lançam seus enormes e nocivos tentáculos sobre o movimento, eles são o gérmen do movimento, apenas zelam para que a rebeldia que baixou a passagem de ônibus em Porto Alegre e em todo o Brasil não se transforme na "manifestação bonita" da rede Globo, cuja imbecilização repercute em tantas bocas ingênuas cooptadas das ruas para seus telejornais: manifestação bonita... manifestação bonita...

Efeito moral é um nome bonito... para o quase choque anafilático que as bombas provocam. O atordoamento provocado pela insuficiência respiratória e ardência parcialmente cegante não provoca só dispersão, é um convite à confusão geral, não fosse a consciência de cada um em tentar não colocar os outros em risco, um pisoteamento não estranharia e seria consequência direta do "efeito moral" da polícia.

Eu subestimava o poder, do vinagre. Em meio à desordem provocada pelo avanço da PM, um ataque de solidariedade, inúmeros manifestantes menos afetados ofereciam o produto aos que estavam sob efeito do gás. Um deles molhou minha luva para que inalasse o líquido, caiu literalmente, como uma luva.


Em seguida, a violência tomou conta da região central da cidade. Seria tão estranho e tão facilmente repreensível alguém a saquear uma televisão de uma loja durante um protesto se a polícia não atacasse toda a manifestação provocando o caos... Os revolucionários não querem uma tv LCD, os revolucionários querem a RBS tv. Quem precisa de ladrão atuando em meio aos atos é a polícia, caso contrário, não haveria visão turva dos telespectadores, nem cegueira momentânea da militância petista que não enxergasse: ela está aí para reprimir os filhos dos trabalhadores, jovens trabalhadores, os filhos dos servidores, futuros servidores, a serviço do governador que de dia promete política mas de noite manda a polícia.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O povo não esquece, abaixo a RBS


Meus olhos ardem na frente da tela. e olha que eu sou a primeira a sair correndo, o efeito moral - a desmoralização - em mim é muito eficiente, as agressões físicas quando criança contribuíram sobre maneira com minha obediência civil, minhas detenções são todas muito legítimas, dificilmente me verão num surto de heroísmo enfrentando o choque, se meus olhos ardem, imagina os daqueles com vocação para mártir...

Só faltava um ingrediente para a encomenda de docinhos que me foi feita para entregar terça. Sendo o local do protesto ao lado do Mercado Público de Porto Alegre foi para lá que me dirigi antes de chegar ao ato, afinal: primeiro o dever, depois o prazer. Me deparei com algo insólito, antes das 18:30, mercado fechado e três brigadianos atrás das grades - do portão. Desisto de tentar conciliar trabalho e agitação...agora só vou protestar.

Os arredores da Prefeitura tomados, bandeiras tremulando e nas palavras de ordem: cobras e lagartos. Vez que outra se ouvia: Sem partido! Sem partido! Decididamente não haveria luta contra o aumento da passagem na cidade não fosse a militância dos partidos de esquerda nos anos e meses precedentes e sua contribuição intelectual para demonstrar como, mesmo maquiadas as planilhas, as contas dos transportadores não fecham. Partidos que já foram de esquerda, como o PC do B ali presente, só podiam emudecer durante as inúmeras vezes em que a Copa e a Dilma eram o alvo do repúdio, afinal...

Os grandes meios de comunicação que tentaram isolar e criminalizar as primeiras manifestações com considerável repercussão, mudaram a tática de maneira oportunista quando a adesão popular foi massiva ignorando o reacionarismo da mídia. Os editores chefes mudaram a linha. Agora manifestar-se é "belo", um "mar de gente" ocupa as ruas e, desemboca no "pacífico" .Estas bombas de efeito moral atiradas no ar incessantemente são uma tentativa desesperada de introjetar no brasileiro sua duvidosa vocação para a paciência, a pacificidade. Mas o discurso da pacificidade acaba quando se chega às portas da RBS. É aí que mais perigosas que as ondas se tornam as margens que as contêm...Quando chega a hora da Zero Hora a tolerância é zero.

Quando o mar de gente se aproximou do Dilúvio o Choque entrou em ação. Os tubarões da comunicação dispõe de uma tropa de poraquês e seus cavalos nada marinhos. Se o motivo que deflagrou o ataque desferido pela polícia foi, por acaso, a investida isolada à loja de motocicletas lhes veio a calhar, porque desde que adentramos a avenida Ipiranga, o mar já não estava para peixe.O capital é algo fantástico, empossa regimes, derruba regimes e sua ditadura se perpetua. Tenho a impressão que, se os mesmos anarcoboys que insistem em atitudes além coletivo e indiscriminam seus alvos
atirassem uma dúzia de Harley-Davidson ao Dilúvio, desde que fosse no trecho do arroio remoto à RBS, a tropa teria dado um arrego.

Depois de muita tensão gerada pela repressão policial, grande parte da marcha adentrou a Cidade Baixa, foi quando encontrei o que já foram as "amiguinhas" de uma das "filhinhas" da qual fui, sou, sei lá, babá. Meu instinto matriarcal tão desprendidamente reprimido ou a síndrome da cuidadora aflorou, agora tinha uma razão de ser muito nobre no ato, não era dirigir as massas ou enfrentar o Choque, era uma tarefa mais árdua: a mãe da Vitória ao telefone...Fato é que depois desse choque geracional uma coisa está decidida, este ano não vou fazer trinta, vou fazer quinze, de militância. Nesta sociedade de qualquer maneira estarei enquadrada, manifestar-se é crime, mas envelhecer também.

Depois que dispersamos tudo prosseguiu, repressões isoladas, ações impensadas, mas para o bem, nada mais continua como estava...a passagem também já não é a mais cara.
Corri para chegar em tempo de comprar leite condensado, mas o supermercado do esquilo havia fechado as portas apressado.




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sexta-feira, 14 de junho de 2013

"Isso não representa o movimento"


A frase acima foi improvisada em cartaz fixado no que restou de uma fachada de vidro de uma das agências bancárias atingidas ontem durante o protesto contra o aumento das passagens em Porto Alegre.

Deixei meu trabalho como garçonete às 20h numa corrida contra o tempo para protestar contra o aumento. Meu grande elogio à comunicação, a escassez de meios de comunicação, me fez seguir sem saber de imediato para onde ia, o ato havia começado um par de horas antes. Parei junto a uma viatura da EPTC e perguntei ao agente de trânsito a localização da manifestação "contra o aumento da passagem" naquele momento: - Não moça, não é contra o aumento, é em apoio a São Paulo...

Eu adorei a pretensa correção pois já houve tempos em que agentes e policiais monitoravam e reprimiam protestos sem saber direito o porquê e lhe agreguei: - Contra o aumento aqui, que pode ser decidido no judiciário e contra o aumento em São Paulo. Me foi informada com detalhes a localização da marcha e voei para a avenida Borges de Medeiros.
A meu lado iam outros cinco atrasados para o ato, todos brigadianos.

Rua tomada, trânsito trancado, eis um dos problemas desta cidade. O direito de ir e vir é algo tão abstrato e tão concreto, tão simples e tão complexo que para conseguir refletir sobre ele tenho que recorrer a discriminações do tipo: como se vai e como se vem, com quem se vai e com se volta e até onde se vai... Quando uma manifestação tranca uma via é com o deliberado propósito de chamar a atenção pública para alguma causa e o decorrente congestionamento do trânsito é uma maneira de fazer o problema chegar à sociedade.O que pouco se reflete é que no caso em questão impedir o direito de ir e vir de veículos por três ou quatro horas chama a atenção para o direito de ir e vir das pessoas o ano inteiro pois ter ou não ter o valor correspondente à tarifa é o que vai determinar esse direito numa cidade com longas distâncias como esta. Não faz uma década que caminhei de Viamão (conhecida como uma das "cidades dormitório" pelo fato das pessoas trabalharem na capital e voltarem a ela apenas à noite) até o centro de Porto Alegre para buscar trabalho já cansada de incomodar os cobradores da Carris que, sempre solidários, permitiam minha viagem clandestina. Se o preço da passagem não é uma obstrução do direito de ir e vir da massa trabalhadora eu não sei o que é.

Algo menos aparente mas nem por isso menor sobre o direito de ir e vir é o modus operandi desta ação... Milhares e milhares de automóveis particulares com capacidade para cinco pessoas, boa parte das vezes portando apenas uma, obstruem diariamente as ruas das capitais brasileiras, a pessoa está lá no ônibus já contrariada de ter que pagar caro para viajar em pé, esmagada, depois de ter aspirado muita fumaça durante um longo período na parada e se depara com a tranqueira. Além de obstrução da via pública, o modelo consumista, automobilístico que sustenta governos e mídia constitui-se numa violência sanitária - psíquica e fisiológica - contra cada indivíduo.

Quando a mídia - que chama de "liberdade de expressão" seu monopólio de expressão - veicula que manifestações populares"prejudicam" "àqueles que nada tem a ver com a situação" prejudica a inteligência dos espectadores que devem saber: neutro só o sabonete, a neutralidade para o ser social não existe. Aqueles que, por ingenuidade ou por perversão, se abrigam sob a máscara da neutralidade mais cedo ou mais tarde responderão por este ato. Discriminando, o lado ingênuo: a maioria da população, o lado perverso: a imprensa da minoria.

A certa altura da manifestação encontrei um dos rostos mais bonitos que já vi, tapado. Se minha amiga de mais de uma década não tivesse me abordado, não a teria reconhecido ao passar. Lhe perguntei sobre o lenço cobrindo a face e me argumentou ser uma defesa contra a espionagem da polícia que tem como prática invasiva registrar de todas as formas todos os indivíduos dos protestos que realizamos desde sempre. Marchamos debatendo a eficácia ou não desta "defesa' contra a intrusão policialesca, eu sempre me senti mais protegida mostrando a cara, porque fazendo isso não sou mais uma "mascarada" a qual facilmente a mídia demoniza, sou a colega de trabalho, a vizinha que dá bom dia, que no posto de saúde está parada na fila. Foi em aumentos anteriores da tarifa, que quando viu minha cara na tv sendo detida pela polícia a Rita, mãe da Carol, se levantou lá na Lomba do Pinheiro: - A Ana ninguém deixa presa! Foi ontem, quando voltava da manifestação que um garçom do bar da esquina - o qual nem frequento - me para: - Se a polícia te prendesse a gente ia lá te defender. E isso com essa cara, imagina com a cara da minha amiga...

Quando cheguei na rua da Cidade Baixa na qual moro como doméstica, me deparei com alguns vizinhos comentando sobre o rumo derradeiro da manifestação da qual grande parte dos participantes havia se despedido. Danificação de um veículo particular e muitas pichações de casas do bairro. Eu realmente acho que mais cedo ou mais tarde as pessoas terão de parar de fingir que os problemas da cidade não as envolvem direta ou indiretamente, mas esta hora, violenta ou não, não deve ser por decisão de um ou outro indivíduo que falta com respeito ao patrimônio público desta cidade tanto quanto a prefeitura, patrimônio que não é a vidraça do Paço, nem a agência do Bradesco, nem a loja da Oi, o verdadeiro patrimônio público de Porto Alegre são as pessoas. Não confundir com as pessoas da Ana Amélia, "as pessoas" para o PP só tem um sinônimo primeiro e último e é "os latifundiários".

Indignada com toda agressão mal paga por parte da polícia e toda agressão gratuita por parte de quem atua em desacordo com o coletivo, eu insisto, "isso não representa o movimento" tanto quanto o prefeito desta cidade não representa seu povo.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Nós tomamos


Nós tomamos as ruas desta cidade contra mais um aumento absurdo da tarifa do transporte público. Misteriosamente e corroborando com toda a balela ocidentalista de "estado de direito", "democracia madura", o judiciário interviu em favor da classe trabalhadora contra a classe transportadora questionando real margem de lucro, exclusão de receitas nos cálculos, atual frota circulante...Digamos que suas contas são relativas, quando se trata de receita a margem é mínima mas quando se trata de despesas estas aparecem abissais. Enfim, se descobriu que a máfia do transporte e seus agentes estatais são mais pós-modernos do que se imaginava, o relativismo dela coloca qualquer acadêmico desta corrente no chinelo.

Mas alegria de pobre dura pouco. Mesmo reduzida, a passagem continua absurdamente cara em relação à renda e à qualidade do serviço, mas se comemorava a reparação do último injusto reajuste quando vem a notícia: nossas crianças tomam leite cancerígeno.

Quando vierem à tona todas as adulterações praticadas pela indústria alimentícia todo mundo saberá que a gente não come, se envenena, mas o crime cometido pelos transportadores de leite - sempre os transportadores...- com total aval das indústrias receptoras que até agora foram isentas de responsabilidade, é um crime hediondo. A bebida é tida, errônea e culturalmente como base de crescimento das crianças, Lembra? O elefante é fante Parmalat...Sobre o "errôneo" poderia escrever um parágrafo inteiro sobre a inferioridade do cálcio no leite animal em relação ao gergelim e à salsinha mas deixa para lá.

O preço do leite disparou. Nós pagamos e tomamos. Brecht disse que as mães fariam a revolução, entregariam a vida contra a injustiça e pelos seus filhos...Cadê as mães para tomar as ruas contra o preço do leite??? Contra o câncer no leite??? Começo a crer que a alienação é um tumor que se alastra em nosso organismo de maneira irreversível e fatal e o câncer é só uma doença da qual posso padecer em breve.

O crime do leite ainda está fresco quando é anunciado o crime do Mantega. O ministro da fazenda isentará transportadores de passageiros de dois tributos. Nós tomamos as ruas para ajudar os empresários dos transportes no laissez faire! Mas essa jogada genial só foi possível porque o ministro tomou parte por eles.

Em dez anos de toma lá dá cá com setores da direita tradicional o governo do PT deu uma aula magna de como gerenciar o Estado em favor da burguesia. Contrariando a consigna de meu partido: "Contra a velha política", eu estou com saudades da velha política. Na nova política do PT, da direita tradicional e da burguesia, as siglas são "marcas", as consignas são "slogans" e o ideal é "o carrinho", "a casinha"...o ser humano "um consumidorzinho". Eu luto contra minha ignorância matemática, adentro na história e me informo sobre psicologia não para ser uma grande militante, mas para ser uma grande comerciante, para militar me basta ser explorada nove horas por dia, seis dias por semana. O problema é quando as coisas se misturam...os petistas deixaram a militância pela gestão empresarial, algo mal resolvido no lóbulo frontal.

Nós tomamos sempre... O leite adulterado, a esquerda adulterada.
Nós tomaremos as ruas sempre contra os transviados transportadores de leite, de passageiros.
As mães deverão tomar as ruas num grito histérico e uníssono que ecoe pela via- láctea.

domingo, 21 de abril de 2013

Microsoft

Hoje o domingo começou saudosista. Pão caseiro, receita da vó Maria, a vó não é minha mas serve. Mate companheiro e atraso costumeiro para ver a OSPA no parque Farroupilha. Breve ataque a Juremir Machado ali no restaurante depois da igreja positivista, antes do Brique. O Brique é uma região de microclimas, o velho da viola parece predominar mas dali a poucos metros são os índios kaingangues que se precipitam numa dança que não é a da chuva, mas parece e, antes de passar pela roda de capoeira, pela banda de folk e pelo cara da folha adentrei o parque, eu queria era pegar o Borhguettinho. O Borghettinho não é um deus grego, mas é um deus gaucho.

Como é da vida encontrei toda Porto Alegre na apresentação menos as amigas com as quais havia marcado. O Bernardinho, agora com nove, meu amigo desde os quatro, é uma linda amostra da população porto-alegrense, resolvi acompanhá-lo: - Be, vou ficar aqui te olhando andar de bicicleta. Não me recordo com qual conhecido saí a tira-colo pelo parque em poucos minutos, mas me lembrem de jamais ter filhos.

Eu estava procurando uma moça delicada, linda, de nome Flávia - que significa "dourada"- neta da vó Maria do pão caseiro e encontrei um cara nervoso, de cara nervosa, de nome Miguel - tem "Deus" no meio mas não faz jus - marido de minha (pasmem) madrinha (pasmem) de crisma.

Miguel é um tipo de referência desde a infância, quase um elo perdido que a gente encontra de vez em quando, o sujeito que parece existir para que uma criança demasiado tímida e sensível o veja e pense: -" Esse cara me assusta, mas parece criança também". Devo estar sob efeito do Pequeno Príncipe, vi o filme pela primeira vez há um par de dias, soubesse o quão profundo era, teria lido o príncipe do Exupery e não o do Macchiavello. Mas Miguel nunca pareceu ser um adulto sufocando sua criança interior reprimida por negligência que se reencontra durante um acidente de avião e pode "perdoar" o mundo adulto, indiferente, estéril. Ele sempre foi o próprio avião em queda livre, o elefante indigesto à jiboia, um eterno pequeno príncipe. Quando o vi estava perdido também, e quando nos encontramos, num diálogo mudo, concordamos que só perdidos realmente nos encontrávamos.

O Renato no palco, numa performance pra lá de bagual e eu indagando Miguel sobre commodities. Depois veio o que ele chamou de "Fagundaço" com canto alegretense e tudo e Miguel a insistir que a única maneira de combater o agronegócio era ele limpando seus três vulcões e regando sua rosa. Algo que para adaptar à linguagem adulta chamou de "microrrevoluções". Os uruguaios - tem mais essa, é uruguaio - são conservadores. Tanto de esquerda quanto de direita, damos um jeito de mudar tudo para não mudar nada. No fundo, Miguel permanece um comunista mesmo que, para tentar justificar a conversão neoliberal de seus companheiros de geração no poder, corrobore com o discurso sobre " transformações locais", "radicalização da democracia", "socialismo do século XXI", crianças também são ingênuas.

Eu acho que o homem é o lobo do homem e não a raposa boazinha do pequeno príncipe, me bastava um Estado Estatal. Que o Estado era o aparto político-administrativo da classe dominante já sabíamos, mas ele vai além de sua razão de existir - fachada legal para entes privados surrupiarem o dinheiro do povo, em outras palavras, lavagem de dinheiro. O Estado, sofre uma espécie de "metacrime" o crime dentro do crime, a privatização do Estado cuja burguesia já é proprietária. Se eu fosse uma criança inventiva como o pequeno príncipe perderia tempo pensando num nome para isso. Privatização por etapas, reprivatização, autoprivatização, enfim, ser dono do álbum e dar uma figurinha em troca de duas.


Como toda a população porto-alegrense é composta majoritariamente por não porto-alegrenses, já havia encontrado outro uruguaio: - "Veio ver o show feito com a grana do Souza Cruz? Achei que não gostasses desses capitalistas". Recapitulando: o álbum é da Souza Cruz, as figurinhas são da Souza Cruz...mas o dinheiro para comprar o álbum e as figurinhas vem do trabalho canceroso e deprimente a que são expostos os trabalhadores rurais, quando a Souza Cruz joga alguma figurinha repetida todo mundo junta. Mas é compreensível o sarcasmo, o público ri do palhaço porque teme ser atrapalhado, mal sucedido, ridículo como ele. É melhor rir, ser funcionário de uma universidade pública que, dia após dia é entregue de bandeja a investimentos privados e aceitar resignado poderia dar vontade de chorar.

Esse tipo de atitude é típico subproduto do que chamamos de "segunda geração". A geração que vem depois de uma perspectiva de mudança social derrotada por forças reacionárias contrariadas sempre vem estragada. Miguel me contava de seu sobrinho, filho de comunista, exímio funcionário da Souza Cruz... segunda... geração...estragada....

A nossa definição para "segunda geração" é brincadeira, sério mesmo é quando a gente finge não ver que a jiboia pode engolir tudo, até um elefante.

sábado, 6 de abril de 2013

MÃOS AO ALTO: ESSE AUMENTO É UM ASSALTO!

Eu não tenho facebook. Para mim, todos os facebooks são fakebooks. Na carência desesperada pela comunicação se dá a comunicação "segura" atrás de um perfil-escudo. Discussões intermináveis à parte, a favor ou contra as redes - se ninguém deu bola para o genial Guy Debord quem sou eu para dizer que estão todos no espetáculo - meus últimos ataques histéricos por causa do face foi com meus companheiros de luta, para saber das manifestações contra o aumento das passagens tinha que passar pelo face, deixei de participar de um dos protestos por ignorá-lo. Isso denuncia duas debilidades: minha aversão às relações virtuais, teleguiadas, remotas e (pior ainda) a falta de instâncias democráticas nos partidos para informes e confronto de ideias.


Hoje, um dos jornais reacionários de grande circulação na cidade não teve outra escolha a não ser publicar declaração de um motorista do transporte coletivo para o jornalista: "O clima está outro. Todo mundo está mais feliz".Todo mundo está mais feliz...o conceito de felicidade é algo que intriga a filosofia desde seu surgimento, quase tanto quanto a morte e, como tudo na filosofia, a resposta pode ser mais simples do que parece. Mas a reflexão filosófica, alguém já disse com palavras mais contundentes, tem o dom de reduzir o complexo ao simples e de transformar o simples num complexo rebuscado.

E o que é o simples nisso tudo? A felicidade, que sempre tão exaurida teoricamente por alguns que nunca a sentem, acaba sendo possível para quem sabe senti-la onde ela de fato se manifesta, no bolso claro. Brincadeira óbvio, mas na prática os quarenta centavos de ida e volta que garantem mais lucro à mafia dos transportadores são a felicidade de uma mãe que compra dois cacetinhos para o café da tarde porque, às vezes, não tem nem isso. E o que é o complexo nisso tudo? Quase tudo...

Foi justamente no ato da quarta-feira da noite em que eu pintava as unhas por não estar no facebook, que a Guarda Municipal e a Brigada Militar empreitaram atos de repressão que resultaram na detenção de minha companheira de partido, estudante do curso de enfermagem Luany Xavier. Foi nos atos das quartas-feiras dos anos anteriores que muitos outros estudantes, trabalhadores e vagabundos também, fomos detidos de forma autoritária expostos às línguas más ou boas daqueles que hoje representam a felicidade geral da diminuição do valor da passagem do transporte "público".

Dessa trajetória que remonta aos protestos contra o aumento do valor da tarifa do bonde (!) pode-se perceber como a felicidade se conquista e que "o mal do século que paralisará milhares em 2030", a depressão, pode ser combatido remediando a solidão social em que nos encontramos, quando milhares paralisem este sistema egoísta formador de seres humanos temerosos prontos a dividir apenas as vitórias sem tomar parte por elas.

Tomar parte e tomar as ruas foi uma coisa que os jovens desta cidade souberam fazer neste último e sempre estafante aumento das tarifas. Não sou uma entusiasta da juventude, gostaria de lembrar o nome do escritor desta assertiva: a juventude é capaz de qualquer coisa, quase nunca de ser original, mas sou uma entusiasmada com os fatos, e o fato é este: a juventude desta cidade fez o aumento da passagem ser revogado.

A bancada do Psol na Câmara fez sua parte, sua obrigação, ajuizou ação cautelar contra o, mais uma vez, indevido aumento e também ajudou a revogá-lo. A isto vem meu amigo e militante social Azeitona. Azeitona argumenta comigo que, este procedimento institucional pode desmobilizar o movimento, transmitir à população uma ideia de conquista do judiciário e que o prefeito da cidade pode sair desta situação o mais imaculado possível.

Tudo isso é possível mas, para mim, improvável Azeitona. A mobilização ganha novo fôlego com essa conquista, seu fortalecimento ou enfraquecimento (que não está em pauta) terá oscilações e será determinado por um conjunto de coisas que dependem muito mais da politização a ser fomentada e da capacidade de construir frentes de luta para as outras muitas demandas urgentes na cidade. Eu não sei o que é espontaneísmo, para mim espontaneísmo das massas é o que os comunistas chamam quando são na verdade os anarquistas que estão dirigindo as mobilizações e o que os anarquistas dizem quando são eles que estão patrolando as massas. Me xinguem no face.

A população da cidade viu as ruas ocupadas nas duas semanas seguintes ao aumento, se ela acha que a conquista foi do Pedro e da Fernanda é porque o spray das pichações foi inalado em massa e todos ficaram birutas. As juventudes do Psol são das mais guerreiras e atuantes, os mandatos destes vereadores seriam estéreis ao objetivo do partido senão pleiteassem as demandas sociais levadas a cabo por este setor. O judiciário se colocou, como raras vezes, onde deveria estar sempre, ao lado dos interesses públicos.

O Fortunati...não precisa nem a cigana da Praça Montevideo no Paço Municipal ler suas mãos, todo mundo sabe que há dinheiro de empresário nelas, sua gestão licita e privatiza para os empresários corruptos, para eles, Porto Alegre sempre é demais. Está claro que o José pode ser Fogaça, Fortunati mas sempre será Fantoche. Os réus na ação que resultou na medida cautelar são o Comtu (Conselho Municipal de Transporte Urbano), a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) e o Município de Porto Alegre mas quem reagiu foram os transportadores. É a tão sonhada luta direta entre trabalhadores e patrões do anarquismo Azeitona, que mais se pode querer???

Voltando à felicidade, ela é como a sociedade, dividida em classes. A felicidade de muitos é a tristeza de uns. Os empresários do transporte são sindicalizados (Seopa), rebeldes em suas (palavras de) ordens:O PROCURADOR-GERAL DA CAMINO É IRRESPONSÁVEL AO AFIRMAR QUE A TARIFA PODERIA SER 2,60! e partidários da ação direta - vão buscar na justiça a manutenção do aumento.

Estou a um passo dos trinta, longe de virar uma "balzaquiana" quero continuar uma marxiana. Com quase trinta e gritando: Tri caro, tri demorado e ainda por cima tri lotado!
Minhas quase trinta primaveras e meu marxismo quase militar me dão vontade de pegar pelos cabelos uma meia duzia de gurizadinha que estava com latinhas de cerveja no ato.Mas com que moral vou fazer isso, se os pais deles vão estar se empedrando com latinhas de cerveja na Copa? Deixa pra lá, as pessoas estão à janela para nos ver passar durante o horário "nobre" da novela, vou continuar nessa primavera portoalegrense gritando: Mãos ao alto: esse aumento é um assalto!

quarta-feira, 6 de março de 2013

Nosso luto é na luta!


O mundo acabou em 2012. Como o prognóstico era latino a coisa atrasou um pouco e depois de alguns feriadinhos, carnaval e um belo recesso, por fim, a coisa toda começou a deslanchar em 2013 (claro, o calendário era maya mas a latinidade potencial...). Meu embasamento teórico para tal afirmação sobre o fim do mundo é Slavoj Zizek, que se deslocou da Eslovênia à Câmara de vereadores de Porto Alegre para comunicar duas coisas, que Chávez morreu e que concorda com Fukuyama. Zizek é quase (ufa) um Chacrinha, ele veio para confundir. Chacrinha era rodeado por umas mulheres "objeto" com roupas apelativas e vulgares . Zizek é orbitado por um ovni, uma argentina que faz publicidade de lingeries...

Os militantes do capitalismo com mais visibilidade (os da mídia) prontamente o rotularam (depois os comunistas é que são conservadores) de filósofo pop star . Mas ao ouvi-lo pela primeira vez sem mediação audiovisual entendi. A cada sacada intelectual e conclusão lógica - que nada têm de conclusivas pois pensa desesperadamente para todos os lados, países, épocas, teóricos -as pessoas aplaudem, mas não dá vontade de aplaudir, dá vontade gritar gol. Até imagino o que Zizek deve ouvir de sua argentina: Sos un crack...

Sobre o fim do mundo, da história, etc, etc, etc, o esloveno é um provocador e "não discordar completamente de Fukuyama" é apenas uma maneira de aprofundar o fim da história até Hegel para atacar a teoria do estadunidense na raiz. Em seu Vivendo no fim dos Tempos o filósofo, professor, militante, psicanalista, analisa e critica as reações, respostas e alternativas políticas (ou despolitizadas) à atual fase da crise capitalista (apocalíptica) pelos próprios capitalistas e demais agentes sociais, a partir dos estágios do luto elucidados pela psicanálise a saber: negação, raiva, barganha, depressão, aceitação. Quanto a Chávez, não era provocação, até gostaria que fosse. A provocação ficou para os meios de comunicação da burguesia que comemoraram escancaradamente o falecimento. Nas manchetes de forma deliberada não se lê frases como: O presidente da Venezuela Hugo Chávez faleceu vítima de câncer como diriam de qualquer empresário corrupto e sim: Chávez está morto. Meu amigo Rodrigo Fonseca doutor em Análise do Discurso há de convir comigo, se "Chávez está morto" parece que ninguém morreu, e sim que algo indesejado findou e mais um monte de coisas...

O Papa renunciou...Quando os meios de comunicação estiverem na mão de comunistas retrógrados caçadores de bruxas como Yoani Sánchez obviamente serei a editora chefe e vou publicar: O Papa caiu fora. Perdeu mané. A classe proletária que planeja expropriar as classes possuidoras de maneira hedionda pelo menos dá aviso prévio para não provocar desordem...

Slavoj Zizek é um conservador - como o papa, que por sinal é o sonho de qualquer um desses agentes do Bird, FMI, BM que baixam por aqui querendo acabar com a previdência social, só se aposenta quando está com o pé na cova -, quando formulou suas críticas contra o discurso anticonsumista hipócrita as maçãs orgânicas ainda eram piores que as envenenadas, isso já foi superado, está desatualizado, pouco dialético. Quanto ao resto não deixa de ter razão, a pós modernidade nos traz café descafeinado, cerveja sem álcool, sexo virtual e ao reciclar o lixo queremos ingenuamente reciclar o capitalismo, mas insisto na superioridade das maçãs no atual estágio da produção agroecológica para ser bem marxista...

Sobre o processo bolivariano e a mão na cara que o povo venezuelano e Hugo Chávez meteram no capitalismo imperialista (redundância..) que sempre adorou não só o calendário como o ouro maya, meus amigos Mathias Luce e Carla Ferreira produziram vasto material, também conviveram nos barrios caraqueños, é só lançar seus nomes na internet para ler. Mas para aqueles que pensam que é o fim da história na Venezuela eu lembro: Simón Bolívar morreu doente há quase duzentos anos, e aviso: a revolução bolivariana será - para provocar Zizek - a nossa causa recuperada.



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

TRAZ A ALEGRIA PARA OS FILHOS TEUS!


Como sempre, chegando às vésperas do desfile na quadra da Bambas, tomo conhecimento do tema enredo: a águia altaneira, símbolo da escola. Fico feliz, temo pelos temas que tentem agradar a alguém ou a todos...ou quando se fala de índios ou de negros, às vezes acontece de algo importante ser retratado de maneira ingênua, prefiro algo ingênuo sendo tratado com importância. A Bambas não tem patrocínio privado o que nos livra de abrir as pernas para qualquer Namorado - em 2009 uma escola de samba da cidade recebeu patrocínio de arrozeiros.


Um dia antes do desfile a fantasia ficou pronta, normal, é isso mesmo. Peguei um táxi na quadra para carregar a alegoria, mas o taxista era negão, carioca, filho de milico do tempo do Getúlio, e não gosta de carnaval nem de comunista e a passageira, uma branquela, uruguaia, carnavalesca e comunista, e não gosta de filho de milico do tempo do Getúlio. O debate foi tão empolgado que até erramos o caminho, esqueci para onde ia e ele para onde me levava, parecia samba de crioulo doido. Fiz um trecho a pé e encontrei com algumas clientes da loja em que trabalho: - Quero desfilar ano que vem também, que escola é?
e alguns catadores de lixo: - Azul e Branco...é Bambas né? Sou bambista também.

A sexta-feira que inaugurava os desfiles era a véspera do último dia de uma semana de trabalho cansativa, assim que terminasse a passagem da escola (última a desfilar...) voltaria ao trabalho. Em casa comecei a arrumar a fantasia e acompanhei algo da primeira escola a desfilar pela televisão, descobri que o cara com jeitão de jazzista norte-americano ao qual vendo pão sem glúten é Luiz Armando Vaz...Já era madrugada quando abri a persiana e vi que chovia, e chovia também mal encarado na rua. Azar, peguei minhas penas azuis e voei rumo ao camelódromo pegar um ônibus pro sambódromo. O Porto Seco deve ser o único lugar iluminado na região, sempre havia feito o trajeto em bando, distraída e agora reparava o quanto era inóspito, o ônibus parecia um trem fantasma. A iluminação era mais residencial que pública. A certa altura entrou um branco na lotação, achei que fosse ladrão.

No barracão a velha guarda, bela guarda, a bateria passando a toque de caixa, para dar espaço me grudei na velharada, ainda vou ser enquadrada no estatuto do idoso por assédio...E enquanto a velha guarda só ria o resto da escola corria e foi-se a hora... tá na hora. Na coordenação de minha ala Elaine e Fábio, desfilo sempre na ala que aparece, mas exibida que sou me acho a rainha da bateria...dois dias antes estou tomando água de coco para sambar até desidratar, a Flávia tira onda perguntando da "globeleza", mas longos trechos da passarela estavam tão escorregadios que eu estava a desfilar feito uma gueixa (globeleza do Japão), controvérsias à parte, o motivo parece ter sido a pintura feita às pressas, para adequar o local e impedir a suspensão dos desfiles, diluída na água da chuva que caía.

Em meio ao desfile vejo desde a avenida, na arquibancada, dona Margarete em êxtase por me ver na primeira ala da escola, quase atirou seu Hélio e a Emanuelle no meio do carnaval de tão emocionada, fiz um esforço enorme para não comungar daquela histeria coletiva protagonizada pelos três, mas devem ter me escapado uns dois tchauzinhos bobos (vai que perde ponto...).

Eis o ponto, perder ponto. Já quase no término de um brilhante desfile caracterizado pela sempre emocionada e aguerrida dedicação de seus componentes, após haver enfrentado apenas alguns percalços, quando já me encontrava na dispersão é que vem a notícia - é impossível saber o que acontece além ou aquém de alguns poucos metros da própria ala ou carro alegórico - um carro parou por excesso de peso e seus ocupantes concluíram o desfile no chão. Ainda tentávamos assimilar quando irrompe na dispersão o presidente da escola, Cleomar, sendo amparado, aos prantos pelo acontecido.Um carnaval pode ser comparado a uma peça de teatro, a um jogo de futebol, se trabalha um ano inteiro para apresentar tudo em uma hora, mas o teatro pode ter uma temporada inteira para redimir uma falha na estreia, um time pode ter um segundo jogo para mostrar um gol, a escola de samba não tem perdão. O desalento era geral apesar do samba enredo ser entoado alto e uníssono mesmo já terminado o desfile.

Geral também foi o comentário, muito alardeado pela mídia, de que a escola estaria fora da disputa do título de campeã e que este seria decidido no segundo dia de desfiles. Tão alardeado que até nós acreditamos. Só tem uma coisa que costuma ser pior que um comentarista: um jurado. Já estava resignada, após anos sem acompanhar os desfiles pela televisão comprovei principalmente na transmissão do Rio de Janeiro como patrocinadores, rede Globo e suas respectivas exigem que a mercadoria carnaval seja a supremacia da técnica e da tecnologia, cujo elemento popular de maior destaque é a bunda. Coreógrafos caríssimos, rainhas globais, e carros muito hollywoodianos são os requisitos do atual bom carnaval. a bateria...esta parece ser o baluarte da criatividade inatingível pela patrola mercadológica, ela se impõe a qualquer imposição, é magistral. Meu amigo Cláudio que não entende o carnaval... duas baterias da Mangueira numa avenida são um escândalo, dirigir duas baterias cujos componentes não são eruditos disciplinados e sim faxineiros, taxistas, seguranças, padeiros, pedreiros, em meio a quatro mil componentes é um escândalo, mas eu sou gente rasteira pergunte ao Buarque de Holanda o que ele vê na Mangueira.


Pensar que a Trovão Azul - bateria da Bambas que é uma verdadeira tempestade - as bem acabadas fantasias e a emocionada nação azul e branco estariam inexoravelmente fora da disputa por problemas em uma parte do todo parecia injusto, porém, factível. Havia algo, somente algo, de lógico nisso, o defeito no carro poderia retardar a evolução, mas era o último carro...está bem, vá lá, atrasou dois minutos...o povo espera o ano inteiro pelo carnaval, o que são mais dois minutos de alegria. Alegria perante a tecnocracia do mercado que infiltra o carnaval, assim como a política. A profissionalização do carnaval é inevitável e saudável, assim como na política. Cumprir com quesitos torna possível o julgamento pois somente uma escola levará o título, mas não pode ser que um problema bem superado anule um todo excepcional, Me lembro da primeira peça de teatro na escola da Terreira da Tribo, a alpargata de minha personagem que ameaçava a protagonista com palavras, escapou em cena e na mesma hora improvisei segurando o sapato na mão ameaçando-a fisicamente. Não deveria eu ganhar no quesito improviso? Não deveria uma modelo que cai numa passarela e se levanta com toda a graça receber mais propostas de trabalho pelo domínio da situação?

Quase não acreditei no resultado da apuração, imagino a velha guarda segurando o velho coração. Os jurados surpreenderam ao provar que não são reféns do reinado da técnica sobre a alegria e o que predominou neste carnaval foi o trecho do samba enredo em menção à águia:

Traz a alegria para os filhos teus!

Parabéns Bambas da Orgia, campeã do carnaval de Porto Alegre.