terça-feira, 15 de novembro de 2016

"NÃO PENSE EM CRISE, TRABALHE"

Eu penso muito, no caso não significa pensar com astúcia, desenvolver complexas elaborações mentais rumo a simples conclusões, significa apenas e dolorosamente, pensar muito. Só não penso muito quando me chamam para trabalhar, quase sempre, eu vou. Só não sei se volto...

Não preciso pensar muito para ir à indignação, de ônibus, pagando 3,75 pelo meu direito de ir ou vir no que chamam de "transporte público", mas esse é apenas um ponto do ônibus. Nos dias em que emendo os trabalhos diurno e noturno a parada fica sinistra. No bar dona e funcionárias agilizamos, apesar do trabalho noturno acordamos todas cedo e precisamos dormir cedo também, então no melhor dos cenários cheguei 23:25 à parada, não adiantou de nada, enquanto 2 Orfanatrofio, 2 Santa Maria, 2 Pinheiro, 2 Restinga, 1 Campo Novo, 1 Jd. Botânico, alguns de Viamão e outros levaram seus passageiros, eu presenciava a renovação das pessoas que ali esperavam e o esvaziamento cada vez mais preocupante da parada, do 1 de Maio, Gloria, Alpes, nada. Meia noite e dez consegui deixar a parada, diferente da semana passada que não houve jeito pela hora avançada, peguei um taxi resignada. O taxi teve de andar a 20 km p hora na parte inicial do trajeto, o motivo? Protesto dos taxistas, haviam assassinado um e marchavam na madrugada.

E pegando carona na segurança...faço um deslocamento de aproximadamente 500 m na noite para ter acesso a transporte, dá tudo certo, chego inteirinha na parada e lá fico 40 minutos parada, não é ultrajante que a probabilidade de ser abordada, assaltada, esfaqueada, seja justamente depois de haver superado o caminho mais arriscado?

A explicação do motora é a explicação que o explorado aceita como negação para não encarar o fato de sua própria condição, no caso, o prejuízo do patrão." Só tem duas linhas, um pega a cascatinha e outro passa por aqui, não adianta botar mais pra dois ou três pegar, é prejuízo e alguém tem que pagar". A menos que eu consiga o milagre da onipresença só tenho uma opção, tento escolher a que me parece menos periclitante, essa parada aqui. Ligar para a EPTC para saber o horário de um ou outro, para além do divórcio que possa haver entre teoria e prática, significa consumir 5,00 em créditos por 2 minutos de ligação, ainda quero saber porque essa empresa pública, controlada por gangsters me rouba cinco rais por ligação, ainda não entendi porque é a ligação mais cara que faço do celular visto que nenhum orelhão funciona. Sobre o prejuízo" bem, estes senhores do empresariado são os primeiros a rosnar:"se queria ser professor deveria saber que ia ganhar menos, agora vem fazer greve", então como empreender numa área da mais urgente e grave utilidade pública não contabilizando os possíveis prejuízos decorrentes de tal atividade? Me dá vontade de dizer: NÃO PENSE EM CRISE, TRABALHE! Pensando um pouco, creio que o referido "prejuízo" seja muito bem contabilizado, esteja bem embutido no valor da passagem e nas cabeças daqueles que defendem o fim das isenções e o preço exorbitante da tarifa e a retirada de linhas em horários não lucrativos seja uma espécie de mais-valia, além de cobrir o custo das viagens não lucrativas às custas dos pagantes e da exploração dos trabalhadores rodoviários, o "prejuízo" sequer se geraria. é hora de puxar o sinal, isto tem que parar.

Eu tenho dificuldade em me deslocar no domingo quando vou trabalhar, mas fico igualmente indignada por aqueles jovens que só querem passear, porque passear é mais importante que trabalhar, e não me representa a palavra de ordem dos protestos contra o aumento da passagem: "Pra trabalhar, pra estudar, mais um aumento eu não vou pagar", porque não devemos pagar por transporte público nem pra bater siririca na Redenção.

Sobre pagar para trabalhar... os empresários são amparados por lei a não pagar integralmente nosso transporte ao trabalho. Então pagamos para ficar de punhetagem na redenção e pagamos para trabalhar.

Dia 25 de novembro tem manifestação contra a crise do capital que o povo está a pagar, em vez de ficar na parada pegue o coletivo que realmente pode levar você a algum lugar.

terça-feira, 22 de março de 2016

NÃO PASSARÃO!

"No pasarán" foi o emblemático lema encarnado por Dolores Ibarruri (La Pasionaria) deputada pelo Partido Comunista Español uma das principais dirigentes na luta contra a conspiração militar que golpeou a República liderada por generais como José Sanjurjo, Emilio Mola, Francisco Franco, levada a cabo depois de uma atordoada conjuntura nacional (autoritarismo, reformas estruturais, contrarreforma, eleições gerais 6 meses antes...) e internacional (vésperas da II Guerra Mundial).

Menos passional Miguel de Unamuno escreveu: "Eles vencerão mas não convencerão". A força do anarquismo espanhol, as lutas por autonomia da Catalunya, Euskal Herria, a derrota do exército espanhol na região do Rif (Marrocos) sobre a qual os peninsulares firmaram suas patas com as principais potências europeias faz do episódio golpista -nada episódico pois a ditadura "franquista" depois de 3 anos de guerra civil ditadurou por 37 - um evento singular, contudo elementos bem universais da luta de classes e seus desdobramentos políticos contextualizados na España de 1936-39 me levaram a mencionar a gravidade de algumas similitudes latentes já em 2014 durante uma palestra sobre ditadura militar na Feira do Livro da cidade após intervenção de Olívio Dutra, inflamado ele instigava: Reforma ou Revolução! Eu ia ficar quietinha, dentre os palestrantes figurava não só um entendido sobre Guerra Civil Española como filho de exilados do regime encabeçado por Franco, mas a primeira coisa que me perguntei por mais óbvio que pareça foi: que inquirimento é este vindo de um quadro do PT -???- (cujo programa não está em disputa há muito pois os golpismos e autoritarismos intrapartidários fazem jus a qualquer totalitarismo, numa máquina partidária acoplada ao estado então nem se fala...) sendo que, as únicas reformas na pauta governista do partido desde 2003 eram as "contrarreformas" como a da Previdência, "revolução" me soou quase como um estranhamento estético, pronto, falei.
E justamente por falar de coisas que, aparentemente, não faziam todo o sentido há um par de anos o debate foi encerrado, estou farta de saber, a esquerda adora um fato consumado, pra que debater, protestar antes, mais fácil esperar que esteja tudo escancarado. Talvez naquela ocasião haja me remetido ao fatal fracasso de um estado republicano perante contradições sociais que só podem ter algum desfecho favorável num sentido revolucionário e com, certeza, lembrei do vacilo majoritário da esquerda legalista que respaldada pelo stalinismo fez o serviço pro fascismo perseguindo a "esquerda incontrolável", "quinta coluna de Franco".

Há exatos 80 anos do início da G.C.E e 02 de meu atestado de extraterrestre por evocar o conflito español na feira literária de Poa, a tv a cores ou o facebook parecem as modalidades pós-modernas de veicular um anacronismo, setores médios da sociedade polarizados, enfrentamentos com repressão na universidade, reivindicações de intervenção militar, e o lema vermelho: Não passarão...

Apesar das aberrações irracionais que a direita conservadora, déspota, moderna, democrata, produz quando mina o campo social não subestimo sua capacidade lógica e lucidez. Uma "elite", uma burguesia, nunca é uma só, ela é jacobina mas também é girondina, uma totalidade sempre pode partir-se em dois. Alguns setores da burguesia brasileira podem ter ficado em segundo plano nas gestões de Lula e Dilma, outros mantiveram intacto seu status, e uma parcela significativa da população teve acesso a direitos elementares até então distantes, um dos mais importantes o ensino superior. Mas é aí que o raciocínio não pode ficar a meio caminho, parcial, um aspecto sacralizado. A garantia desse acesso (sem entrar no mérito do rebaixamento de avaliação da qualidade do ensino, fábricas de diplomas, etc) não confrontou interesses financeiros, pelo contrário, fez parte de uma dinâmica de mercado cujo objetivo entre outros é ampliar oferta, mercado consumidor, otimização de mão de obra. Isso não significa que uma parte repugnante da sociedade não se sinta extremamente agredida ao ter que conviver e ver representados nas diferentes esferas sujeitos sociais até então completamente alijados dos direitos universais, não sou eu que vou dizer, cada negro formado numa universidade deve saber e dizer o que é. Mas tomar esta "reação" e colocar sobre ela uma lente de aumento da qual se deduz um enfrentamento travado pelos recentes governos é uma armadilha que se retroalimenta por uma forte e odiosa reação orquestrada recentemente cujos últimos episódios só fizeram piorar.

E minha única dedução lógica é que o hiato entre as gestões do "PT/PMDB/ETC/SOCORRO" - que administraram o país com Sarney, Collor, Calheiros, empreiteiras, capital financeiro lucrando como nunca, neutralização do movimento sindical que rachou em dez, ajuda fiscal à mídia golpista, redução do cidadão brasileiro a consumidor da indústria automotiva e eletroeletrônica - e o atual cenário que permitiu a sabida reação com episódios golpistas, foi a repercussão da crise financeira mundial que eclodiu em 2008 e um Junho que nasceu promissor, libertário, crítico em 2013 e cujo espectro atemorizou de fato as elites decidindo o preço da passagem na rua, colocando em questão a Copa do Mundo da Fifa, forçando a Dilma a falar em Constituinte ("desatino" abafado em questão de horas), as jornadas de junho que apavoraram o governo e as elites e foram disputadas pela reação conservadora, foram o "choque de realidade", o verdadeiro fantasma vermelho que assombrou o establishment, assim como o levante de 1934 assombrou as elites españolas encarnadas dois anos mais tarde na sublevação militar após as eleições gerais.

O momento é de debate político e muito foi e será dito, não me resta muito mais que ser panfletária, Lula ministro pra escapar de processo é golpismo, lei antiterrorismo é golpismo, ajuste fiscal é golpismo. São golpes duros em um projeto estratégico de emancipação do povo que perde a razão de ser quando é atacado por estas medidas capitulacionistas, necessárias ao capitalismo ou meramente de acobertamento de esquemas de desvio de dinheiro. Do mesmo ofício de Frei Betto porém russo, Vladimir Solovyov refletiu: "A beleza desprovida do bem e da verdade é apenas um ídolo", a bandeira vermelha que tremula pela democracia ao mesmo tempo que a esvazia na essência é fetiche para enfeitiçar gerações que, em respeito à própria história não puderam acreditar na fraude petista, e muitos mais jovens herdeiros legítimos da referência histórica do partido. Sou pelas pseudoliberdades que nos vendem como democráticas por mais burguesas que se apresentem e seria uma desonestidade intelectual atribuir-me desconhecimento sobre os perigos do autoritarismo, dos desmandos de um estado de exceção, das irreversíveis chagas da tortura, a tortura... pode partir do poder ou do pathos e, não raras vezes, somatiza. A tortura pode ser doméstica, manual, ou pode ter manual, como a máquina de lavar.

Os comunistas até hoje acusam George Orwell de ser um "inimigo do povo" financiado pela CIA, ele lutou em apoio à República na Guerra Civil Española e, mais tarde, escreveu: "A Frente Popular podia ser uma fraude, mas Franco era um anacronismo", dificilmente um agente do fascismo proferiria uma conclusão destas mas é preciso sempre atacar pensamentos como o de Orwell, é preciso sempre se defender do pensamento crítico e incitar o ufanismo, é preciso legitimar personagens como Ciro Gomes e Fernando Collor discursando contra o golpismo, é oportuno e reconfortante que o juiz seja um corrupto de direita, oportunista e golpista, isso ameniza o esquema depravado da direção petista.

Se depender de mim não passarão os golpistas, não convencerão os petistas!