terça-feira, 24 de junho de 2014

Da teoria à marra

Neste momento deve estar terminando a partida entre Uruguay e Itália, sem sol mas com mesa, improviso meu "escritório", apesar de gremista, na Praça Internacional, não a de Livrapool, a de Porto Alegre. Os marxistas temos uma, ou mais vantagens perante a vida, descoisificar, desfetichizar quase tudo, os uruguayos em nossa laicidade também, logo, a praça ter tal nome não me importa um pito, na Praça Garibaldi, na qual muito me agrada o nome estaria acompanhada, já me perguntava pelo "charuto peruano" um crioulo enquanto passava...
O capitalismo, ou capetalismo como vi pixado por aí, é mesmo a engrenagem social mais contraditória que já inventaram as classes dominantes. Figura na literatura argentina que "quien trabaja con el diablo no se cansa nunca", me decido a repudiar meu lado paysano de ver o tempo passar em seu devido tempo, o atropelo, o acelero, me dedico a represar as palavras que emergem enquanto minhas mãos só trabalham mecânicas, destino o dinheiro do habano a investimentos em instrumentos mirabolando futuros maquinários, capitulo de todo modo e opero conforme a máquina.
Foi neste mesmo mês, há um ano que pensei: 1) esta gente não vai fazer a revolução tão cedo; 2) não tenho vocação para ter patrão; 3) pior que isso só camarada como patrão. Então resolvi virar patrão - visto que o sistema é patriarcal e machista, ser patroa ou presidenta só serve para agredir os ouvidos. Deve ter levado um par de dias após minha resolução para as ruas serem tomadas pela população...Neste mês comemoramos as ditas "jornadas de junho" que, em verdade, foram "noitadas de junho" pois ainda trabalhava como garçonete em uma confeitaria durante o dia e batia o ponto sem demora para alcançar os protestos à noite, na madrugada me dedicava aos negócios e minha história de capitalista não seria genuína se além disso não estudasse à luz de velas entre 3 e 5 da manhã enquanto todos os outros vagabundos dormiam...
E como empresária sempre fui uma excelente marxista, levei o empreendimento às últimas consequências e me dediquei diuturnamente à causa, sem sábado, sem domingo, na chuva incessante de novembro, no calor escaldante de janeiro. Ao final da jornada talvez consiga provar uma tese ou sua antítese: que, com esforço se vence no capitalismo ou que o capitalismo vence qualquer esforço. Mas não tem atalho, tem trabalho e é o trabalho que me dignifica e legitima para sair bem faceira com a cesta dos comércios nos quais forneço: - Depois desta entrega vou para a manifestação...Todos respeitam, só não conseguem entender como os blacks blocs violentos, os sindicalistas liberados, os estudantes desocupados que aparecem na tv sou eu, não conseguiam entender como alguém que quer ser work a holic quisesse acabar com o capitalismo. Até que começou a Copa...
Quem ignora teoria política, por ignorância mesmo ou por orgulho típico da ignorância, há de aprender na prática e, se a prática resultar árdua pode-se dizer, na marra.
E quase todos meus clientes comerciantes, todos pequenos comerciantes, aprenderam na Copa que a Copa só pode dar lucro para a Fifa e uma dúzia de comércios dos poucos trechos badalados, se nesses o faturamento aumentou em 40%, nos outros a desertificação da cidade em dias de jogo e a concentração de pessoas em alguns pontos só derrubou as vendas.
É nessas horas que eu, empresária, não desespero pois a vantagem no placar eu, marxista, já sabia de antemão para quem seria...
As jornadas de junho voltarão em algum mês qualquer mais intensas apesar do refluxo atual, por enquanto a juventude está como a burguesia e a polícia gostam, tomando as ruas para tomar cerveja até cair, autômatos em seus celulares sem 'burocratas' para dar a linha, longe dos vidros quebrados dos blacks blocs, vidrados em seus faces com suas selfies.
Eu espero pelo próximo espetáculo, que beneficiará mais dos mesmos, minha "copinha do mundo": o embate eleitoral. Não que me divirta com os monólogos ditos debates, as enquetes com suas margens para mais ou para menos, abomino, ou talvez minha preguiça inveje, qualquer tecnicismo, mas vou querer ver com pipoca e tudo o Robaina massacrar a Ana Amélia, o Tarso já não sei, perto deste, aquele é um cordeirinho mas não custa torcer...No espetáculo o expectador tem a falsa ilusão de ser partícipe.
La Celeste ganó, el fútbol se parece a la vida, por lo menos en esta letra de Jaime Roos:
"Te largan a la cancha sin preguntarte si querés entrar.
Por si fuera poco, de golero; toda una vida tapando agujeros.
Y si en una de esas salís bueno, se tiran al suelo y te cobran penal"