segunda-feira, 9 de novembro de 2015
Psicossomática
Eu não fui ao posto de saúde por algum problema psiquiátrico, esse eu não trato, faço teatro. Também não foi por alguma complicação coronária mas saí de lá totalmente taquicárdica.
Também era novembro chuvoso, de Feira do Livro de Porto Alegre em 2009 quando Juremir Machado publicou uma crônica minha no segundo maior jornal do estado, o enredo não era nada inusitado: a tragédia da saúde pública na capital e seus usuários indignados.
Depois de alguns anos passados que não me venha o poder público com dados fabricados, nada mudou: o atendimento varia conforme os indivíduos e em alguns casos chega ao completo destrato, o serviço como sempre sucateado, o estado de saúde fica à mercê dos cuidados dispensados no âmbito privado, se você depende da saúde pública nem pense em ser um desleixado...
Se depender de atendimento no Centro de Saúde Santa Marta então convêm não ser nem desleixado nem ateu para que a santa o ajude no calvário. Não faz um mês que adentrei o posto para marcar ginecologista, lá chegando encontrei minha amiga Marju, e ficamos conversando como de "visita" mas a alegria acabou quando chamaram o número de minha ficha: a médica vem só daqui a dois dias...
Ah, pra que uma mulher precisa de ginecologista, eu sou cavalo de largada, desisto fácil, hoje vou procurar o dentista, antes das sete da manhã me plantei na porta no único dia da semana que prevê a marcação já dita: dentista só quando ele voltar, não sei daqui a quantos dias... O mais grave de tudo, não encontrei com Marju lá pra gente ficar de "visita".
A Marju é uma dançarina de flamenco, a dança da Andaluzia, no local onde ela dança há uma parede cheia de santos e santas apesar do "embrujo" que provocam as bailarinas. Eu peço à parede inteira para que não demorem mais quatro meses aqueles exames urgentes e os de rotina, para que liguem logo marcando eco e radiografia, não peço sequer um estado laico, republicano, com meus direitos respeitados e a saúde garantida, eu peço só a Santa Marta que se garanta e livre a todas dessa agonia.
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
El País
O Brasil e o Uruguay discrepam muito em dimensões, discrepam muito em índices educacionais, discrepam muito. E por mais que se discrepe sobre as fronteiras entre sul do Brasil, Uruguay e Argentina brasileiros de todo o Brasil e uruguayos de todo o país concordam em discrepar dos argentinos de Buenos Aires...
Se há uma coisa que aprendi do trotskismo é que não há ismo num só país e, por mais que o pão com manteiga seja uma prova irrefutável de que estou em Montevideo, o jornal parece ter sido trazido por um cachorro brasileiro.
Uma mídia arbitrária que, para além de seu discurso totalizante, reserva o mesmo tempo de pronunciamento para representantes do poder público e da "oposição" como se estes também governassem a nação, um governo ex esquerda que dedica dois minutos de ódio diários aos dissidentes, uma classe média medíocre que se indigna com a corrupção, com os ataques à liberdade de expressão, com os uruguayos que votam no país sem nele residir e com o kirchnerismo, no país vizinho...
O que as classes médias do continente, luso ou hispanofalantes, não conseguem formular é que as empresas indianas ou de qualquer parte do oriente instaladas na República Oriental decidem e legislam mais que qualquer cidadão com seu voto epistolar, que meia dúzia de canais de televisão, todos com a mesma visão, vociferam para preservar seu monopólio da expressão enquanto 56 rádios e um canal de televisão criados por povos originários são autorizados na Argentina, que toda corrupção pode significar um bebê em óbito à espera de uma ambulância, uma criança sem merenda na escola, um velho sem remédio, uma casa de cultura sem acervo, mas a corrosão no erário provocada pelo sistema financeiro que escoa o dinheiro gerado pela população local para instituições privadas trans(nacionais) é maior, que é fácil odiar adolescentes delinquentes mas muito difícil farejar violência nos jovens filhos das classes proprietárias que não estão roubando, mas estudando para perpetrar o sistema da desigualdade social.
Há uma dimensão que nossos setores esclarecidos mais nocivos parecem não querer acessar, que é uma análise radical da violência, onde ela é mais capaz, onde não se deixa decifrar. É justamente essa violência fundamental que o sujeito exclui de seu entendimento que volta, como uma psicose, diretamente do real, com uma magnitude brutal, com uma mão armada batendo no vidro do carro pronta pra matar e para a qual ele só vê uma saída: a perversão institucional, "o Estado para me proteger deve os castigar", mas a violência continua a aumentar então é preciso ser uma mão armada pronta para matar.
Viro a página, seção internacional, há, em diferentes magnitudes, em nosso continente, insuficiente controle popular sobre a vida cidadã, herança colonial, presente de nosso capitalismo dependente e motivos para restringir liberdades em certo grau do processo, do kirchnerismo ao castrismo passando pelo bolivarianismo e delirando com o trotskismo sempre aparecerão, ainda justificadas todas as contradições, bloqueios e boicotes, há uma dimensão que nossos setores esclarecidos mais revolucionários parecem não conseguir acessar, que é uma aceitação radical da liberdade individual, que sempre permanecerá residualmente, diretamente do real, tratada como uma psicose.
O bom de ler um jornal já sabendo o que está escrito é poder focar na língua vernacular, rememorar certos regionalismos, aprender alguma curiosidade gramatical, tentar abstrair que há um capitalismo, um neoliberalismo, um golpismo, um istmo que une os países de nosso continente por mais que estes estejam profundamente separados pela qualidade do pão no café da manhã.
Se há uma coisa que aprendi do trotskismo é que não há ismo num só país e, por mais que o pão com manteiga seja uma prova irrefutável de que estou em Montevideo, o jornal parece ter sido trazido por um cachorro brasileiro.
Uma mídia arbitrária que, para além de seu discurso totalizante, reserva o mesmo tempo de pronunciamento para representantes do poder público e da "oposição" como se estes também governassem a nação, um governo ex esquerda que dedica dois minutos de ódio diários aos dissidentes, uma classe média medíocre que se indigna com a corrupção, com os ataques à liberdade de expressão, com os uruguayos que votam no país sem nele residir e com o kirchnerismo, no país vizinho...
O que as classes médias do continente, luso ou hispanofalantes, não conseguem formular é que as empresas indianas ou de qualquer parte do oriente instaladas na República Oriental decidem e legislam mais que qualquer cidadão com seu voto epistolar, que meia dúzia de canais de televisão, todos com a mesma visão, vociferam para preservar seu monopólio da expressão enquanto 56 rádios e um canal de televisão criados por povos originários são autorizados na Argentina, que toda corrupção pode significar um bebê em óbito à espera de uma ambulância, uma criança sem merenda na escola, um velho sem remédio, uma casa de cultura sem acervo, mas a corrosão no erário provocada pelo sistema financeiro que escoa o dinheiro gerado pela população local para instituições privadas trans(nacionais) é maior, que é fácil odiar adolescentes delinquentes mas muito difícil farejar violência nos jovens filhos das classes proprietárias que não estão roubando, mas estudando para perpetrar o sistema da desigualdade social.
Há uma dimensão que nossos setores esclarecidos mais nocivos parecem não querer acessar, que é uma análise radical da violência, onde ela é mais capaz, onde não se deixa decifrar. É justamente essa violência fundamental que o sujeito exclui de seu entendimento que volta, como uma psicose, diretamente do real, com uma magnitude brutal, com uma mão armada batendo no vidro do carro pronta pra matar e para a qual ele só vê uma saída: a perversão institucional, "o Estado para me proteger deve os castigar", mas a violência continua a aumentar então é preciso ser uma mão armada pronta para matar.
Viro a página, seção internacional, há, em diferentes magnitudes, em nosso continente, insuficiente controle popular sobre a vida cidadã, herança colonial, presente de nosso capitalismo dependente e motivos para restringir liberdades em certo grau do processo, do kirchnerismo ao castrismo passando pelo bolivarianismo e delirando com o trotskismo sempre aparecerão, ainda justificadas todas as contradições, bloqueios e boicotes, há uma dimensão que nossos setores esclarecidos mais revolucionários parecem não conseguir acessar, que é uma aceitação radical da liberdade individual, que sempre permanecerá residualmente, diretamente do real, tratada como uma psicose.
O bom de ler um jornal já sabendo o que está escrito é poder focar na língua vernacular, rememorar certos regionalismos, aprender alguma curiosidade gramatical, tentar abstrair que há um capitalismo, um neoliberalismo, um golpismo, um istmo que une os países de nosso continente por mais que estes estejam profundamente separados pela qualidade do pão no café da manhã.
terça-feira, 13 de outubro de 2015
Presente
Dizem que as mulheres amamos com os ouvidos, para mim que não sei o que é amar na surdez, não poderia fazer mais sentido a não ser sobre o que é dito, com a boca, com um olhar dirigido, com as mãos num violino.
Isso deve explicar uma paixão que carrego, a única que nunca me leva ao desatino, a que tem explicação, argumento e raciocínio.
Por alguma razão que os outros talvez desconheçam o que me junta aos professores é muito mais que uma escuela. Eu lembro bem da primeira maestra, tão bem como se fosse esta. Lembro da segunda, já sem túnica, sem bandeira nem por isso tão distante daquela da pátria celeste, as lembro porque estão em mim e até hoje eu digo: presente!
Lembro até dos que não amei pois amei colateralmente, com o professor de geografia tínhamos um tratado para lá de Tordesillas, ele não me dava "falta" e eu não ficava para escutar os descalabros que ele dizia e, foi numa dessas, entrincheirada na biblioteca, que entendi Simón Bolívar, su maestro era un héroe tan Simón cuanto su cría.
Longe das páginas dos livros, precisamente entre as folhas arbóreas do outro lado da rua eu aprendia, quase adulta, que uma árvore sozinha era uma pequena cidadezinha. Em plena aula de biologia era adentrada na poesia ao saber que uma angustifolia é composta de angústia e folia, e como voltar pro the wall da escola depois de tal heresia.
Fui aprender do mundo o que há em sua periferia, o que se escuta do berimbau apesar do silêncio de quem o ensina. O que tinha pra me dizer uma luta que vem da China e mais do que o golpe em si no resultado li anatomia. E mesmo fora dos eixos pus o pé numa academia, em barricadas pelo salário, em cátedras de grego, bancas de antropologia, mas em matéria de física sempre agiu em mim uma força centrífuga e nesse universo eu nunca tive matrícula, porém como quem invade, saqueia e por fim conquista, tenho mais professores comigo no percurso que em cada curso de quaisquer campi da América latina.
Aquele que denuncia como civis, em suas aparentes rotinas, financiaram material e ideologicamente ditaduras militares em terras brasileiras e platinas, não se contenta em defender as massas em sua abstração do dia a dia, acredita sonho por sonho e material e ideologicamente me concretiza. Ao outro ofereço minha cabeça de bandeja e ele a nega sei lá por qual ética, pega una guitarra e me conta que não adianta massa cinzenta se não se canta como La Negra.
Já faz muito tempo que sou toda ouvidos, há muitos outubros não lembro ao certo, cometeria algum deslize, que faço primaveras no dezesseis mas meus presentes são todos do quinze*.
*15 de outubro, dia dos professores no Brasil
Isso deve explicar uma paixão que carrego, a única que nunca me leva ao desatino, a que tem explicação, argumento e raciocínio.
Por alguma razão que os outros talvez desconheçam o que me junta aos professores é muito mais que uma escuela. Eu lembro bem da primeira maestra, tão bem como se fosse esta. Lembro da segunda, já sem túnica, sem bandeira nem por isso tão distante daquela da pátria celeste, as lembro porque estão em mim e até hoje eu digo: presente!
Lembro até dos que não amei pois amei colateralmente, com o professor de geografia tínhamos um tratado para lá de Tordesillas, ele não me dava "falta" e eu não ficava para escutar os descalabros que ele dizia e, foi numa dessas, entrincheirada na biblioteca, que entendi Simón Bolívar, su maestro era un héroe tan Simón cuanto su cría.
Longe das páginas dos livros, precisamente entre as folhas arbóreas do outro lado da rua eu aprendia, quase adulta, que uma árvore sozinha era uma pequena cidadezinha. Em plena aula de biologia era adentrada na poesia ao saber que uma angustifolia é composta de angústia e folia, e como voltar pro the wall da escola depois de tal heresia.
Fui aprender do mundo o que há em sua periferia, o que se escuta do berimbau apesar do silêncio de quem o ensina. O que tinha pra me dizer uma luta que vem da China e mais do que o golpe em si no resultado li anatomia. E mesmo fora dos eixos pus o pé numa academia, em barricadas pelo salário, em cátedras de grego, bancas de antropologia, mas em matéria de física sempre agiu em mim uma força centrífuga e nesse universo eu nunca tive matrícula, porém como quem invade, saqueia e por fim conquista, tenho mais professores comigo no percurso que em cada curso de quaisquer campi da América latina.
Aquele que denuncia como civis, em suas aparentes rotinas, financiaram material e ideologicamente ditaduras militares em terras brasileiras e platinas, não se contenta em defender as massas em sua abstração do dia a dia, acredita sonho por sonho e material e ideologicamente me concretiza. Ao outro ofereço minha cabeça de bandeja e ele a nega sei lá por qual ética, pega una guitarra e me conta que não adianta massa cinzenta se não se canta como La Negra.
Já faz muito tempo que sou toda ouvidos, há muitos outubros não lembro ao certo, cometeria algum deslize, que faço primaveras no dezesseis mas meus presentes são todos do quinze*.
*15 de outubro, dia dos professores no Brasil
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
"É quando como bem que tenho as melhores ideias"
Trecho do texto Galileo Galilei
Há um bom tempo não conseguia aplaudir em pé uma peça de teatro no São Pedro. Admito, vejo pouquíssimo teatro, é mais fácil me encontrar no Teatro atrás de uma Filarmônica, costumo me irritar menos quanto menos entendo da matéria. Minha estreia como espectadora neste Porto Alegre Em Cena foi com um péssimo espetáculo num ótimo teatro,Attends...(Pour mon père) no tearo da Santa Casa, se bem que o relativismo da física se aplicaria à experiência, tenho certeza que teria sido menos ruim se a expectativa e o valor do ingresso fossem mais baixos, seria bem menos ruim se ao final do espetáculo não fosse regado a aplausos entusiastas e ufanistas, um espetáculo sempre pode melhorar por mais lugar comum que seja, um artista sempre pode melhorar por mais canastrão que seja, mas se o termômetro é um público que reverencia como maravilhoso algo de qualidade questionável pouco pode avançar.
Não é nada vantajoso uma artista como eu criticar o público, mas Denise Fraga colocou um samba- enredo no palco do TSP e minha cabeça foi a única a pipocar na plateia... Não deve parecer adequado se empolgar num teatro projetado nos moldes da arte burguesa. Luciano Alabarse costuma aconselhar o público a não tossir, Bertolt Brecht aconselhava o público a fumar charutos e agir como se estivesse numa luta de boxe. Concordo com os dois, dependendo da obra, desaconselho que as estruturas fixas determinem o comportamento das pessoas, quando um carnaval avança no Teatro São Pedro ele é mais sagrado que as paredes que o contém...
Galileo Galilei foi astrônomo, físico, matemático e filósofo no tempo em que tudo isso era mais ou menos a mesma coisa, seguiu a linha copernicana, colocou o sol no centro do universo e desaconselhou as estrelas fixas de Aristóteles. Galileo Galilei é o genial texto de Brecht e sua interpretação e fantasia sobre o cientista. Com sua luneta, Brecht aumentou um aspecto da trajetória do astrônomo: a ética de sua abjuração. A existência e suas contradições intumescem o Galileo do dramaturgo alemão no magro corpo da atriz brasileira. Ele não inventou a luneta, mas a melhorou a fim de aumentar seu salário na universidade, ele deve ao leiteiro porque gasta em livros, ele pensa melhor se come foie< ele abjurou perante o Vaticano para ficar vivo, para continuar pensando...Ela é atriz da Globo e faz teatro dialético melhor que o Berliner Ensemble.
Teatro brechtiano tem padrão: panfletagem com as músicas da peça, música ao vivo, cartazes elucidando o tema central da cena, enfim, uma série de artifícios que o confrontam com o teatro aristotélico - uma das maiores estrelas da astronomia italiana e uma das maiores estrelas da dramaturgia alemã destinaram sua vida a brigar com Aristóteles, este deve se achar o centro do universo... A teoria e o método de Galilei trunfaram, mas a todo momento, com muita grana e interesses de mercado, novas descobertas são feitas, a teoria e o método de Brecht disputam hegemonia no teatro, mas com ou sem grana e mercado precisamos fazer novas descobertas.
O que há de mais aristotélico no teatro brechtiano, a alma da coisa, a montagem de Cibele Forjaz e o ótimo corpo de atores que contracena com Denise tem: esse fazer teatro com prazer, como quem conversa, esse estar em cena sem dar-se tanta importância, afinal, não somos o centro do universo. Os figurinos do elenco em geral são mais realistas que criativos, mas imponentes e ajustados a cada personagem ou gestus social apresentado, os de Galileo com algum recurso interessante não são nada que não se tenha visto antes, mas um fermento que intumesce essa costura de voz, postura e arrebato, que compõem o Galilei de Fraga.
A inferiorização das mulheres propagandeada por Aristóteles, conservada por Galilei e não superada por Brecht, foi posta em cena em muitos momentos com a latejante violência que permeia as relações de gênero cotidianas naturalizadas, sem o foco crítico que podem ganhar num teatro. A superação feminista desta montagem de Galileo para mim não é sequer o fato de uma mulher representá-lo mas seus bastidores, a vontade de uma mulher, o poder de uma mulher que escolhe um texto como Galileo Galilei e decide interpretá-lo, a direção ser atribuída a outra mulher. Há uma grande diferença entre uma mulher encenar como protagonista e ser a real protagonista com uma direção feminina.
A questão central da peça de Brecht e Fraga é a ética. A eficácia de guardar ou alardear uma verdade, os interesses privados para os quais serve a humanidade coletivamente, as garantias individuais versus as abnegações do altruísmo. Galileo Galilei ainda sentia o cheiro da carne de Giordano Bruno queimando na fogueira enquanto respondia à Santa Inquisição, no texto ele capitula para continuar a desenvolver suas teorias e salvaguardá-las do poder repressor, ele retrocede um passo para avançar 2², mas atenção, essa é a exceção, quase sempre costuma ser traição.
Por um momento me distraí e quando voltei os olhos para o palco me deparei com algo que parecia ser uma injeção discursiva de petismo na obra, peruas louras batendo panelas reclamando a falta de empregadas, GRANDE ENTUSIASMO E APLAUSOS EFUSIVOS DA PLATEIA. Eu me sinto representada pelo sarcasmo da cena e, apesar de aplaudir o que me dá na telha, em tempos de dualismos pouco dialéticos esses aplausos podem significar aplausos à presidenta e não só à Galileia. O gestus social de parte do estrato societal que profere determinado discurso cujo sarcasmo enfatiza tal aspecto do estrato com o qual conflita interessa ao teatro brechtiano, interessa a nós do Núcleo As Brechtianas que em 2016 estreamos na cidade a peça inspirada em textos de Bertolt Brecht e de George Orwell: “DIALÉTICA DA CORAGEM: Duas mães de seu tempo e um soldado atemporal”. Conseguir o palco do TSP já são outros quinhentos, sem grana para comprar no mercado a luneta cujo escopo é o globo...
Depois de duas horas e vinte de espetáculo o teatro aplaudia em pé como é de costume, desta vez eu estava feliz e aplaudi mais, aplaudi efusivamente o cientista Galileo Galilei no qual Bertolt Brecht personificou seu ode à razão e do qual discordo efusivamente pois para todo rebelde também é necessária falta de juízo e o direito ao delírio que escapa à razão, mas aplaudia também outro cientista no qual é personificado o ode ao delírio e à falta de juízo na mais profunda estreiteza do científico, estava ali, na plateia bem pertinho, Jorge Quillfeldt, mi hermanito.
Há um bom tempo não conseguia aplaudir em pé uma peça de teatro no São Pedro. Admito, vejo pouquíssimo teatro, é mais fácil me encontrar no Teatro atrás de uma Filarmônica, costumo me irritar menos quanto menos entendo da matéria. Minha estreia como espectadora neste Porto Alegre Em Cena foi com um péssimo espetáculo num ótimo teatro,Attends...(Pour mon père) no tearo da Santa Casa, se bem que o relativismo da física se aplicaria à experiência, tenho certeza que teria sido menos ruim se a expectativa e o valor do ingresso fossem mais baixos, seria bem menos ruim se ao final do espetáculo não fosse regado a aplausos entusiastas e ufanistas, um espetáculo sempre pode melhorar por mais lugar comum que seja, um artista sempre pode melhorar por mais canastrão que seja, mas se o termômetro é um público que reverencia como maravilhoso algo de qualidade questionável pouco pode avançar.
Não é nada vantajoso uma artista como eu criticar o público, mas Denise Fraga colocou um samba- enredo no palco do TSP e minha cabeça foi a única a pipocar na plateia... Não deve parecer adequado se empolgar num teatro projetado nos moldes da arte burguesa. Luciano Alabarse costuma aconselhar o público a não tossir, Bertolt Brecht aconselhava o público a fumar charutos e agir como se estivesse numa luta de boxe. Concordo com os dois, dependendo da obra, desaconselho que as estruturas fixas determinem o comportamento das pessoas, quando um carnaval avança no Teatro São Pedro ele é mais sagrado que as paredes que o contém...
Galileo Galilei foi astrônomo, físico, matemático e filósofo no tempo em que tudo isso era mais ou menos a mesma coisa, seguiu a linha copernicana, colocou o sol no centro do universo e desaconselhou as estrelas fixas de Aristóteles. Galileo Galilei é o genial texto de Brecht e sua interpretação e fantasia sobre o cientista. Com sua luneta, Brecht aumentou um aspecto da trajetória do astrônomo: a ética de sua abjuração. A existência e suas contradições intumescem o Galileo do dramaturgo alemão no magro corpo da atriz brasileira. Ele não inventou a luneta, mas a melhorou a fim de aumentar seu salário na universidade, ele deve ao leiteiro porque gasta em livros, ele pensa melhor se come foie< ele abjurou perante o Vaticano para ficar vivo, para continuar pensando...Ela é atriz da Globo e faz teatro dialético melhor que o Berliner Ensemble.
Teatro brechtiano tem padrão: panfletagem com as músicas da peça, música ao vivo, cartazes elucidando o tema central da cena, enfim, uma série de artifícios que o confrontam com o teatro aristotélico - uma das maiores estrelas da astronomia italiana e uma das maiores estrelas da dramaturgia alemã destinaram sua vida a brigar com Aristóteles, este deve se achar o centro do universo... A teoria e o método de Galilei trunfaram, mas a todo momento, com muita grana e interesses de mercado, novas descobertas são feitas, a teoria e o método de Brecht disputam hegemonia no teatro, mas com ou sem grana e mercado precisamos fazer novas descobertas.
O que há de mais aristotélico no teatro brechtiano, a alma da coisa, a montagem de Cibele Forjaz e o ótimo corpo de atores que contracena com Denise tem: esse fazer teatro com prazer, como quem conversa, esse estar em cena sem dar-se tanta importância, afinal, não somos o centro do universo. Os figurinos do elenco em geral são mais realistas que criativos, mas imponentes e ajustados a cada personagem ou gestus social apresentado, os de Galileo com algum recurso interessante não são nada que não se tenha visto antes, mas um fermento que intumesce essa costura de voz, postura e arrebato, que compõem o Galilei de Fraga.
A inferiorização das mulheres propagandeada por Aristóteles, conservada por Galilei e não superada por Brecht, foi posta em cena em muitos momentos com a latejante violência que permeia as relações de gênero cotidianas naturalizadas, sem o foco crítico que podem ganhar num teatro. A superação feminista desta montagem de Galileo para mim não é sequer o fato de uma mulher representá-lo mas seus bastidores, a vontade de uma mulher, o poder de uma mulher que escolhe um texto como Galileo Galilei e decide interpretá-lo, a direção ser atribuída a outra mulher. Há uma grande diferença entre uma mulher encenar como protagonista e ser a real protagonista com uma direção feminina.
A questão central da peça de Brecht e Fraga é a ética. A eficácia de guardar ou alardear uma verdade, os interesses privados para os quais serve a humanidade coletivamente, as garantias individuais versus as abnegações do altruísmo. Galileo Galilei ainda sentia o cheiro da carne de Giordano Bruno queimando na fogueira enquanto respondia à Santa Inquisição, no texto ele capitula para continuar a desenvolver suas teorias e salvaguardá-las do poder repressor, ele retrocede um passo para avançar 2², mas atenção, essa é a exceção, quase sempre costuma ser traição.
Por um momento me distraí e quando voltei os olhos para o palco me deparei com algo que parecia ser uma injeção discursiva de petismo na obra, peruas louras batendo panelas reclamando a falta de empregadas, GRANDE ENTUSIASMO E APLAUSOS EFUSIVOS DA PLATEIA. Eu me sinto representada pelo sarcasmo da cena e, apesar de aplaudir o que me dá na telha, em tempos de dualismos pouco dialéticos esses aplausos podem significar aplausos à presidenta e não só à Galileia. O gestus social de parte do estrato societal que profere determinado discurso cujo sarcasmo enfatiza tal aspecto do estrato com o qual conflita interessa ao teatro brechtiano, interessa a nós do Núcleo As Brechtianas que em 2016 estreamos na cidade a peça inspirada em textos de Bertolt Brecht e de George Orwell: “DIALÉTICA DA CORAGEM: Duas mães de seu tempo e um soldado atemporal”. Conseguir o palco do TSP já são outros quinhentos, sem grana para comprar no mercado a luneta cujo escopo é o globo...
Depois de duas horas e vinte de espetáculo o teatro aplaudia em pé como é de costume, desta vez eu estava feliz e aplaudi mais, aplaudi efusivamente o cientista Galileo Galilei no qual Bertolt Brecht personificou seu ode à razão e do qual discordo efusivamente pois para todo rebelde também é necessária falta de juízo e o direito ao delírio que escapa à razão, mas aplaudia também outro cientista no qual é personificado o ode ao delírio e à falta de juízo na mais profunda estreiteza do científico, estava ali, na plateia bem pertinho, Jorge Quillfeldt, mi hermanito.
sábado, 29 de agosto de 2015
TRISTE ANIVERSÁRIO

"Agosto é o mês do desgosto". Eu que costumo ser muito popular para ditados, e outras coisas, dificilmente termino agosto sem um desgosto. Depois de anos, tenho ainda recente o sentimento de um final de agosto que começou com um amigo morto, Roberto era arquiteto. Outro amigo Roberto, jornalista, escreveu o livro "Vento Norte: a história do suicídio no Brasil" a partir da constatação de um par seu cuja estatística aponta o mês de agosto como tendo o registro recorde anual de suicídios no estado. É a funesta estética do frio. Segundo minha amiga Flávia, toda dada a cientificismos bioquímicos, a carência de vitamina D, ocasionada pela falta de exposição ao sol neste período, provoca depressão. Eu acredito no livro do Roberto, na vitamina da Flávia, na estatística do outro e na estética do Vitor Ramil.
Se existissem só artistas como Vitor, amigas como Flávia, jornalistas como Roberto, meus agostos seriam bem mais felizes. Só que não...Amanhã, 30/08 é aniversário de outro jornalista o qual eu adoraria se a carência de vitamina D o levassem às estatísticas do outro.
Willian Waack não é pior que Willian Bonner, ambos com as devidas nuances corroboram o mesmo discurso... Ou será que é? Já superamos o dilema do peso do indivíduo na história. Talvez o que separe Waack de Bonner seja o horário, talvez haja coisas que só Waack possa dizer, depois de um certo horário no qual tudo é liberado, tipo "Verdades Secretas". Fato é que por vários motivos Coringa é mais intrigante que Two Face. Em "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge" há umas três passagens nas quais o vilão esboça justificar sua risada perversa, seriam seu "trauma inaugural", mas cada uma das possibilidades é uma mentira bizarra, jogando com o histórico da personagem desde sua criação nos anos 40, Nolan parece querer dizer que ele simplesmente é um perverso, a perversão pura como o habano que fumo neste momento. O que produz um pervertido? Uma mãe excessivamente má, uma mãe excessivamente boa,vitamina D em excesso? É muito complexo...
Complexo como um sistema. Esta semana esteve uma vez mais na cidade a auditora Maria Lúcia Fatorelli. Fatorelli compôs a equipe que auditou as "dívidas públicas" dos estados grego e equatoriano. Sua tese é de que, para além da "dívida" existe o "sistema da dívida". Para Maria Lúcia assim como para o Capitão Nascimento a culpa é do sistema.O sistema da dívida é um complexo ardiloso, rebuscado, safado e legalizado pelo qual a dívida se reproduz em velocidade alarmante sobre seus próprios juros não por uma mão invisível do mercado, mas por manobras muito bem orquestradas entre instituições privadas e entes públicos. Os dados numéricos tão bem dominados por Fatorelli perderiam em exatidão aqui mas é algo como 4% do PIB para educação, 22% (voando alto) para previdência e 43% para pagar a agiotagem institucionalizada. Ela prova como a "dívida" corrói quase metade de nosso PIB assim como se fosse uma doença autoimune que acomete nossos órgãos saudáveis. As verdades secretas e as sacanagens sobre o sistema são sem número mas dentre tantas do capital financeiro está essa dos bancos no pais: a instituição calcula quanto pagaria em juros para investir seu capital em si mesma e tem dedução fiscal pelo que pagaria e não pagou!!! Coringa se sentiria um amador entrando num banco no Brasil...
Nesta mesma semana no programa do Willian Waack dois economistas que bem poderiam ser Charada e Pingoim foram categóricos sobre como o PIB brasileiro é corroído pela previdência social ignorando categoricamente os quase 45% desviados para a agiotagem.
Aqui entra um conceito que extrapola o campo das finanças, o conceito de violência. Num país como o Brasil a violência é sui generis, as formas de violência explícita e a ultraviolência elaboradas tanto pelo crime organizado marginalmente quanto pelo crime organizado estatalmente é um universo a ser estudado e combatido de maneira muito particular mas a atrocidade contida no fato de ter quase metade das riquezas produzidas por um povo, o lucro de suas estatais escoando para predadores transnacionais em detrimento do investimento em tudo que poderia reduzir rápida e significativamente a violência stricto sensu faria de Gotham City com sua corrupção, assassínios, Coringas e Pingoins uma agradável colônia de férias para a população brasileira.
Corroborar com um discurso pró petista de que a corrupção fica com gorjeta em comparação com o que as classes dominantes (pretensamente descoladas do PT quando convém. Onde, em Gotham?) expropriam do povo é outro crime, principalmente se for para justificar a corrupção esquematizada por setores emersos da classe trabalhadora lato sensu...Pode até ser gorjeta mas para uma garçonete que não aceita gorjetas por questão de dignidade como eu é um tanto ultrajante.
Na palestra de Fatorelli me deparei já na entrada com um grupo de senhores que mais pareciam uma versão brasileira de "Amici Miei". Aquela turma que envelheceu junta, tem discurso e piada feita pra tudo...Um sobressaía, e era o que mais incomodava também passando para lá e para cá, captando como uma antena quem passava e quem sentava para comentar qualquer coisa, sabia de tudo, sobre tudo e volta e meia proferia: - Enquanto estamos aqui em 300 a Fátima Bernardes chega a 40 milhões! Falava mais um pouco sobre a corrupção ser irrisória perto da dívida pública e voltava ao Ali Kamel e os 40 milhões...
Me lembro de haver lido, ainda jovem, algo como: " A juventude consegue ser qualquer coisa, nunca original". Eu já concordava mas começo achar que agora que os velhos também conseguem ser qualquer coisa continuam com medo de ser originais. Para onde levará um discurso simplista, maniqueísta, preguiçoso? Fico feliz de poder envelhecer com o pensamento jovial de Zizek: " A verdadeira coragem é admitir que a luz no fim do túnel é a luz de outro trem que se aproxima na direção contrária."
Willian Waack nasceu antes da ditadura militar atolar o Brasil na "dívida pública". A exploração e sua desigualdade social já existiam antes da dívida que existia antes dos milicos que só fizeram piorar mas atualmente ela acabou se tornando um bode na sala às avessas, não era o problema principal mas engordou tanto que leva Fatorelli à exaustiva tarefa de andar por todo o país denunciando a aberração.
O trem prestes a atropelar o pessoal que fica defendendo corruptos indefensáveis é o trem que buzina que a única governabilidade popular possível neste país é a aliança com as bases sociais e não as bases aliadas do capital, que a governabilidade possível começa por uma auditoria urgente das dívidas externa e interna. A dívida do estado do Rio Grande do Sul deixo para a crônica do aniversário do Túlio Milman...
Willian Waack nasceu antes da Revolução Cubana, é o parlamentar da burguesia reacionária não eleito cujo programa político conta com 40 minutos diários para proferir discursos odiosos contra qualquer iniciativa que reivindique soberania popular ou nacional que venha da esquerda, do povo ou dos dois juntos então nem se fala. É loquaz pela liberdade de expressão desde que a expressão expresse expressamente o que ele, Ali Kamel, Charada, Two Face, Pingoim julgam como interesses de classe.
O cubano Leonardo Padura visitou o estado há pouco, quando questionado por uma funcionária da RBS sobre sua liberdade de expressão em Cuba fazendo um paralelo com a perseguição travada pelo stalinismo sobre Trotsky ele respondeu: - Na Rússia faz frio, as pessoas queriam matar, em Cuba faz calor, as pessoas querem tomar cerveja".
Padura tem requinte. O discurso do velho não é simplista.
Willian Waack tem requinte, um requinte na perversão de sua eloquência que o diferencia de outros mediadores.
O capital financeiro sediado no Brasil tem nomes e sobrenomes, também tem seus ministros e senadores, mas se fosse escolher uma cara autóctone para desenhar no bolo seria a face sórdida do aniversariante de amanhã. Depois acenderia as velinhas...
http://www.auditoriacidada.org.br/
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Calendário 2015
Vivo sem futuro num lugar escuro e o diabo diz ahah...(Viola Fora de Moda)
Essa anti-ana, a do escuro, poucos encontram, em geral ela encanta os amigos mais anarquistas e passionais e não interessa aos marxistas intelectuais, talvez me engane, Gorki disse que “o homem quando fala de si mente”, mente sem saber. A alegria tem atrapalhado em muito um setor específico de minha vida, ou talvez um setor específico de minha vida tenha atrapalhado muito minha alegria, eis a incógnita.
Minha anti-ana seja talvez até mais sociável que a habitual, não é a segunda vez nem a última que abraço e saio andando com uma desconhecida que encontro na rua chorando. Eu passava chorando por dentro e ela parada botando pra fora, partimos para o bar mais próximo e deserto, por sorte as duas premissas coincidiram, andamos cinco metros. Mergulhamos na água, na soda e nas lágrimas. Depois me despedi de sua flagrante paranoia persecutória. Eu voltava do sindicato dos trabalhadores da justiça federal do estado que realizou plebiscito para desfiliação da CUT, quer despedir-se da flagrante síndrome governista.
Sou uma reducionista, não consigo deixar de identificar nos atuais setores sociais representados nas últimas eleições brasileiras, expressões políticas muito análogas às das atuantes na España pré guerra civil nos anos 1930 e uma mesma social democracia vacilante. Isso se deve ao fato de deter-me ao estudo da guerra civil española, poderia encontrar analogias contundentes em outros processos cuja política pudesse rumar a longo ou curto prazo para uma tensão similar. Uma guerra civil ensaio da Segunda Guerra, Revolução Cubana, ditaduras na América Latina, colapso da URSS, queda do muro de Berlim, neoliberalismo, alianças sociais democratas na América Latina, e eu só consigo ver o reducionismo da luta de classes...devo ser entediante. Se fosse uma reducionista radical acharia que o atualíssimo e infindável debate sobre o papel das redes sociais e Black Blocs é diversionismo histórico para academicistas e jornalistas terem pauta garantida, ainda bem que não sou radical nem acredito em Gorki.
É fatal que numa sociedade dividida em classes à medida que conquistas de determinados setores sociais se expandem haja uma reação imediata ou não daqueles que perdem hegemonia, uma crisezinha internacional sempre ajuda. Quando o homem comum acorda, os hereges passam, os hegemônicos ladram e a socialdemocracia petista hesita. Nos grandes eventos políticos ocorridos em pouco mais de um ano, os protestos de 2013 e o processo eleitoral de 2014, os roteiros surpreenderam menos do que deveriam. Imediatamente às jornadas de junho a socialdemocracia governante prometeu às pressas uma Constituinte enquanto a burguesia estupefata utilizava seus meios de ação direta - partidos e mídia- para cooptar ideologicamente as manifestações.Os protestos entraram momentaneamente em refluxo como é da práxis social, setores da burguesia mostraram as garras, a socialdemocracia recuou em sua tímida iniciativa popular e as eleições deste ano exprimiram o panorama societal com seus atores mais ou menos expressivos, uma esquerda radical com moral junina, uma socialdemocracia desesperada para manter a “governabilidade”, uma falaciosa terceira via, uma direita raivosa e seus subprodutos vociferes da ultra-violência. Estes últimos fomentam as escalofriantes reivindicações de indivíduos organizados ou não por outro golpe militar no país, conheço quem reivindique com a apiedante convicção de que este seria o remédio para a corrupção. Agora, e sem alguma analogia com a España, sejamos francos, aniquilar a corrupção pode ser a mentirosa escusa, aniquilar junho para sempre é o verdadeiro motivo.
Mas eis que, os hegemônicos e privilegiados neste país e, mais especificamente neste estado, têm algum problema cognitivo com calendários.
Após orquestrar boicote ao processo licitatório do transporte rodoviário na capital, a ATP promete entrar na justiça contra o município para exigir indenização pelo prejuízo no celestial negócio que era operar o sistema na cidade. Se junho não tivesse apenas 30 dias estes senhores estariam como réus devedores do erário público.
Assim como o direito de ir e vir (sem licitação) o direito à moradia é assegurado (pela constituição) ora, ninguém melhor para assegurar os direitos dos cidadãos que os cidadãos do Direito. Mas os juízes não dominam somente os distintivos da deusa Têmis, eles também manjam muito de economia, sabem muito bem que para privilegiar uns é necessário retirar de outros...os primeiros a pagar o pato, ou melhor o apto. serão os estagiários que terão salário cortado durante o recesso, vai ajudar um tanto no caixinha do auxílio- moradia aos magistrados.
Mas como seria ir, vir, morar, sem se aposentar depois de tudo isso...Mais ainda quando a ida e a vinda são do estacionamento da Casa Legislativa gaúcha até seus respectivos gabinetes. Os homens determinados e de ação não sucumbem a crises existenciais, infantes ao plenário, 29 dos 55 deputados estaduais legislaram em benefício próprio para garantir aposentadoria especial.
A França revolucionária alterou seu calendário em 1792, os setores hegemônicos e privilegiados da França inverteram a máxima e perderam os dedos por não perder os anéis, no caso, dedos, cabeças, a coisa toda foi muito anatômica e ergonômica.
A Rússia revolucionária também alterou seu calendário e tinha além de Máximo Gorki algumas máximas, uma delas é que o povo deveria se livrar dos hegemônicos sem mediadores que apareçam entre janeiro e março.
A palavra calendário tem em seu étimo “calare” que curiosamente significa “chamar”. Eu não sei se será em 2015, em 2018 ou quando, mas junho voltará ao calendário brasileiro porque com seus debochados privilégios a burguesia pede, a socialdemocracia petista vacila e a esquerda revolucionária chama.
domingo, 6 de julho de 2014
Cantos do Sul da Terra
A la una lo escucho
con el habano 'pucho'
y con el gato, mi cuzco
A las seis paro el reloj
para volver en el tiempo
y escucharlo de nuevo.
Meu pai era um operário e vivia como um artista, ele não morreu, só não compartilhamos mais esta vida. Eu não consigo ler uma página por dia, dizem os neurocientistas que, para pessoas assim neurodispersivas, concentrar-se em algo é como para um atleta, transpôr obstáculos. Quando trabalhava na fábrica de couros ele acordava 4 da manhã, quando foi serígrafo imprimia numa mesma tela sem parar e, nas poucas horas que tinha para viver, tocava 'su guitarra' e cantava até o dia morrer. Dele herdei o riso fácil dos proletários, dos proletários organizados herdei o não me acostumar a entortar de tanto trabalhar. A vanguarda dos trabalhadores diz que eles são conscientes enquanto classe mesmo individual e momentaneamente alienados, não sei se meu pai ali, indivíduo, comigo pedaço de indivíduo, sabia direito o que cantava e eu o que estava ouvindo mas a classe, nesse momento, com certeza estava evoluindo...Panfletária ou não a canção comprometida com a causa,a alma, a reflexão tem papel imensurável para o povo trabalhador, é por causa dela que me permito escrever algumas linhas mesmo com tantos livros ainda sem tranpôr.
Todo dia enquanto entorto de tanto trabalhar, me pergunto como meu pai aguentava a vida que levava sem abandoná-la, e todo dia eu tenho uma resposta com hora marcada.
A uma da tarde esteja em meio ao trigo ou ao trânsito, em pleno stress: um remanso. Das 13 às 14h vem o ânimo para produzir o que preciso e a mais valia, posso dizer que, em uma hora, eu ganho o dia.
Cantos do Sul da Terra é o nome do programa concebido e conduzido pelo músico Demétrio Xavier transmitido pela rádio Cultura e retransmitido 6 da manhã.
A Demétrio eu comentei, quando atravesso a rua de Livrapool para Rivera piso em outro planeta, mas uruguai@s, argentin@s e riograndenses acham tudo muito parecido, parece que só eu ando à procura do elo perdido...De fato, quando piso, quando penso no Uruguay, não foi só uma pátria, foi uma infância que deixei para trás. Carrego duas rupturas, uma é universal, a do ser humano com seus primeiros anos para os quais até o fim da vida procura um eterno retornar, a outra é particular, a do migrante que não pertence mais à sua terra e nunca, totalmente, ao lugar no qual está. Todos os dias, durante 60 minutos eu ponho os pés na terra e vejo a infância voltar.
E é assim, com meus fones de ouvido 'boleadores' que, em qualquer canto da terra, escuto os cantos do sul e fico puta quando por algum motivo, por mais justo que seja, o programa é gravado. Porque o instante não é o mesmo, e a respiração é outra, porque é quando o rádio ligo, que paro de trabalhar gravado e começo a trabalhar ao vivo.
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