terça-feira, 13 de outubro de 2015

Presente

Dizem que as mulheres amamos com os ouvidos, para mim que não sei o que é amar na surdez, não poderia fazer mais sentido a não ser sobre o que é dito, com a boca, com um olhar dirigido, com as mãos num violino.

Isso deve explicar uma paixão que carrego, a única que nunca me leva ao desatino, a que tem explicação, argumento e raciocínio.

Por alguma razão que os outros talvez desconheçam o que me junta aos professores é muito mais que uma escuela. Eu lembro bem da primeira maestra, tão bem como se fosse esta. Lembro da segunda, já sem túnica, sem bandeira nem por isso tão distante daquela da pátria celeste, as lembro porque estão em mim e até hoje eu digo: presente!

Lembro até dos que não amei pois amei colateralmente, com o professor de geografia tínhamos um tratado para lá de Tordesillas, ele não me dava "falta" e eu não ficava para escutar os descalabros que ele dizia e, foi numa dessas, entrincheirada na biblioteca, que entendi Simón Bolívar, su maestro era un héroe tan Simón cuanto su cría.

Longe das páginas dos livros, precisamente entre as folhas arbóreas do outro lado da rua eu aprendia, quase adulta, que uma árvore sozinha era uma pequena cidadezinha. Em plena aula de biologia era adentrada na poesia ao saber que uma angustifolia é composta de angústia e folia, e como voltar pro the wall da escola depois de tal heresia.

Fui aprender do mundo o que há em sua periferia, o que se escuta do berimbau apesar do silêncio de quem o ensina. O que tinha pra me dizer uma luta que vem da China e mais do que o golpe em si no resultado li anatomia. E mesmo fora dos eixos pus o pé numa academia, em barricadas pelo salário, em cátedras de grego, bancas de antropologia, mas em matéria de física sempre agiu em mim uma força centrífuga e nesse universo eu nunca tive matrícula, porém como quem invade, saqueia e por fim conquista, tenho mais professores comigo no percurso que em cada curso de quaisquer campi da América latina.

Aquele que denuncia como civis, em suas aparentes rotinas, financiaram material e ideologicamente ditaduras militares em terras brasileiras e platinas, não se contenta em defender as massas em sua abstração do dia a dia, acredita sonho por sonho e material e ideologicamente me concretiza. Ao outro ofereço minha cabeça de bandeja e ele a nega sei lá por qual ética, pega una guitarra e me conta que não adianta massa cinzenta se não se canta como La Negra.

Já faz muito tempo que sou toda ouvidos, há muitos outubros não lembro ao certo, cometeria algum deslize, que faço primaveras no dezesseis mas meus presentes são todos do quinze*.


*15 de outubro, dia dos professores no Brasil

5 comentários:

  1. Gostei muitíssimo deste texto, Sou professor, sou estudante, eterno estudante, professor.

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    1. Felicidades por todos los días Daniel!!!

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    2. Feliz cumpleaños Ana!!! Buen viaje a la tacita del Plata.

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  2. (...)"em matéria de física sempre agiu em mim uma força centrífuga e nesse universo eu nunca tive matrícula", dizes. E dizes bem: "Nesse universo"! Como estamos num multiverso, tens matrícula garantida nos universos paralelos! Beijo! (Darlou)

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  3. Beijos paralelos "Marli hahahahahahahahaha"

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