segunda-feira, 26 de outubro de 2015

El País

O Brasil e o Uruguay discrepam muito em dimensões, discrepam muito em índices educacionais, discrepam muito. E por mais que se discrepe sobre as fronteiras entre sul do Brasil, Uruguay e Argentina brasileiros de todo o Brasil e uruguayos de todo o país concordam em discrepar dos argentinos de Buenos Aires...

Se há uma coisa que aprendi do trotskismo é que não há ismo num só país e, por mais que o pão com manteiga seja uma prova irrefutável de que estou em Montevideo, o jornal parece ter sido trazido por um cachorro brasileiro.

Uma mídia arbitrária que, para além de seu discurso totalizante, reserva o mesmo tempo de pronunciamento para representantes do poder público e da "oposição" como se estes também governassem a nação, um governo ex esquerda que dedica dois minutos de ódio diários aos dissidentes, uma classe média medíocre que se indigna com a corrupção, com os ataques à liberdade de expressão, com os uruguayos que votam no país sem nele residir e com o kirchnerismo, no país vizinho...

O que as classes médias do continente, luso ou hispanofalantes, não conseguem formular é que as empresas indianas ou de qualquer parte do oriente instaladas na República Oriental decidem e legislam mais que qualquer cidadão com seu voto epistolar, que meia dúzia de canais de televisão, todos com a mesma visão, vociferam para preservar seu monopólio da expressão enquanto 56 rádios e um canal de televisão criados por povos originários são autorizados na Argentina, que toda corrupção pode significar um bebê em óbito à espera de uma ambulância, uma criança sem merenda na escola, um velho sem remédio, uma casa de cultura sem acervo, mas a corrosão no erário provocada pelo sistema financeiro que escoa o dinheiro gerado pela população local para instituições privadas trans(nacionais) é maior, que é fácil odiar adolescentes delinquentes mas muito difícil farejar violência nos jovens filhos das classes proprietárias que não estão roubando, mas estudando para perpetrar o sistema da desigualdade social.

Há uma dimensão que nossos setores esclarecidos mais nocivos parecem não querer acessar, que é uma análise radical da violência, onde ela é mais capaz, onde não se deixa decifrar. É justamente essa violência fundamental que o sujeito exclui de seu entendimento que volta, como uma psicose, diretamente do real, com uma magnitude brutal, com uma mão armada batendo no vidro do carro pronta pra matar e para a qual ele só vê uma saída: a perversão institucional, "o Estado para me proteger deve os castigar", mas a violência continua a aumentar então é preciso ser uma mão armada pronta para matar.

Viro a página, seção internacional, há, em diferentes magnitudes, em nosso continente, insuficiente controle popular sobre a vida cidadã, herança colonial, presente de nosso capitalismo dependente e motivos para restringir liberdades em certo grau do processo, do kirchnerismo ao castrismo passando pelo bolivarianismo e delirando com o trotskismo sempre aparecerão, ainda justificadas todas as contradições, bloqueios e boicotes, há uma dimensão que nossos setores esclarecidos mais revolucionários parecem não conseguir acessar, que é uma aceitação radical da liberdade individual, que sempre permanecerá residualmente, diretamente do real, tratada como uma psicose.

O bom de ler um jornal já sabendo o que está escrito é poder focar na língua vernacular, rememorar certos regionalismos, aprender alguma curiosidade gramatical, tentar abstrair que há um capitalismo, um neoliberalismo, um golpismo, um istmo que une os países de nosso continente por mais que estes estejam profundamente separados pela qualidade do pão no café da manhã.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Presente

Dizem que as mulheres amamos com os ouvidos, para mim que não sei o que é amar na surdez, não poderia fazer mais sentido a não ser sobre o que é dito, com a boca, com um olhar dirigido, com as mãos num violino.

Isso deve explicar uma paixão que carrego, a única que nunca me leva ao desatino, a que tem explicação, argumento e raciocínio.

Por alguma razão que os outros talvez desconheçam o que me junta aos professores é muito mais que uma escuela. Eu lembro bem da primeira maestra, tão bem como se fosse esta. Lembro da segunda, já sem túnica, sem bandeira nem por isso tão distante daquela da pátria celeste, as lembro porque estão em mim e até hoje eu digo: presente!

Lembro até dos que não amei pois amei colateralmente, com o professor de geografia tínhamos um tratado para lá de Tordesillas, ele não me dava "falta" e eu não ficava para escutar os descalabros que ele dizia e, foi numa dessas, entrincheirada na biblioteca, que entendi Simón Bolívar, su maestro era un héroe tan Simón cuanto su cría.

Longe das páginas dos livros, precisamente entre as folhas arbóreas do outro lado da rua eu aprendia, quase adulta, que uma árvore sozinha era uma pequena cidadezinha. Em plena aula de biologia era adentrada na poesia ao saber que uma angustifolia é composta de angústia e folia, e como voltar pro the wall da escola depois de tal heresia.

Fui aprender do mundo o que há em sua periferia, o que se escuta do berimbau apesar do silêncio de quem o ensina. O que tinha pra me dizer uma luta que vem da China e mais do que o golpe em si no resultado li anatomia. E mesmo fora dos eixos pus o pé numa academia, em barricadas pelo salário, em cátedras de grego, bancas de antropologia, mas em matéria de física sempre agiu em mim uma força centrífuga e nesse universo eu nunca tive matrícula, porém como quem invade, saqueia e por fim conquista, tenho mais professores comigo no percurso que em cada curso de quaisquer campi da América latina.

Aquele que denuncia como civis, em suas aparentes rotinas, financiaram material e ideologicamente ditaduras militares em terras brasileiras e platinas, não se contenta em defender as massas em sua abstração do dia a dia, acredita sonho por sonho e material e ideologicamente me concretiza. Ao outro ofereço minha cabeça de bandeja e ele a nega sei lá por qual ética, pega una guitarra e me conta que não adianta massa cinzenta se não se canta como La Negra.

Já faz muito tempo que sou toda ouvidos, há muitos outubros não lembro ao certo, cometeria algum deslize, que faço primaveras no dezesseis mas meus presentes são todos do quinze*.


*15 de outubro, dia dos professores no Brasil