segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

Antes de ver Batman com Hanna, resolvi ressurgir na casa de Carmen que é a própria mulher gato (tem gatos, esculturas de gatos, miniaturas de gatos e um cachorro, só para apanhar dos gatos). A ideia era concretizar um mate adiado há mais de ano e se a gata da Paulinha não tivesse sequestrado a cuia da mãe, Carmen e eu teríamos tomado umas duas chaleiras, a gata da Clarinha fugiu para o quarto assim que anteviu configurar-se na sala o princípio de uma narração ininterrupta, emocionada, empática e multifacetada: duas mulheres que há tempo não conversavam. Lá pelas tantas catamos das trevas uma cuia e finalmente mateamos antes de eu voar para o cinema e passar as duas horas e quarenta e cinco de filme querendo mijar (!!!).

Da trilogia de Christopher Nolan não lembro de ter visto o primeiro filme (Batman Begins) mas me cativou o segundo (Batman: O Cavaleiro das Trevas) que me levou a ver o terceiro (Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge), para ser uma mercadoria da Warner Bros estes últimos abordam teses sobre ética até relevantes que não ocupam apenas dois hipócritas e rasteiros minutos da película como em quase todas as mercadorias de entretenimento.

No segundo filme é apresentada, em traços grossos, a seguinte situação ética: um promotor público se destaca no combate ao crime organizado, assume a identidade de Batman como tática para proteger o herói e a si mesmo e se consolida como uma referência de justiça para a população, em seguida, vitimizado pelo vilão Coringa se corrompe transformando-se num criminoso também, para que o povo não perca a esperança na justiça e na ética encarnadas no herói, o verdadeiro Batman assume a autoria dos crimes e isenta a imagem do promotor que morre, mas cujo caráter permanece publicamente ileso. A tese central: herói é aquele que faz o que é necessário.

O terceiro ainda está fresco em minha cabeça. Como todo produto lançado com o objetivo de obter lucro e ao mesmo tempo reforçar a ideologia que garante uma sociedade na qual seja possível alguém obter lucro, quase todos os personagens carregam uma simbologia direcionada, no cerne da trama o mentor da vilania por trás do vilão secundário é uma mulher, o homem-morcego aparece num princípio decadente e desprovido de cartilagens devido à sua alta produtividade no passado, mas depois de dois abdominais se recupera e volta à ativa, uma ladra que tenta, de maneira criminosa, conseguir uma "Ficha Limpa" - a arte sempre antecipa a vida e a política - mas se regenera após momentos de contradições, um jovem detetive que questiona atuação de policiais por estes só acatarem ordens superiores sem refletir sobre a situação concreta, um Alfred que além de falar de igual para igual com seu patrão herda boa parte de sua fortuna.

Dentre as situações centrais, um vilão grotesco que no momento de caos provocado por ele mesmo se apresenta como detentor dos destinos do povo e com discursos nazi- fascistas de apologia popular contra as classes dominantes declara estado de lei marcial e instaura em Ghotam tribunais com processos de julgamento e punição similares aos universalizados pelos episódios seguidos às revoluções francesa e russa nos quais até os colaboradores são condenados e executados. Em instantes épicos o povo da cidade vai às ruas contra a tirania e, no final, o homem-morcego salva sua cidade, seu povo e a si mesmo (???) depois de explodir no ar com uma bomba nuclear. A bomba, antes de bomba era um reator que caso tivesse o núcleo preservado seria a investida ecológica da cidade...

Talvez esse seja o lado mais lúdico do filme, a alternativa ecológica. Mais lúdico até do que um "homem-morcego". Cogitar uma saída ecológica sem cogitar a saída do sistema capitalista é uma xarada debochada digna do Coringa, personagens que não aparecem no terceiro roteiro.

Desde o super-atleta que apresenta alto desempenho até a mulher no comando, a jogada publicitária é implícita em busca de supervalorização de um determinado tipo social e/ou ampliação de um mercado consumidor emergente que garante a expansão do lucro na sociedade do espetáculo. Seja o mordomo do filme ou as empreguetes da novela, a farsa é a de que o povo está no poder, que o povo pode... por conciliação.

Já o vilão grotesco que no momento de caos se apresenta, este não é nada lúdico. Na Grécia em meio ao caos econômico provocado pela especulação do capital internacionalizado e suas ações sem lastro e, pelo qual seus gestores econômicos tentam culpabilizar o Estado grego acusando como um dos motivos a concessão de benefícios a seus trabalhadores, o partido neonazista local elegeu uma bancada generosa com representantes medonhos. Brutamontes exigiram da imprensa a recepção em pé de seu líder, cena cinematográfica, pouco tempo depois um dos parlamentares desferiu bofetadas a parlamentares opositoras em um programa de televisão. O nome deste filme? 2012 e não 1984.

A reflexão sobre moral e ética é abordada de maneira progressista pelos socialistas há muito tempo, em sua arte, em sua teoria política. E com igual capacidade com que foi desenvolvida a moral revolucionária que rompe com armadilhas retrógradas e mitos que dão sustentação ao moralismo burguês, foi utilizada de maneira hipócrita, desleal e criminosa por setores ditos socialistas que experenciaram o poder político em diferentes regimes e lugares.

O mito que torna o roteiro de Batman inverossímil não são as proezas fantásticas que a arte é capaz de criar, a fantasia tem uma verdade para cada mente. Batman é o garoto propaganda perfeito para a indústria do consumo, não dispõe de superpoderes, dispõe de dinheiro, tecnologia, uma boa performance intelectual e física e, claro, vive motorizado, mas a grande mentira na estória do homem morcego é que a cidade de Gotham é alvo para o crime organizado. Gotham City é uma cidade organizada para o crime. Gotham tem policiais corruptos, políticos corruptos, empresários corruptos e quando é atacada por vilões apenas um homem tem o dinheiro, a inteligência, a tecnologia para protegê-la.

Ao ouvir o comentário: “Infeliz do povo que não tem heróis" o dramaturgo alemão Bertolt Brecht teria respondido: "Infeliz do povo que precisa de heróis".

Assim como Brecht, qualquer comunista sabe que herói é aquele que faz o que é necessário mesmo que sua imagem fique suja aos olhos do senso comum. Mas para qualquer comunista que se preze o herói faz o que é necessário para o bem comum. Em cidades como Gotham ex-comunistas chegam ao planalto de batmóvel e sobem a rampa com o guarda-chuva do Pinguim.

Nossos heróis rebaixaram seu programa até que ficasse aceitável para os empresários, a polícia e os vilões de Gotham, mas para garantir a estabilidade da cidade nosso homem-morcego sugou os recursos públicos dela. Em cidades como Gotham o dinheiro comum é necessário pois há um vilão para cada gabinete organizado.

Infeliz do povo que precisa de heróis...