sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Surpresa !


Surpresa só tem significado ruim no dicionário. Para uma parte considerável da humanidade, quer dizer uma coisa: prazer inesperado. Para as crianças, interessa bulhufas a etimologia da palavra (que resultou no francês: surprise), sua história - apelidou imposto extaordinário em 1549-  ou sentidos vários; acontecimentos imprevistos, sobressaltos, espantos, não são surpresa, ela é do bem. 
 
Quando cultivada ciclicamente, orgânica, sem agrotóxicos, a surpresa nos permite não apenas fugas ingênuas de um cotidiano cronometrado, mas posibilidade de reinventar o que aparenta mesmice irremediável.
 
No vigésimo aniversário de minha amiga Flávia - conivente na idade e nos crimes lícitos- resolvi fazer uma surpresa. Algo diferente antes de cumprir o ritual anual que começa com um presente qualquer de uma mesma girafa e culmina comigo comendo metade da torta. Mas que fazer? No saguão do prédio, já portando alguns balões pensei que o mais cabível seria entrar voando com os balões pela janela da sala. Ela adoraria, visto que mora no segundo andar. Mas era impossível, não havia vento suficiente, a atmosfera carregava um condensado mormaço que dificultaria meu voo. Tive que adaptar a surpresa à realidade concreta, e a realidade mais concreta nesse caso era o muro do vizinho. "O Leandro" não é o tipo de vizinho que dispense algo surpreendente - certa vez apareceu com um vidrinho no qual guardava um hérnia retirada da coluna - é um ser evoluído, quase um palhaço.O trajeto da porta ao muro já foi um constante surpreender-se. Começou com a cara dele quando abriu a porta:
 
- Oi Leandro tudo bem, posso pular teu muro?
 
Ele que já estava entediado, quase tão entardecido quanto aquele sábado, só faltou responder;
 
- Claro, por que nunca pediu antes? 
 
O muro era distante da porta o suficiente para especularmos mil e uma reações da neurótica da Angélica caso chegasse e enconrtasse o marido tentando me jogar pro pátio do apartamento da vizinha. Um surpreendia o outro dando uma versão mais bizarra, a surpresa pra Flávia poderia terminar em crime passional. Mas "a Angélica" não chegou e lá estávamos os balões e eu em cima do muro. Flávia realmente não esperava, inclusive me proibiu o uso de entorpecentes por um mês. Também as circunstâncias caixinhas me reservavam surpresa, fui salva pelo "tio João"  - o tio quarentão gato da Flávia - quando fiquei encalhada no muro com medo de pular. Até hoje quando estamos com tio João e algum muro por perto, dou um jeito de ficar encalhada.
 
Há também as surpresas universais e coletivas.
Surpreendemo-nos com a natureza: flor do maracujá, teia de aranha, sol nascente e poente, mar abissal prepotente. Embora em todo seu labor, simetria e precisão ela seja mais determinada que sábia, surpreende a nós e não a si mesma. Talvez nos surpreendamos tanto por conhecê-la pouco.. Paradoxalmente, o ser que desenvolveu capacidade consciente e, como nenhum outro, potencial criativo quase não nos surpreende, não creio que seja porque nos conheçamos muito. Não esporadicamente uma pequena parcela humana nos espanta, mas não é com prazeres inesperados ...Na crise de 2001 empresas armamentistas estadunidenses fizeram a seguinte promoção: Na compra de um lote de armas, duas minas grátis. 
 
Surpresas são odes ao caráter não estático da vida humana, uma evidência criativa de movimento. Variam em forma e conteúdo, intencionais e não intencionais, impovisadas ou não. As prefiro quando são conspiração individual ou coletiva para provocar prazer inesperado em alguém ou em muitos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário