quinta-feira, 29 de junho de 2017

*22 de junho de 2017

Hoje minha colega trocou o turno comigo, de outro jeito não poderia participar da reunião dos sindicatos que estão no chamado aguerrido às suas categorias para a greve geral do dia 30, a qual as principais centrais sindicais cujas direções tem interesses atrelados ao normal funcionamento do establishment, independentemente de estarem alinhados com a situação ou com a oposição, são impelidas a negociações na superestrutura boicotando a agenda de lutas com a base.

Fui a pé pro trabalho, não sabia que o TRI havia entrado, o patrão do seu jeito me ajuda muito mas a lei injusta o ampara, e pela lei, ele pode descontar uma semana de passagem e um almoço por mês. Então costuma acontecer de eu não sentir fome uma vez ao mês e ir ler no parque. Por sorte e depois de dias de frio, a tarde estava deslumbrante, as borboletas ignoravam o que era o segundo dia do inverno e até um avião desenhando o céu com sua fumaça compunha aquela paisagem, simulacro de esperança. Eu lia a nada calorosa descrição de Molotov no livro de Churchill quando Nicolau me ofereceu o jornal Boca de Rua, eu sabia mais de Churchill que de Molotov e de Nicolau eu nem sabia, mas ele podia escrever minha biografia, segundo sua narrativa, quando eu volto do trabalho entre 19:30 e 20:00 ele está deitado na rua entre papelões e cobertas, me grita qualquer coisa bonita e eu sigo a rotina.

O primeiro informe da reunião foi sobre o tumulto no centro da cidade, os trabalhadores ambulantes haviam reagido ao ataque da Guarda Municipal num operativo de repressão ao comércio informal. Reagir foi a palavra de ordem, reagir contra gestões reacionárias.Molotov novamente em pauta. Vyatcheslav também é citado no vernáculo da resistência como:"agir de maneira mais contundente" e "jogar uns troço". O segundo informe:os metroviários deliberaram parar.

Quando terminou passei no supermercado.

- "Tem cacetinho ainda? Tenho que ver se 1,30 dá para três, senão levo dois por favor".

Joana - estava escrito no crachá - colocou três e deu mais caro.

-"Joana, levo dois, tá bom".

Mesmo com gente esperando na fila ela procurou um terceiro pão menor para que meu dinheiro alcançasse. Não alcançou. Ela pesou dois pães e imprimiu o valor, olhou para os lados e, aos olhos de todos, colocou o terceiro pão. Joana com certeza sabe o que é ter 1,30 para viver três dias, sabe o que é ficar sem passagem, sabe reconhecer seus iguais e não sei se sabe que é justo dar o pão de quem explora a quem não tem ou se agiu por impulso, mas eu sei que quando a reagir passa a ser uma postura perante a repressão e a solidariedade predomina sobre a natural tendência de não colocar-se em risco, pode ainda não ter mudado nada, mas está tudo diferente.

*por motivos variados só publico hoje