segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Razón de Vivir 1/2


Paula,
pequeña hermanita, niña sin jardín,
por no tener flores sembraste una en ti.
yo pudiera darte un inmenso jardín
si pudiera darte todo mi pais.

Yo sé de las cientos de suertes que corren
las flores silvestres, la flor sin jardín,
pero también sé que sequías y piedras
no pueden con una razón de vivir.

Silvio Rodríguez- Estadio Charrúa, Montevideo, 16 de noviembre de 2011

O mes de novembro foi marcado para a comunidade uruguaia residente no Rio Grande do Sul, pela visita à capital do presidente da República Oriental del Uruguay, José "Pepe" Mujica. O lutador social, ex-cativo e torturado do Estado uruguaio durante a última ditadura civil-militar, agora presidente da república, recebeu do governador do estado e do presidente da Assembleia Legislativa gaúcha, as comendas máximas destinadas por suas Casas a alguém cuja atuação social, política, humanitária é relevante.


Assim como "Lula", "El Pepe" configurará na história da America Latina como um homem que, fruto e construtor da luta social levada a cabo em seu país na segunda metade do século passado, combateu a miséria e promoveu avanços nos direitos humanos comandando o segundo governo da frente ampla que quebrou por vias eleitorais e tardiamente, o continuismo de uma política reacionária, entreguista e de arrocho estatal aplicada ora pela direita radical, ora pela direita dita nacionalista.


Estive em quase todas as atividades organizadas durante a estadia de Mujica em Porto Alegre prestigiando os discursos, as entrevistas, os debates - minhas colegas de trabalho e o dono da loja, um pequeno comércio, trabalharam em meus horários para que pudesse participar dos eventos. Ouvi atentamente Mujica e contemplei sua lucidez sobre si e sobre La Patria Gaucha, vislumbrei suas fraquezas e contradições nos discursos majoritariamente dirigidos aos capitalistas regionais, quase que pedindo desculpas por estar no poder, acalmando os investidores, prometendo taxar o grande capital especulativo e o latifúndio num possível acirramento da crise em nosso continente ao mesmo tempo que afirmava nada fazer para além dos marcos que o capital impõe ao mundo.


Durante reunião do mandatario com a comunidade intervi e lhe disse compreender que a miséria, sua fome, sua violência, vão além de consignas e conceitos, e que atender necessidades aprofundadas pelo capitalismo e causadoras da barbárie é tarefa primordial, mas que, ao ouví-lo dizer que o desenvolvimento no país era desigual também por considerável acomodação dos trabalhadores que se negam a trabalhar em áreas menos desenvolvidas, me obrigava a perguntar se as consignas e os conceitos haviam mudado tanto assim, pois a julgar pelos discursos do dia anterior e pelas linhas gerais de seu governo a mensagem era: "Frente à crise mundial, empresários de toda a América Latina: uni-vos!".


O presidente não se saiu mal na resposta, afinal, vem de uma terra de poetas... Utilizando ardiloso recurso idelógico e linguístico, me atacou como a uma acadêmica inconformada da exploração de mais-valia aprendida das teses marxistas: -- Quienes reclaman son aquellos que más tienen, los que menos tienen no reclaman, viven felizes. (?!)

Em entrevista, como componente do primeiro Conselho Consultivo de Uruguai@s em

Porto Alegre e Região Metropolitana à rádio uruguaia que cobria os compromissos da comitiva, fui observada pelo "español correcto" apesar de falar deliberadamente "en buen sanducero" com o sotaque carregado de quem nasceu em Paysandú, interior do Uruguay. Voltei a pensar sobre o aprendizado pelas vias não cultas que me garantiram grande parte da compreensão e expressão de um conteúdo.


A impossibilidade de concentração total em qualquer coisa, resultado da dispersão nata e algumas contingências me garantiram a inquietação suficiente para não aprender muito de regras, de regras que regem as frases, as pontuações - a mãe que tive me rasgou o primeiro livro didático e a cara por não conseguir aprender a separar a palavra oso, urso, o-so, antes mesmo de ir para a escola . Mas de onde viria então a paixão pelas palavras, a poesia que salva de uma realidade com a qual discordo permanentemente, e "o español correcto"?


O violão era velho e simples, o pai jovem e de voz oprimida. Os dois juntos, me acompanharam dos 4 aos 18 anos, no início sempre, depois mais raramente. Ele e o violão vinham de um bairro pobre e eu e minha mãe de uma rua bem localizada no centro da cidade do norte do Uruguay. Nunca os olhei com muita intimidade, o que é meio óbvio se pensar que foi escalado para ser meu pai quando eu já estava tirando as rodinhas da bicicleta. Eu via um homem com a pele escura, ouvia uma voz vacilante e, naquela pele, no tom da voz, atrás do violão, uma classe inteira da qual uma parcela considerável mal havia adentrado nos estudos deixando seu tempo precocemente em trabalhos pesados.Talvez eu não tenha amado aquele homem como minha compaixão infantil (ou minha arrogância) amaram aquele sofrimento que se alegrava com qualquer coisa, igualzinho aos menos favorecidos do Mujica.


As canções, estas sim eram rebeldes, afirmativas, e deixavam claro que o mundo só poderia ser digno se governado por poetas, artistas e sonhadores afins. As de Silvio Rodríguez (quase todas) eu não entendia muito e me tocavam mais que as demais, algumas dele pareciam feitas para crianças, contavam de unicórinos, de pessoinhas que faziam o bem, outras de mulheres estremecedoras e amores covardes incapazes de virar histórias, e uma era urgente para a Nicarágua. A música de Silvio tem um poder exorcista sobre o desencantamento da vida.


Não faz muito tempo que a internet tornou acessíveis vídeos, letras, imagens, e todo tipo de material sobre o trabalho do cantor da nova trova cubana, do poeta que nasceu com a revolução de 1959. Até então meu Silvio era K-7, e se no Uruguay era considerado quase um múscio nacional, no Brasil os dois chegamos ilustres desconhecidos. O congelei com a infância, com a língua mãe, com a revolução na Nicarágua.


Vinte anos mais tarde, longe de meu pai e da banda oriental e perto como nunca daquelas letras e da banda larga, retomei as músicas de Silvio, recitei muitas e dancei uma para lembrar por aqui, que nos Estados Unidos há 5 cubanos presos por defender seu país.


Vinte anos mais tarde, Silvio Rodríguez voltou ao Uruguay para cantar. E eu voltei ao Uruguay para ver o Silvio que estava por trás daquele que meu pai havia inventado para mim, daquele que eu havia dançado por aqui, recitado para José Martí.


"El Pepe" diz que o Uruguay é pequeno e os vizinhos fortes, impávidos, colossos, deixando o país numa posição tímida para aplicar qualquer política mais ousada, independente. Talvez o medo do Uruguay seja reviver um Paraguay esmagado pela política e as armas da tríplice vizinhança - dos dois colossos e do pequinês.

Quem sabe a visita do cubano relembre como se impõe respeito aos vizinhos

fortes, impávidos e colossos...



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