terça-feira, 29 de novembro de 2011

A corrupção permanente

Foi-se o tempo em que a grande discrepância entre socialdemocracia (leia-se PT e não a direita radical do PSDB) e oposição de esquerda (leia-se a única oposição) era sua revolução por etapas contra nossa revolução permanente. A socialdemocracia brasileira acabou com qualquer possibilidade de confronto ideológico ao instaurar a corrupção permanente, sustentação nada teórica e muito prática para garantir a governabilidade.

Uma das medidas mais aplicadas pelos governos comandados pelos petistas é, em princípio, uma bandeira histórica da classe trabalhadora: EMPREGO - de todos seus agentes políticos em cargos em comissão...
Manter o apoio de uma base de sustentação a um programa que cada dia se adapta mais a ruralistas, banqueiros e máfias sindicais só poderia ser garantido com constrangimento total da crítica interna através da dependência econômica dessa base de sustentação. A lógica deduzida dessa mesma base acomodada e corrompida é: o capital acumulou tanto no Brasil que os gastos com a máquina pública são irrisórios se comparados ao lucros dos capitalistas no país. A corrupção deve entrar nessa esteira para o petismo...

A corrupção no Brasil não começou com o operário metalúrgico do ABC e sim com o príncipe regente de Portugal (que não acreditava na corrupção num só país), o que merece estudo e indignação é como ferramentas históricas das classes dominantes se tornam necessárias para a labuta de setores identificados com a classe trabalhadora que chegam a comandar o Estado.

Depois de dois mandatos que garantiram a estabilidade necessária para o maior lucro da história de muitos bancos instalados no país, a direita tradicional, a mídia e a própria Dilma estão prontos para a "faxina". A faxina é por etapas e prepara uma sujeira maior ainda, um período de tecnocracia estatal. A objetividade racionalista do lucro e da eficiência para combater a corrupção e o pragmatismo, que só podem ser combatidos com controle popular efetivo e filosfia política. As fundações públicas de direito privado são ótimo exemplo de como a corrupção faz parte do lucro, da eficiência e da técnica tanto quanto da política.

Esta manhã deveria escrever copiosamente a segunda parte da crônica sobre a apresentação de Silvio Rodriguez, sobre a história de amor que moveu aquele "concierto", mas ontem uma assessora do governo do estado que comprou no comércio em que trabalho, quis muito que eu adulterasse a nota fiscal, para poder aprovar como gasto público, um macarrãozinho do colega assessor...

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Razón de Vivir 1/2


Paula,
pequeña hermanita, niña sin jardín,
por no tener flores sembraste una en ti.
yo pudiera darte un inmenso jardín
si pudiera darte todo mi pais.

Yo sé de las cientos de suertes que corren
las flores silvestres, la flor sin jardín,
pero también sé que sequías y piedras
no pueden con una razón de vivir.

Silvio Rodríguez- Estadio Charrúa, Montevideo, 16 de noviembre de 2011

O mes de novembro foi marcado para a comunidade uruguaia residente no Rio Grande do Sul, pela visita à capital do presidente da República Oriental del Uruguay, José "Pepe" Mujica. O lutador social, ex-cativo e torturado do Estado uruguaio durante a última ditadura civil-militar, agora presidente da república, recebeu do governador do estado e do presidente da Assembleia Legislativa gaúcha, as comendas máximas destinadas por suas Casas a alguém cuja atuação social, política, humanitária é relevante.


Assim como "Lula", "El Pepe" configurará na história da America Latina como um homem que, fruto e construtor da luta social levada a cabo em seu país na segunda metade do século passado, combateu a miséria e promoveu avanços nos direitos humanos comandando o segundo governo da frente ampla que quebrou por vias eleitorais e tardiamente, o continuismo de uma política reacionária, entreguista e de arrocho estatal aplicada ora pela direita radical, ora pela direita dita nacionalista.


Estive em quase todas as atividades organizadas durante a estadia de Mujica em Porto Alegre prestigiando os discursos, as entrevistas, os debates - minhas colegas de trabalho e o dono da loja, um pequeno comércio, trabalharam em meus horários para que pudesse participar dos eventos. Ouvi atentamente Mujica e contemplei sua lucidez sobre si e sobre La Patria Gaucha, vislumbrei suas fraquezas e contradições nos discursos majoritariamente dirigidos aos capitalistas regionais, quase que pedindo desculpas por estar no poder, acalmando os investidores, prometendo taxar o grande capital especulativo e o latifúndio num possível acirramento da crise em nosso continente ao mesmo tempo que afirmava nada fazer para além dos marcos que o capital impõe ao mundo.


Durante reunião do mandatario com a comunidade intervi e lhe disse compreender que a miséria, sua fome, sua violência, vão além de consignas e conceitos, e que atender necessidades aprofundadas pelo capitalismo e causadoras da barbárie é tarefa primordial, mas que, ao ouví-lo dizer que o desenvolvimento no país era desigual também por considerável acomodação dos trabalhadores que se negam a trabalhar em áreas menos desenvolvidas, me obrigava a perguntar se as consignas e os conceitos haviam mudado tanto assim, pois a julgar pelos discursos do dia anterior e pelas linhas gerais de seu governo a mensagem era: "Frente à crise mundial, empresários de toda a América Latina: uni-vos!".


O presidente não se saiu mal na resposta, afinal, vem de uma terra de poetas... Utilizando ardiloso recurso idelógico e linguístico, me atacou como a uma acadêmica inconformada da exploração de mais-valia aprendida das teses marxistas: -- Quienes reclaman son aquellos que más tienen, los que menos tienen no reclaman, viven felizes. (?!)

Em entrevista, como componente do primeiro Conselho Consultivo de Uruguai@s em

Porto Alegre e Região Metropolitana à rádio uruguaia que cobria os compromissos da comitiva, fui observada pelo "español correcto" apesar de falar deliberadamente "en buen sanducero" com o sotaque carregado de quem nasceu em Paysandú, interior do Uruguay. Voltei a pensar sobre o aprendizado pelas vias não cultas que me garantiram grande parte da compreensão e expressão de um conteúdo.


A impossibilidade de concentração total em qualquer coisa, resultado da dispersão nata e algumas contingências me garantiram a inquietação suficiente para não aprender muito de regras, de regras que regem as frases, as pontuações - a mãe que tive me rasgou o primeiro livro didático e a cara por não conseguir aprender a separar a palavra oso, urso, o-so, antes mesmo de ir para a escola . Mas de onde viria então a paixão pelas palavras, a poesia que salva de uma realidade com a qual discordo permanentemente, e "o español correcto"?


O violão era velho e simples, o pai jovem e de voz oprimida. Os dois juntos, me acompanharam dos 4 aos 18 anos, no início sempre, depois mais raramente. Ele e o violão vinham de um bairro pobre e eu e minha mãe de uma rua bem localizada no centro da cidade do norte do Uruguay. Nunca os olhei com muita intimidade, o que é meio óbvio se pensar que foi escalado para ser meu pai quando eu já estava tirando as rodinhas da bicicleta. Eu via um homem com a pele escura, ouvia uma voz vacilante e, naquela pele, no tom da voz, atrás do violão, uma classe inteira da qual uma parcela considerável mal havia adentrado nos estudos deixando seu tempo precocemente em trabalhos pesados.Talvez eu não tenha amado aquele homem como minha compaixão infantil (ou minha arrogância) amaram aquele sofrimento que se alegrava com qualquer coisa, igualzinho aos menos favorecidos do Mujica.


As canções, estas sim eram rebeldes, afirmativas, e deixavam claro que o mundo só poderia ser digno se governado por poetas, artistas e sonhadores afins. As de Silvio Rodríguez (quase todas) eu não entendia muito e me tocavam mais que as demais, algumas dele pareciam feitas para crianças, contavam de unicórinos, de pessoinhas que faziam o bem, outras de mulheres estremecedoras e amores covardes incapazes de virar histórias, e uma era urgente para a Nicarágua. A música de Silvio tem um poder exorcista sobre o desencantamento da vida.


Não faz muito tempo que a internet tornou acessíveis vídeos, letras, imagens, e todo tipo de material sobre o trabalho do cantor da nova trova cubana, do poeta que nasceu com a revolução de 1959. Até então meu Silvio era K-7, e se no Uruguay era considerado quase um múscio nacional, no Brasil os dois chegamos ilustres desconhecidos. O congelei com a infância, com a língua mãe, com a revolução na Nicarágua.


Vinte anos mais tarde, longe de meu pai e da banda oriental e perto como nunca daquelas letras e da banda larga, retomei as músicas de Silvio, recitei muitas e dancei uma para lembrar por aqui, que nos Estados Unidos há 5 cubanos presos por defender seu país.


Vinte anos mais tarde, Silvio Rodríguez voltou ao Uruguay para cantar. E eu voltei ao Uruguay para ver o Silvio que estava por trás daquele que meu pai havia inventado para mim, daquele que eu havia dançado por aqui, recitado para José Martí.


"El Pepe" diz que o Uruguay é pequeno e os vizinhos fortes, impávidos, colossos, deixando o país numa posição tímida para aplicar qualquer política mais ousada, independente. Talvez o medo do Uruguay seja reviver um Paraguay esmagado pela política e as armas da tríplice vizinhança - dos dois colossos e do pequinês.

Quem sabe a visita do cubano relembre como se impõe respeito aos vizinhos

fortes, impávidos e colossos...



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Siempre Adelante!



Era um dia qualquer de novembro de 2010, Angelita e eu assistíamos a uma apresentação de tango durante a Feira do Livro, bem ali no Cais do Porto, à beira do Guaíba com o sol à beira do ocaso. Ela não viu, mas uma borboleta pousou no braço do bailarino - nem ele viu -asas camufladas no paletó dançou o tango até o final e depois voou. Prestei mais atenção ao par de antenas da borboleta que ao par de pés do tanguero, mas era o primeiro tango de muitos. Seguiram, aos nossos olhos, a elegância de Anira, o estilo de Mirian e o chiclete de Lorena - esta tinha uma cara linda e um tango enxuto e firme, mas minha compulsão obssessiva não me desviava do mastigar compassado.


Não sei se é coisa de atriz ou de criança, mas não me contento em ver, gostar e ir pra casa, vejo, gosto e quero ser quando crescer. O grande problema é que além da amplitude dos quereres (que vão da carpintaria em obras à filologia) os fazeres são cumulativos e nunca excludentes...


Na passada sexta-feira 11 de novembro, há mais ou menos um ano daquela apresentação, no mesmissimo local Angelita e eu fomos assistidas por mais de uma centena de pessoas, dançando ao lado da Lorena da cara linda, do tango enxuto, firme, não mais do chiclete - minha compulsão obssessiva tem sua utilidade humanitária.


O trânsito portoalegrense, ou a falta dele nos últimos anos, paralisou todo o centro da cidade, e toda a turma da Oficina Comunitária 8 Adelante chegou como pôde, eu fui de táxi, mas não cheguei de táxi, fiz a parte final do trajeto a pé, mas o pé é 40 e o design importado.


Desta vez o grupo havia aumentado em tamanho e em dedicação em relação ao ano passado. Desde as meninas (e o menino) ainda adolescentes até a velha guarda nem tão velha assim, as coreografias, a técnica e os figurinos estavam dignos da Feira considerada a maior da America Latina, não por mercadológica e sim por qualitativa.

Contribuir com o evento vale os sacrifícios e as horas de ensaios dedicadas para mais esta apresentação gratuita do grupo - gratuita para quem requisita pois para quem trabalha em arte sem fins meramente lucrativos os gastos existem e são, não raramente, custeados pelo bolso de cada artista.


Antes do começo da apresentação, ainda no aguardo de colegas e professores que não chegavam devido ao engarrafamento, as poses para as fotos puxaram o foco não só dos fotógrafos mas do público que já se acomodava, desconheço outro grupo popular cujas aulas são comunitárias, tão metido a besta como o nosso, uma lona transparente como parede e alguns metros de compensado como piso delimitavam o espaço, mas nossa empolgação deve ter deixado até o céu em dúvida se é ou não o limite.


A apresentação já havia começado e ainda havia colegas chegando, mas nosso 8 Adelante é formado por uns 80 adelante, al medio y al fondo, dizer que as mulheres estavam em maioria já é um clichê. O caos viário, a vasta quantidade de bailarin@s, e o piso desastroso não afetaram em nada nossa hora e tanto de apresentação, o trabalho acarretado pelo grupo superou qualquer percalço. A coreografia criada pelos professores para ser bailada pelos alunos especialmente neste dia, saiu limpinha e harmonizada. A expressão do público confirmou mais uma vez a paixão que @s gaúch@s tem por esta arte que entranhou os povos rioplatenses.


Bem distribuídas as apresentações foram individuais e em grupos, coreografadas ou livres. Para emocionar mais ainda nosso professor, um tango bailado - nada mais, nada menos que - por seu filho, um guri tão lindo quanto a parceira que o acompanhou.

Mas são tantas emoções...Sempre disposta a arrasar, nossa professora Mirian inventou - nada mais, nada menos que - um modelito para cada baile. Na corrida entre uma música e outra e na falta de vestiário ou de alguma moita, corremos para atacar o primeiro estande que vimos pela feira (banheiro químico ninguém merece, entraria a profe ou o figurino nunca os dois) as responsáveis pela pequena sala foram abordadas de maneira um tanto quanto inusitada, mas mulher sabe dessas coisas e nem pergunta: Vão entrando, vão entrando.


A TVE que realmente apoia a cultura estava lá para registrar, acho que a emissora do tchurururu que faz pra você, filmaria se o esquilo do supermercado que financia a Feira (muito amigo da emissora...) dançasse um dos tangos. Espero que as câmeras tenham registrado os passos de Terezinha e sua postura axial, quase zênite.
Assim como no último aniversário do Brique da Redenção, terminamos com o mais internacional dos tangos, o público não foi poupado e também caiu aos pés de Por Una Cabeza.


Desde que foi batizada, a oficina de tango 8 Adelante cujo nome referencia um dos passos mais conhecidos desta dança, recebeu mais que um par de convites para apresentações no décimo primeiro dia de distintos meses. Depois deste 11/11/11 acho que devemos rebatizar o grupo como 11 Adelante, yo no creo pero que las hay, las hay...
Assim como já se sabe que o céu não é o limite, também se sabe que borboletas vivem bem mais que 24 horas. Mas e daí se fosse verdade, dançar um tango e voar depois, duvido que existam 24 horas tão bem vividas.


Seguiremos Adelante
Con el 8 así seguimos
Y con Daniel te decimos
Para siempre 8 Adelante!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O espetáculo e suas meritocracias 3/3

A sociedade do espetáculo e o Willian Waack comemoram a liberdade em Cuba.
E a liberdade de Ali Kamel e do Willian Waack em Cuba é pragmática: agora se pode novamente vender carros na ilha. Se a história chegou ao fim o mundo provou ser uma tragédia grega, oi moi, ai de mim, ai ama, que uma morte me leve - mas não por atropelamento...

Já na terra dos argonautas, um possível referendo escandalizou olimpos aos montes, tanto europeus quanto norteamericanos. Investir na democracia norteafricana deu muito trabalho às cúpulas, democracia para os filhos de Zeus seria pedir muito, provocou iras divinas. O oráculo era claro, com referendo Papandreou não retornaria com o velocino de ouro, aliás, nem retornaria.

Por aqui, no templo da Expointer dos velocinos de ouro, Tarso ou Ταρσός, critica o autoritarismo do poder financeiro privado contra o referendo grego. Visionário e conhecedor das leis que regem os simples mortais, Tarso sabe que o conservadorismo só incita a revolta, que é necessário mudar tudo para não mudar nada.

Na democracia do Tarso cujo panteão ou conselhão é majoritariamente composto por deuses e semideuses, professor deve ter como meta ser um cometa. O objetivo é manter o maior número de alunos em sala de aula, no stand up do ensino os bizarros professores de cursinho serão referência - no Brasil há escolas privadas e cursos preparatórios privados para ingressar na universidade pública (!!!). O individuo show otimizado deve substituir o investimento estrutural do Estado em educação e saúde. O futuro da administração é dos gestores privados e seus técnicos, aqueles mesmos do neoliberalismo que atende as demandas do poder financeiro privado...

O Tarso é o social democrata moderno dos sonhos de qualquer capitalista acrônico.
A trágica posição do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas deixou um barbudo, que não é Zeus mas é da linhagem do Tarso, irado. Mas como pode, um território onde seres humanos têm direito a carro e crédito não seria motivo para deixar o país em posição elevada??? Os programas assistenciais seriam um motivo fundamental para uma colocação melhor, talvez a equipe encarregada da avaliação seja um montão de bicho grilo que nem eu que não sabe como é difícil governar etc, e se escandalize ao saber que o Programa da Saúde da Família distribui antidepressivo tarja preta para crianças assistidas pelo programa. Achei que tivéssemos inventado essas drogas para a classe média sempre em crise existencial.

Em Cuba até abril deste ano (quando a liberdade chegou lá...) era proibido mercantilizar moradia e permanece vetado mercantilizar educação. Mas nosso destino é ser a quinta economia do cosmos e não copiar méritos anacrônicos.

A musa Maria Rita lançou recentemente um LP, não se contentou em ser ela mesma uma reedição e ressucitou também o disco de vinil.
A revolução tecnológica atual condenou precipitadamente ao leito de morte tudo que veio antes dela, e tudo foi sepultado para vir, ainda mais rapidamente, à tona com valor elevado de mercado como artigo de luxo de um passado recente para salvar-nos constantemente da nostalgia do presente perpétuo.


Achei que fossem salvar Cuba da falência para preservá-la como artigo de um passado recente, com tabaco e atos heróicos suficientes para salvar-nos da nostalgia do presente perpétuo, ou o povo grego para nunca esquecer-mos como esmagaram os troianos mas salvaram só o disco de vinil.