domingo, 21 de abril de 2013

Microsoft

Hoje o domingo começou saudosista. Pão caseiro, receita da vó Maria, a vó não é minha mas serve. Mate companheiro e atraso costumeiro para ver a OSPA no parque Farroupilha. Breve ataque a Juremir Machado ali no restaurante depois da igreja positivista, antes do Brique. O Brique é uma região de microclimas, o velho da viola parece predominar mas dali a poucos metros são os índios kaingangues que se precipitam numa dança que não é a da chuva, mas parece e, antes de passar pela roda de capoeira, pela banda de folk e pelo cara da folha adentrei o parque, eu queria era pegar o Borhguettinho. O Borghettinho não é um deus grego, mas é um deus gaucho.

Como é da vida encontrei toda Porto Alegre na apresentação menos as amigas com as quais havia marcado. O Bernardinho, agora com nove, meu amigo desde os quatro, é uma linda amostra da população porto-alegrense, resolvi acompanhá-lo: - Be, vou ficar aqui te olhando andar de bicicleta. Não me recordo com qual conhecido saí a tira-colo pelo parque em poucos minutos, mas me lembrem de jamais ter filhos.

Eu estava procurando uma moça delicada, linda, de nome Flávia - que significa "dourada"- neta da vó Maria do pão caseiro e encontrei um cara nervoso, de cara nervosa, de nome Miguel - tem "Deus" no meio mas não faz jus - marido de minha (pasmem) madrinha (pasmem) de crisma.

Miguel é um tipo de referência desde a infância, quase um elo perdido que a gente encontra de vez em quando, o sujeito que parece existir para que uma criança demasiado tímida e sensível o veja e pense: -" Esse cara me assusta, mas parece criança também". Devo estar sob efeito do Pequeno Príncipe, vi o filme pela primeira vez há um par de dias, soubesse o quão profundo era, teria lido o príncipe do Exupery e não o do Macchiavello. Mas Miguel nunca pareceu ser um adulto sufocando sua criança interior reprimida por negligência que se reencontra durante um acidente de avião e pode "perdoar" o mundo adulto, indiferente, estéril. Ele sempre foi o próprio avião em queda livre, o elefante indigesto à jiboia, um eterno pequeno príncipe. Quando o vi estava perdido também, e quando nos encontramos, num diálogo mudo, concordamos que só perdidos realmente nos encontrávamos.

O Renato no palco, numa performance pra lá de bagual e eu indagando Miguel sobre commodities. Depois veio o que ele chamou de "Fagundaço" com canto alegretense e tudo e Miguel a insistir que a única maneira de combater o agronegócio era ele limpando seus três vulcões e regando sua rosa. Algo que para adaptar à linguagem adulta chamou de "microrrevoluções". Os uruguaios - tem mais essa, é uruguaio - são conservadores. Tanto de esquerda quanto de direita, damos um jeito de mudar tudo para não mudar nada. No fundo, Miguel permanece um comunista mesmo que, para tentar justificar a conversão neoliberal de seus companheiros de geração no poder, corrobore com o discurso sobre " transformações locais", "radicalização da democracia", "socialismo do século XXI", crianças também são ingênuas.

Eu acho que o homem é o lobo do homem e não a raposa boazinha do pequeno príncipe, me bastava um Estado Estatal. Que o Estado era o aparto político-administrativo da classe dominante já sabíamos, mas ele vai além de sua razão de existir - fachada legal para entes privados surrupiarem o dinheiro do povo, em outras palavras, lavagem de dinheiro. O Estado, sofre uma espécie de "metacrime" o crime dentro do crime, a privatização do Estado cuja burguesia já é proprietária. Se eu fosse uma criança inventiva como o pequeno príncipe perderia tempo pensando num nome para isso. Privatização por etapas, reprivatização, autoprivatização, enfim, ser dono do álbum e dar uma figurinha em troca de duas.


Como toda a população porto-alegrense é composta majoritariamente por não porto-alegrenses, já havia encontrado outro uruguaio: - "Veio ver o show feito com a grana do Souza Cruz? Achei que não gostasses desses capitalistas". Recapitulando: o álbum é da Souza Cruz, as figurinhas são da Souza Cruz...mas o dinheiro para comprar o álbum e as figurinhas vem do trabalho canceroso e deprimente a que são expostos os trabalhadores rurais, quando a Souza Cruz joga alguma figurinha repetida todo mundo junta. Mas é compreensível o sarcasmo, o público ri do palhaço porque teme ser atrapalhado, mal sucedido, ridículo como ele. É melhor rir, ser funcionário de uma universidade pública que, dia após dia é entregue de bandeja a investimentos privados e aceitar resignado poderia dar vontade de chorar.

Esse tipo de atitude é típico subproduto do que chamamos de "segunda geração". A geração que vem depois de uma perspectiva de mudança social derrotada por forças reacionárias contrariadas sempre vem estragada. Miguel me contava de seu sobrinho, filho de comunista, exímio funcionário da Souza Cruz... segunda... geração...estragada....

A nossa definição para "segunda geração" é brincadeira, sério mesmo é quando a gente finge não ver que a jiboia pode engolir tudo, até um elefante.

sábado, 6 de abril de 2013

MÃOS AO ALTO: ESSE AUMENTO É UM ASSALTO!

Eu não tenho facebook. Para mim, todos os facebooks são fakebooks. Na carência desesperada pela comunicação se dá a comunicação "segura" atrás de um perfil-escudo. Discussões intermináveis à parte, a favor ou contra as redes - se ninguém deu bola para o genial Guy Debord quem sou eu para dizer que estão todos no espetáculo - meus últimos ataques histéricos por causa do face foi com meus companheiros de luta, para saber das manifestações contra o aumento das passagens tinha que passar pelo face, deixei de participar de um dos protestos por ignorá-lo. Isso denuncia duas debilidades: minha aversão às relações virtuais, teleguiadas, remotas e (pior ainda) a falta de instâncias democráticas nos partidos para informes e confronto de ideias.


Hoje, um dos jornais reacionários de grande circulação na cidade não teve outra escolha a não ser publicar declaração de um motorista do transporte coletivo para o jornalista: "O clima está outro. Todo mundo está mais feliz".Todo mundo está mais feliz...o conceito de felicidade é algo que intriga a filosofia desde seu surgimento, quase tanto quanto a morte e, como tudo na filosofia, a resposta pode ser mais simples do que parece. Mas a reflexão filosófica, alguém já disse com palavras mais contundentes, tem o dom de reduzir o complexo ao simples e de transformar o simples num complexo rebuscado.

E o que é o simples nisso tudo? A felicidade, que sempre tão exaurida teoricamente por alguns que nunca a sentem, acaba sendo possível para quem sabe senti-la onde ela de fato se manifesta, no bolso claro. Brincadeira óbvio, mas na prática os quarenta centavos de ida e volta que garantem mais lucro à mafia dos transportadores são a felicidade de uma mãe que compra dois cacetinhos para o café da tarde porque, às vezes, não tem nem isso. E o que é o complexo nisso tudo? Quase tudo...

Foi justamente no ato da quarta-feira da noite em que eu pintava as unhas por não estar no facebook, que a Guarda Municipal e a Brigada Militar empreitaram atos de repressão que resultaram na detenção de minha companheira de partido, estudante do curso de enfermagem Luany Xavier. Foi nos atos das quartas-feiras dos anos anteriores que muitos outros estudantes, trabalhadores e vagabundos também, fomos detidos de forma autoritária expostos às línguas más ou boas daqueles que hoje representam a felicidade geral da diminuição do valor da passagem do transporte "público".

Dessa trajetória que remonta aos protestos contra o aumento do valor da tarifa do bonde (!) pode-se perceber como a felicidade se conquista e que "o mal do século que paralisará milhares em 2030", a depressão, pode ser combatido remediando a solidão social em que nos encontramos, quando milhares paralisem este sistema egoísta formador de seres humanos temerosos prontos a dividir apenas as vitórias sem tomar parte por elas.

Tomar parte e tomar as ruas foi uma coisa que os jovens desta cidade souberam fazer neste último e sempre estafante aumento das tarifas. Não sou uma entusiasta da juventude, gostaria de lembrar o nome do escritor desta assertiva: a juventude é capaz de qualquer coisa, quase nunca de ser original, mas sou uma entusiasmada com os fatos, e o fato é este: a juventude desta cidade fez o aumento da passagem ser revogado.

A bancada do Psol na Câmara fez sua parte, sua obrigação, ajuizou ação cautelar contra o, mais uma vez, indevido aumento e também ajudou a revogá-lo. A isto vem meu amigo e militante social Azeitona. Azeitona argumenta comigo que, este procedimento institucional pode desmobilizar o movimento, transmitir à população uma ideia de conquista do judiciário e que o prefeito da cidade pode sair desta situação o mais imaculado possível.

Tudo isso é possível mas, para mim, improvável Azeitona. A mobilização ganha novo fôlego com essa conquista, seu fortalecimento ou enfraquecimento (que não está em pauta) terá oscilações e será determinado por um conjunto de coisas que dependem muito mais da politização a ser fomentada e da capacidade de construir frentes de luta para as outras muitas demandas urgentes na cidade. Eu não sei o que é espontaneísmo, para mim espontaneísmo das massas é o que os comunistas chamam quando são na verdade os anarquistas que estão dirigindo as mobilizações e o que os anarquistas dizem quando são eles que estão patrolando as massas. Me xinguem no face.

A população da cidade viu as ruas ocupadas nas duas semanas seguintes ao aumento, se ela acha que a conquista foi do Pedro e da Fernanda é porque o spray das pichações foi inalado em massa e todos ficaram birutas. As juventudes do Psol são das mais guerreiras e atuantes, os mandatos destes vereadores seriam estéreis ao objetivo do partido senão pleiteassem as demandas sociais levadas a cabo por este setor. O judiciário se colocou, como raras vezes, onde deveria estar sempre, ao lado dos interesses públicos.

O Fortunati...não precisa nem a cigana da Praça Montevideo no Paço Municipal ler suas mãos, todo mundo sabe que há dinheiro de empresário nelas, sua gestão licita e privatiza para os empresários corruptos, para eles, Porto Alegre sempre é demais. Está claro que o José pode ser Fogaça, Fortunati mas sempre será Fantoche. Os réus na ação que resultou na medida cautelar são o Comtu (Conselho Municipal de Transporte Urbano), a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) e o Município de Porto Alegre mas quem reagiu foram os transportadores. É a tão sonhada luta direta entre trabalhadores e patrões do anarquismo Azeitona, que mais se pode querer???

Voltando à felicidade, ela é como a sociedade, dividida em classes. A felicidade de muitos é a tristeza de uns. Os empresários do transporte são sindicalizados (Seopa), rebeldes em suas (palavras de) ordens:O PROCURADOR-GERAL DA CAMINO É IRRESPONSÁVEL AO AFIRMAR QUE A TARIFA PODERIA SER 2,60! e partidários da ação direta - vão buscar na justiça a manutenção do aumento.

Estou a um passo dos trinta, longe de virar uma "balzaquiana" quero continuar uma marxiana. Com quase trinta e gritando: Tri caro, tri demorado e ainda por cima tri lotado!
Minhas quase trinta primaveras e meu marxismo quase militar me dão vontade de pegar pelos cabelos uma meia duzia de gurizadinha que estava com latinhas de cerveja no ato.Mas com que moral vou fazer isso, se os pais deles vão estar se empedrando com latinhas de cerveja na Copa? Deixa pra lá, as pessoas estão à janela para nos ver passar durante o horário "nobre" da novela, vou continuar nessa primavera portoalegrense gritando: Mãos ao alto: esse aumento é um assalto!