quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Calendário 2015



Vivo sem futuro num lugar escuro e o diabo diz ahah...(Viola Fora de Moda)

Essa anti-ana, a do escuro, poucos encontram, em geral ela encanta os amigos mais anarquistas e passionais e não interessa aos marxistas intelectuais, talvez me engane, Gorki disse que “o homem quando fala de si mente”, mente sem saber. A alegria tem atrapalhado em muito um setor específico de minha vida, ou talvez um setor específico de minha vida tenha atrapalhado muito minha alegria, eis a incógnita.

Minha anti-ana seja talvez até mais sociável que a habitual, não é a segunda vez nem a última que abraço e saio andando com uma desconhecida que encontro na rua chorando. Eu passava chorando por dentro e ela parada botando pra fora, partimos para o bar mais próximo e deserto, por sorte as duas premissas coincidiram, andamos cinco metros. Mergulhamos na água, na soda e nas lágrimas. Depois me despedi de sua flagrante paranoia persecutória. Eu voltava do sindicato dos trabalhadores da justiça federal do estado que realizou plebiscito para desfiliação da CUT, quer despedir-se da flagrante síndrome governista.

Sou uma reducionista, não consigo deixar de identificar nos atuais setores sociais representados nas últimas eleições brasileiras, expressões políticas muito análogas às das atuantes na España pré guerra civil nos anos 1930 e uma mesma social democracia vacilante. Isso se deve ao fato de deter-me ao estudo da guerra civil española, poderia encontrar analogias contundentes em outros processos cuja política pudesse rumar a longo ou curto prazo para uma tensão similar. Uma guerra civil ensaio da Segunda Guerra, Revolução Cubana, ditaduras na América Latina, colapso da URSS, queda do muro de Berlim, neoliberalismo, alianças sociais democratas na América Latina, e eu só consigo ver o reducionismo da luta de classes...devo ser entediante. Se fosse uma reducionista radical acharia que o atualíssimo e infindável debate sobre o papel das redes sociais e Black Blocs é diversionismo histórico para academicistas e jornalistas terem pauta garantida, ainda bem que não sou radical nem acredito em Gorki.

É fatal que numa sociedade dividida em classes à medida que conquistas de determinados setores sociais se expandem haja uma reação imediata ou não daqueles que perdem hegemonia, uma crisezinha internacional sempre ajuda. Quando o homem comum acorda, os hereges passam, os hegemônicos ladram e a socialdemocracia petista hesita. Nos grandes eventos políticos ocorridos em pouco mais de um ano, os protestos de 2013 e o processo eleitoral de 2014, os roteiros surpreenderam menos do que deveriam. Imediatamente às jornadas de junho a socialdemocracia governante prometeu às pressas uma Constituinte enquanto a burguesia estupefata utilizava seus meios de ação direta - partidos e mídia- para cooptar ideologicamente as manifestações.Os protestos entraram momentaneamente em refluxo como é da práxis social, setores da burguesia mostraram as garras, a socialdemocracia recuou em sua tímida iniciativa popular e as eleições deste ano exprimiram o panorama societal com seus atores mais ou menos expressivos, uma esquerda radical com moral junina, uma socialdemocracia desesperada para manter a “governabilidade”, uma falaciosa terceira via, uma direita raivosa e seus subprodutos vociferes da ultra-violência. Estes últimos fomentam as escalofriantes reivindicações de indivíduos organizados ou não por outro golpe militar no país, conheço quem reivindique com a apiedante convicção de que este seria o remédio para a corrupção. Agora, e sem alguma analogia com a España, sejamos francos, aniquilar a corrupção pode ser a mentirosa escusa, aniquilar junho para sempre é o verdadeiro motivo.

Mas eis que, os hegemônicos e privilegiados neste país e, mais especificamente neste estado, têm algum problema cognitivo com calendários.

Após orquestrar boicote ao processo licitatório do transporte rodoviário na capital, a ATP promete entrar na justiça contra o município para exigir indenização pelo prejuízo no celestial negócio que era operar o sistema na cidade. Se junho não tivesse apenas 30 dias estes senhores estariam como réus devedores do erário público.

Assim como o direito de ir e vir (sem licitação) o direito à moradia é assegurado (pela constituição) ora, ninguém melhor para assegurar os direitos dos cidadãos que os cidadãos do Direito. Mas os juízes não dominam somente os distintivos da deusa Têmis, eles também manjam muito de economia, sabem muito bem que para privilegiar uns é necessário retirar de outros...os primeiros a pagar o pato, ou melhor o apto. serão os estagiários que terão salário cortado durante o recesso, vai ajudar um tanto no caixinha do auxílio- moradia aos magistrados.

Mas como seria ir, vir, morar, sem se aposentar depois de tudo isso...Mais ainda quando a ida e a vinda são do estacionamento da Casa Legislativa gaúcha até seus respectivos gabinetes. Os homens determinados e de ação não sucumbem a crises existenciais, infantes ao plenário, 29 dos 55 deputados estaduais legislaram em benefício próprio para garantir aposentadoria especial.

A França revolucionária alterou seu calendário em 1792, os setores hegemônicos e privilegiados da França inverteram a máxima e perderam os dedos por não perder os anéis, no caso, dedos, cabeças, a coisa toda foi muito anatômica e ergonômica.

A Rússia revolucionária também alterou seu calendário e tinha além de Máximo Gorki algumas máximas, uma delas é que o povo deveria se livrar dos hegemônicos sem mediadores que apareçam entre janeiro e março.

A palavra calendário tem em seu étimo “calare” que curiosamente significa “chamar”. Eu não sei se será em 2015, em 2018 ou quando, mas junho voltará ao calendário brasileiro porque com seus debochados privilégios a burguesia pede, a socialdemocracia petista vacila e a esquerda revolucionária chama.

domingo, 6 de julho de 2014

Cantos do Sul da Terra



A la una lo escucho
con el habano 'pucho'
y con el gato, mi cuzco
A las seis paro el reloj
para volver en el tiempo
y escucharlo de nuevo.

Meu pai era um operário e vivia como um artista, ele não morreu, só não compartilhamos mais esta vida. Eu não consigo ler uma página por dia, dizem os neurocientistas que, para pessoas assim neurodispersivas, concentrar-se em algo é como para um atleta, transpôr obstáculos. Quando trabalhava na fábrica de couros ele acordava 4 da manhã, quando foi serígrafo imprimia numa mesma tela sem parar e, nas poucas horas que tinha para viver, tocava 'su guitarra' e cantava até o dia morrer. Dele herdei o riso fácil dos proletários, dos proletários organizados herdei o não me acostumar a entortar de tanto trabalhar. A vanguarda dos trabalhadores diz que eles são conscientes enquanto classe mesmo individual e momentaneamente alienados, não sei se meu pai ali, indivíduo, comigo pedaço de indivíduo, sabia direito o que cantava e eu o que estava ouvindo mas a classe, nesse momento, com certeza estava evoluindo...Panfletária ou não a canção comprometida com a causa,a alma, a reflexão tem papel imensurável para o povo trabalhador, é por causa dela que me permito escrever algumas linhas mesmo com tantos livros ainda sem tranpôr.
Todo dia enquanto entorto de tanto trabalhar, me pergunto como meu pai aguentava a vida que levava sem abandoná-la, e todo dia eu tenho uma resposta com hora marcada.
A uma da tarde esteja em meio ao trigo ou ao trânsito, em pleno stress: um remanso. Das 13 às 14h vem o ânimo para produzir o que preciso e a mais valia, posso dizer que, em uma hora, eu ganho o dia.
Cantos do Sul da Terra é o nome do programa concebido e conduzido pelo músico Demétrio Xavier transmitido pela rádio Cultura e retransmitido 6 da manhã.
A Demétrio eu comentei, quando atravesso a rua de Livrapool para Rivera piso em outro planeta, mas uruguai@s, argentin@s e riograndenses acham tudo muito parecido, parece que só eu ando à procura do elo perdido...De fato, quando piso, quando penso no Uruguay, não foi só uma pátria, foi uma infância que deixei para trás. Carrego duas rupturas, uma é universal, a do ser humano com seus primeiros anos para os quais até o fim da vida procura um eterno retornar, a outra é particular, a do migrante que não pertence mais à sua terra e nunca, totalmente, ao lugar no qual está. Todos os dias, durante 60 minutos eu ponho os pés na terra e vejo a infância voltar.
E é assim, com meus fones de ouvido 'boleadores' que, em qualquer canto da terra, escuto os cantos do sul e fico puta quando por algum motivo, por mais justo que seja, o programa é gravado. Porque o instante não é o mesmo, e a respiração é outra, porque é quando o rádio ligo, que paro de trabalhar gravado e começo a trabalhar ao vivo.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Da teoria à marra

Neste momento deve estar terminando a partida entre Uruguay e Itália, sem sol mas com mesa, improviso meu "escritório", apesar de gremista, na Praça Internacional, não a de Livrapool, a de Porto Alegre. Os marxistas temos uma, ou mais vantagens perante a vida, descoisificar, desfetichizar quase tudo, os uruguayos em nossa laicidade também, logo, a praça ter tal nome não me importa um pito, na Praça Garibaldi, na qual muito me agrada o nome estaria acompanhada, já me perguntava pelo "charuto peruano" um crioulo enquanto passava...
O capitalismo, ou capetalismo como vi pixado por aí, é mesmo a engrenagem social mais contraditória que já inventaram as classes dominantes. Figura na literatura argentina que "quien trabaja con el diablo no se cansa nunca", me decido a repudiar meu lado paysano de ver o tempo passar em seu devido tempo, o atropelo, o acelero, me dedico a represar as palavras que emergem enquanto minhas mãos só trabalham mecânicas, destino o dinheiro do habano a investimentos em instrumentos mirabolando futuros maquinários, capitulo de todo modo e opero conforme a máquina.
Foi neste mesmo mês, há um ano que pensei: 1) esta gente não vai fazer a revolução tão cedo; 2) não tenho vocação para ter patrão; 3) pior que isso só camarada como patrão. Então resolvi virar patrão - visto que o sistema é patriarcal e machista, ser patroa ou presidenta só serve para agredir os ouvidos. Deve ter levado um par de dias após minha resolução para as ruas serem tomadas pela população...Neste mês comemoramos as ditas "jornadas de junho" que, em verdade, foram "noitadas de junho" pois ainda trabalhava como garçonete em uma confeitaria durante o dia e batia o ponto sem demora para alcançar os protestos à noite, na madrugada me dedicava aos negócios e minha história de capitalista não seria genuína se além disso não estudasse à luz de velas entre 3 e 5 da manhã enquanto todos os outros vagabundos dormiam...
E como empresária sempre fui uma excelente marxista, levei o empreendimento às últimas consequências e me dediquei diuturnamente à causa, sem sábado, sem domingo, na chuva incessante de novembro, no calor escaldante de janeiro. Ao final da jornada talvez consiga provar uma tese ou sua antítese: que, com esforço se vence no capitalismo ou que o capitalismo vence qualquer esforço. Mas não tem atalho, tem trabalho e é o trabalho que me dignifica e legitima para sair bem faceira com a cesta dos comércios nos quais forneço: - Depois desta entrega vou para a manifestação...Todos respeitam, só não conseguem entender como os blacks blocs violentos, os sindicalistas liberados, os estudantes desocupados que aparecem na tv sou eu, não conseguiam entender como alguém que quer ser work a holic quisesse acabar com o capitalismo. Até que começou a Copa...
Quem ignora teoria política, por ignorância mesmo ou por orgulho típico da ignorância, há de aprender na prática e, se a prática resultar árdua pode-se dizer, na marra.
E quase todos meus clientes comerciantes, todos pequenos comerciantes, aprenderam na Copa que a Copa só pode dar lucro para a Fifa e uma dúzia de comércios dos poucos trechos badalados, se nesses o faturamento aumentou em 40%, nos outros a desertificação da cidade em dias de jogo e a concentração de pessoas em alguns pontos só derrubou as vendas.
É nessas horas que eu, empresária, não desespero pois a vantagem no placar eu, marxista, já sabia de antemão para quem seria...
As jornadas de junho voltarão em algum mês qualquer mais intensas apesar do refluxo atual, por enquanto a juventude está como a burguesia e a polícia gostam, tomando as ruas para tomar cerveja até cair, autômatos em seus celulares sem 'burocratas' para dar a linha, longe dos vidros quebrados dos blacks blocs, vidrados em seus faces com suas selfies.
Eu espero pelo próximo espetáculo, que beneficiará mais dos mesmos, minha "copinha do mundo": o embate eleitoral. Não que me divirta com os monólogos ditos debates, as enquetes com suas margens para mais ou para menos, abomino, ou talvez minha preguiça inveje, qualquer tecnicismo, mas vou querer ver com pipoca e tudo o Robaina massacrar a Ana Amélia, o Tarso já não sei, perto deste, aquele é um cordeirinho mas não custa torcer...No espetáculo o expectador tem a falsa ilusão de ser partícipe.
La Celeste ganó, el fútbol se parece a la vida, por lo menos en esta letra de Jaime Roos:
"Te largan a la cancha sin preguntarte si querés entrar.
Por si fuera poco, de golero; toda una vida tapando agujeros.
Y si en una de esas salís bueno, se tiran al suelo y te cobran penal"

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Sentada na Varanda

Sentada na varanda latino americana
vejo como fazem sentido
estas reluzentes folhas arbóreas
deste instituído outono
desmentido de fato
por luz, calor, verde claro

como faz sentido
o frenesi de um violino
em meio ao som ambiente
em clássico desatino

como desperta os sentidos
a xícara escrito coffee
o cortado nela contido
e de puro cacau baiano
um brownie amanhecido

como nada disso faria hoje sentido
se ontem não estivéssemos de pé
em frente ao paço do poder instituído
em frenesi desmentindo fatos
e nos seus argumentos
o que há de mais clássico

no calor da fumaça do fogo de um boneco incendiado
na luz de um fogo artificial estourado
no rubro de bandeiras sem mastro
nas folhas volantes com seu absurdo denunciado

se não nos houvessem despertado os sentidos
a tropa escrito choque
e o gás nas bombas contido
além do puro infantilismo
de um black em desatino

como sinto quando Brecht contrario
e lhe digo:
apreciar o nada, o verde, o que é bonito
é direito adquirido de um legítimo subversivo.