quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Calendário 2015



Vivo sem futuro num lugar escuro e o diabo diz ahah...(Viola Fora de Moda)

Essa anti-ana, a do escuro, poucos encontram, em geral ela encanta os amigos mais anarquistas e passionais e não interessa aos marxistas intelectuais, talvez me engane, Gorki disse que “o homem quando fala de si mente”, mente sem saber. A alegria tem atrapalhado em muito um setor específico de minha vida, ou talvez um setor específico de minha vida tenha atrapalhado muito minha alegria, eis a incógnita.

Minha anti-ana seja talvez até mais sociável que a habitual, não é a segunda vez nem a última que abraço e saio andando com uma desconhecida que encontro na rua chorando. Eu passava chorando por dentro e ela parada botando pra fora, partimos para o bar mais próximo e deserto, por sorte as duas premissas coincidiram, andamos cinco metros. Mergulhamos na água, na soda e nas lágrimas. Depois me despedi de sua flagrante paranoia persecutória. Eu voltava do sindicato dos trabalhadores da justiça federal do estado que realizou plebiscito para desfiliação da CUT, quer despedir-se da flagrante síndrome governista.

Sou uma reducionista, não consigo deixar de identificar nos atuais setores sociais representados nas últimas eleições brasileiras, expressões políticas muito análogas às das atuantes na España pré guerra civil nos anos 1930 e uma mesma social democracia vacilante. Isso se deve ao fato de deter-me ao estudo da guerra civil española, poderia encontrar analogias contundentes em outros processos cuja política pudesse rumar a longo ou curto prazo para uma tensão similar. Uma guerra civil ensaio da Segunda Guerra, Revolução Cubana, ditaduras na América Latina, colapso da URSS, queda do muro de Berlim, neoliberalismo, alianças sociais democratas na América Latina, e eu só consigo ver o reducionismo da luta de classes...devo ser entediante. Se fosse uma reducionista radical acharia que o atualíssimo e infindável debate sobre o papel das redes sociais e Black Blocs é diversionismo histórico para academicistas e jornalistas terem pauta garantida, ainda bem que não sou radical nem acredito em Gorki.

É fatal que numa sociedade dividida em classes à medida que conquistas de determinados setores sociais se expandem haja uma reação imediata ou não daqueles que perdem hegemonia, uma crisezinha internacional sempre ajuda. Quando o homem comum acorda, os hereges passam, os hegemônicos ladram e a socialdemocracia petista hesita. Nos grandes eventos políticos ocorridos em pouco mais de um ano, os protestos de 2013 e o processo eleitoral de 2014, os roteiros surpreenderam menos do que deveriam. Imediatamente às jornadas de junho a socialdemocracia governante prometeu às pressas uma Constituinte enquanto a burguesia estupefata utilizava seus meios de ação direta - partidos e mídia- para cooptar ideologicamente as manifestações.Os protestos entraram momentaneamente em refluxo como é da práxis social, setores da burguesia mostraram as garras, a socialdemocracia recuou em sua tímida iniciativa popular e as eleições deste ano exprimiram o panorama societal com seus atores mais ou menos expressivos, uma esquerda radical com moral junina, uma socialdemocracia desesperada para manter a “governabilidade”, uma falaciosa terceira via, uma direita raivosa e seus subprodutos vociferes da ultra-violência. Estes últimos fomentam as escalofriantes reivindicações de indivíduos organizados ou não por outro golpe militar no país, conheço quem reivindique com a apiedante convicção de que este seria o remédio para a corrupção. Agora, e sem alguma analogia com a España, sejamos francos, aniquilar a corrupção pode ser a mentirosa escusa, aniquilar junho para sempre é o verdadeiro motivo.

Mas eis que, os hegemônicos e privilegiados neste país e, mais especificamente neste estado, têm algum problema cognitivo com calendários.

Após orquestrar boicote ao processo licitatório do transporte rodoviário na capital, a ATP promete entrar na justiça contra o município para exigir indenização pelo prejuízo no celestial negócio que era operar o sistema na cidade. Se junho não tivesse apenas 30 dias estes senhores estariam como réus devedores do erário público.

Assim como o direito de ir e vir (sem licitação) o direito à moradia é assegurado (pela constituição) ora, ninguém melhor para assegurar os direitos dos cidadãos que os cidadãos do Direito. Mas os juízes não dominam somente os distintivos da deusa Têmis, eles também manjam muito de economia, sabem muito bem que para privilegiar uns é necessário retirar de outros...os primeiros a pagar o pato, ou melhor o apto. serão os estagiários que terão salário cortado durante o recesso, vai ajudar um tanto no caixinha do auxílio- moradia aos magistrados.

Mas como seria ir, vir, morar, sem se aposentar depois de tudo isso...Mais ainda quando a ida e a vinda são do estacionamento da Casa Legislativa gaúcha até seus respectivos gabinetes. Os homens determinados e de ação não sucumbem a crises existenciais, infantes ao plenário, 29 dos 55 deputados estaduais legislaram em benefício próprio para garantir aposentadoria especial.

A França revolucionária alterou seu calendário em 1792, os setores hegemônicos e privilegiados da França inverteram a máxima e perderam os dedos por não perder os anéis, no caso, dedos, cabeças, a coisa toda foi muito anatômica e ergonômica.

A Rússia revolucionária também alterou seu calendário e tinha além de Máximo Gorki algumas máximas, uma delas é que o povo deveria se livrar dos hegemônicos sem mediadores que apareçam entre janeiro e março.

A palavra calendário tem em seu étimo “calare” que curiosamente significa “chamar”. Eu não sei se será em 2015, em 2018 ou quando, mas junho voltará ao calendário brasileiro porque com seus debochados privilégios a burguesia pede, a socialdemocracia petista vacila e a esquerda revolucionária chama.

domingo, 6 de julho de 2014

Cantos do Sul da Terra



A la una lo escucho
con el habano 'pucho'
y con el gato, mi cuzco
A las seis paro el reloj
para volver en el tiempo
y escucharlo de nuevo.

Meu pai era um operário e vivia como um artista, ele não morreu, só não compartilhamos mais esta vida. Eu não consigo ler uma página por dia, dizem os neurocientistas que, para pessoas assim neurodispersivas, concentrar-se em algo é como para um atleta, transpôr obstáculos. Quando trabalhava na fábrica de couros ele acordava 4 da manhã, quando foi serígrafo imprimia numa mesma tela sem parar e, nas poucas horas que tinha para viver, tocava 'su guitarra' e cantava até o dia morrer. Dele herdei o riso fácil dos proletários, dos proletários organizados herdei o não me acostumar a entortar de tanto trabalhar. A vanguarda dos trabalhadores diz que eles são conscientes enquanto classe mesmo individual e momentaneamente alienados, não sei se meu pai ali, indivíduo, comigo pedaço de indivíduo, sabia direito o que cantava e eu o que estava ouvindo mas a classe, nesse momento, com certeza estava evoluindo...Panfletária ou não a canção comprometida com a causa,a alma, a reflexão tem papel imensurável para o povo trabalhador, é por causa dela que me permito escrever algumas linhas mesmo com tantos livros ainda sem tranpôr.
Todo dia enquanto entorto de tanto trabalhar, me pergunto como meu pai aguentava a vida que levava sem abandoná-la, e todo dia eu tenho uma resposta com hora marcada.
A uma da tarde esteja em meio ao trigo ou ao trânsito, em pleno stress: um remanso. Das 13 às 14h vem o ânimo para produzir o que preciso e a mais valia, posso dizer que, em uma hora, eu ganho o dia.
Cantos do Sul da Terra é o nome do programa concebido e conduzido pelo músico Demétrio Xavier transmitido pela rádio Cultura e retransmitido 6 da manhã.
A Demétrio eu comentei, quando atravesso a rua de Livrapool para Rivera piso em outro planeta, mas uruguai@s, argentin@s e riograndenses acham tudo muito parecido, parece que só eu ando à procura do elo perdido...De fato, quando piso, quando penso no Uruguay, não foi só uma pátria, foi uma infância que deixei para trás. Carrego duas rupturas, uma é universal, a do ser humano com seus primeiros anos para os quais até o fim da vida procura um eterno retornar, a outra é particular, a do migrante que não pertence mais à sua terra e nunca, totalmente, ao lugar no qual está. Todos os dias, durante 60 minutos eu ponho os pés na terra e vejo a infância voltar.
E é assim, com meus fones de ouvido 'boleadores' que, em qualquer canto da terra, escuto os cantos do sul e fico puta quando por algum motivo, por mais justo que seja, o programa é gravado. Porque o instante não é o mesmo, e a respiração é outra, porque é quando o rádio ligo, que paro de trabalhar gravado e começo a trabalhar ao vivo.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Da teoria à marra

Neste momento deve estar terminando a partida entre Uruguay e Itália, sem sol mas com mesa, improviso meu "escritório", apesar de gremista, na Praça Internacional, não a de Livrapool, a de Porto Alegre. Os marxistas temos uma, ou mais vantagens perante a vida, descoisificar, desfetichizar quase tudo, os uruguayos em nossa laicidade também, logo, a praça ter tal nome não me importa um pito, na Praça Garibaldi, na qual muito me agrada o nome estaria acompanhada, já me perguntava pelo "charuto peruano" um crioulo enquanto passava...
O capitalismo, ou capetalismo como vi pixado por aí, é mesmo a engrenagem social mais contraditória que já inventaram as classes dominantes. Figura na literatura argentina que "quien trabaja con el diablo no se cansa nunca", me decido a repudiar meu lado paysano de ver o tempo passar em seu devido tempo, o atropelo, o acelero, me dedico a represar as palavras que emergem enquanto minhas mãos só trabalham mecânicas, destino o dinheiro do habano a investimentos em instrumentos mirabolando futuros maquinários, capitulo de todo modo e opero conforme a máquina.
Foi neste mesmo mês, há um ano que pensei: 1) esta gente não vai fazer a revolução tão cedo; 2) não tenho vocação para ter patrão; 3) pior que isso só camarada como patrão. Então resolvi virar patrão - visto que o sistema é patriarcal e machista, ser patroa ou presidenta só serve para agredir os ouvidos. Deve ter levado um par de dias após minha resolução para as ruas serem tomadas pela população...Neste mês comemoramos as ditas "jornadas de junho" que, em verdade, foram "noitadas de junho" pois ainda trabalhava como garçonete em uma confeitaria durante o dia e batia o ponto sem demora para alcançar os protestos à noite, na madrugada me dedicava aos negócios e minha história de capitalista não seria genuína se além disso não estudasse à luz de velas entre 3 e 5 da manhã enquanto todos os outros vagabundos dormiam...
E como empresária sempre fui uma excelente marxista, levei o empreendimento às últimas consequências e me dediquei diuturnamente à causa, sem sábado, sem domingo, na chuva incessante de novembro, no calor escaldante de janeiro. Ao final da jornada talvez consiga provar uma tese ou sua antítese: que, com esforço se vence no capitalismo ou que o capitalismo vence qualquer esforço. Mas não tem atalho, tem trabalho e é o trabalho que me dignifica e legitima para sair bem faceira com a cesta dos comércios nos quais forneço: - Depois desta entrega vou para a manifestação...Todos respeitam, só não conseguem entender como os blacks blocs violentos, os sindicalistas liberados, os estudantes desocupados que aparecem na tv sou eu, não conseguiam entender como alguém que quer ser work a holic quisesse acabar com o capitalismo. Até que começou a Copa...
Quem ignora teoria política, por ignorância mesmo ou por orgulho típico da ignorância, há de aprender na prática e, se a prática resultar árdua pode-se dizer, na marra.
E quase todos meus clientes comerciantes, todos pequenos comerciantes, aprenderam na Copa que a Copa só pode dar lucro para a Fifa e uma dúzia de comércios dos poucos trechos badalados, se nesses o faturamento aumentou em 40%, nos outros a desertificação da cidade em dias de jogo e a concentração de pessoas em alguns pontos só derrubou as vendas.
É nessas horas que eu, empresária, não desespero pois a vantagem no placar eu, marxista, já sabia de antemão para quem seria...
As jornadas de junho voltarão em algum mês qualquer mais intensas apesar do refluxo atual, por enquanto a juventude está como a burguesia e a polícia gostam, tomando as ruas para tomar cerveja até cair, autômatos em seus celulares sem 'burocratas' para dar a linha, longe dos vidros quebrados dos blacks blocs, vidrados em seus faces com suas selfies.
Eu espero pelo próximo espetáculo, que beneficiará mais dos mesmos, minha "copinha do mundo": o embate eleitoral. Não que me divirta com os monólogos ditos debates, as enquetes com suas margens para mais ou para menos, abomino, ou talvez minha preguiça inveje, qualquer tecnicismo, mas vou querer ver com pipoca e tudo o Robaina massacrar a Ana Amélia, o Tarso já não sei, perto deste, aquele é um cordeirinho mas não custa torcer...No espetáculo o expectador tem a falsa ilusão de ser partícipe.
La Celeste ganó, el fútbol se parece a la vida, por lo menos en esta letra de Jaime Roos:
"Te largan a la cancha sin preguntarte si querés entrar.
Por si fuera poco, de golero; toda una vida tapando agujeros.
Y si en una de esas salís bueno, se tiran al suelo y te cobran penal"

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Sentada na Varanda

Sentada na varanda latino americana
vejo como fazem sentido
estas reluzentes folhas arbóreas
deste instituído outono
desmentido de fato
por luz, calor, verde claro

como faz sentido
o frenesi de um violino
em meio ao som ambiente
em clássico desatino

como desperta os sentidos
a xícara escrito coffee
o cortado nela contido
e de puro cacau baiano
um brownie amanhecido

como nada disso faria hoje sentido
se ontem não estivéssemos de pé
em frente ao paço do poder instituído
em frenesi desmentindo fatos
e nos seus argumentos
o que há de mais clássico

no calor da fumaça do fogo de um boneco incendiado
na luz de um fogo artificial estourado
no rubro de bandeiras sem mastro
nas folhas volantes com seu absurdo denunciado

se não nos houvessem despertado os sentidos
a tropa escrito choque
e o gás nas bombas contido
além do puro infantilismo
de um black em desatino

como sinto quando Brecht contrario
e lhe digo:
apreciar o nada, o verde, o que é bonito
é direito adquirido de um legítimo subversivo.

domingo, 7 de julho de 2013

Vendo! Compro! Fechado!


O Mercado Público com suas bancas, ofertas e demandas parece uma bolsa de valores das iguarias. Assim que o mercado é aberto ao público, começam a ser cantados os números...quando chego no saguão entro no griteiro que só não empolga os menos ativos:

- 51!!!
- Uma boa ideia!
- Gelo e limão!


Pago as especiarias em espécie, mas esta prática está prestes a ser abolida pois o dinheiro eletrônico é a transação da maioria. E nessa maioria, milhares de pequenos empreendedores vamos em busca de opções para nossas ações gastronômicas. Para mim, o mercado público é tudo, menos peixe. Aos dezoito anos, além de ser o lugar no qual comprava os ingredientes para confeitaria, era local de passagem em direção ao terminal de ônibus que me conduzia à escola de teatro da Terreira da Tribo. Comecei a parar de vez em quando e foi lá que inaugurei um hábito dos mais solitários, dos menos saudáveis: tomar cerveja comendo Trakinas. Os amigos estranham mas depois aderem, porém nunca lá, no Mercado a cerveja é só minha, com minhas contas, minhas trakinas, só o garçom a testemunhar minha sina. Na segunda-feira próxima faria minha primeira entrega de doces no Mercado Público, iria ao mercado vender meu peixe, mas no sábado o mercado sofreu um fire e logo depois se seguiu a grande depressão. Justamente na parte mais afetada pelo incêndio ficava localizado o Telúrico, restaurante vegetariano da Márcia, que assim como eu aprendeu a cozinhar com a avó, e fazia qualquer vegetariano não se sentir um peixe fora do aquário em pleno mercado.

Para alguns comerciantes o incêndio de sábado deve ter sido, de fato, a bancarrota. Mas é interessante observar a fala do delegado Hilton Muller à RBS surpreso ao entrar no local e detectar que somente 10% do prédio havia sido consumido:

— O que vimos pela imprensa, era de que o dano era muito grande. Nos surpreendeu muito positivamente que o dano não tinha tanta dimensão.

Pedro não acredita, mas dentro de minha dispersão multidimensional tenho meus momentos de profunda observação, ninguém é escritora sem ser observadora. Na declaração do delegado está contida clara orientação das autoridades municipais para minimizar qualquer estrago que afete o "clima Copa do Mundo" , apesar de ficar claro que Porto Alegre tem mais vocação para a rebeldia que para o turismo. Os porto-alegrenses não estão neste mundo a passeio e também observam com atenção suas rotinas alteradas por obras viárias conduzidas a toque de caixa para inglês ver e moradias e famílias removidas autoritariamente como na vila Tronco. Porém, as notícias que me chegavam de quem acompanhava o incidente pela televisão eram realmente dramáticas. Para alguém que se sente à vontade nesta cidade e insiste em ocupá-la apesar de suas exclusões e desigualdades, um incêndio no Mercado Público é uma tristeza singular.

Do Mercado não carrego somente os bons momentos na Pão de Açúcar da pieguice "água com açúcar" do David Coimbra. Ele já foi um castelo fechado em meio à escuridão, habitado por ratos numa madrugada qualquer em que eu habitava a rua sem ter qualquer lugar para dormir. O mercado está em mim com tudo que tem de bom e de ruim, como tudo que amamos só pode ser assim.
A vida deve ser aspirada, vista de perto, vivenciada, não há tela que a represente. Estava a dez minutos do incêndio quando o telefone tocou e não havia caminho que não me conduzisse para o que parecia ser o desastre daquele prédio. Ao chegar constatei que uma parcela do imóvel era afetada e toda a parte inferior aparentava estar intacta. Quando o telefone tocou novamente era sobre o perigo da exposição à fumaça tóxica a notícia a ser alarmada. Fumaça sobe, no perímetro do mercado se respirava perfeitamente, no trajeto de volta me deparei com grande concentração da fumaça na avenida Salgado Filho.

Não havia duas semanas estava na avenida Borges de Medeiros quase na esquina com a Salgado Filho respirando, ou pior, sem respirar o gás lacrimogêneo que na Primeira Guerra Imperialista era considerada arma química e mudou de nome para que a repressão policial parecesse "ação técnica" de "efeito moral". A Salgado Filho em questão é uma das avenidas mais poluídas do país pela concentração de poluentes emitidos pelos ônibus que ali passam e têm seus terminais, e cujos prédios se encarregam de emparedar. Qualquer um que fique esperando nas principais sinaleiras ou paradas de ônibus desta cidade traga sua boa dose de fumaça diária, do diesel dos caminhões, dos ônibus da Viamão. Fumaça tóxica de madeira dos anos sessenta para mim é quase ar puro...

Sobre a imprensa...bem...vejamos...depois de acompanhar o protesto referido acima no centro da cidade, acompanhei a transmissão televisiva do protesto...
Odeio teoria da conspiração, ou qualquer outro falso terror que leve ao medo, à submissão ou ao engano. O problema é quando a conspiração é na prática, sai da teoria. O que vi foi uma sequência de imagens editadas criminosamente. Eu havia acabado de sair do real, que, em tese, é sempre parcial, indivídual, para a teórica imparcialidade da mídia que acompanhava o todo...A minha pequena parcela por mais tapada pela cortina de fumaça que estivesse, era mais verdadeira que toda a transmissão exibida na televisão. A prática de sobrepôr imagens e espisódios para consumar fatos não acontecidos não é coisa da mídia somente durante grandes golpes como na Venezuela de 2002, mas também na Porto Alegre de 2013 quando fomos golpeados pela polícia. Incrível...

Pode ser que, assim como os mercados, as câmeras se auto-regulem. Tudo é uma questão global. Tudo depende do ânimo. Dos investidores.

Me toca o estrago de 10 ou de 1% no Mercado Público. Já sentimos o aumento no valor do condomínio em função do PPCI, o Plano de Prevenção do patrimônio público da cidade estava vencido há seis anos...

Eu adoro arte, em Geni e o Zeppelin, música da "Ópera do Malandro", versão brasileira de Chico Buarque para uma obra de Brecht, se conta a história de uma cidade que merece ser explodida por concordar com o horror e a iniquidade, em "Dogville" de Lars Von Trier, a personagem principal decide incendiar a cidade para arrasar junto com o horror, a hipocrisia.

Os funcionários da bolsa de valores surtam em pouco tempo, se aposentam em pouco tempo. Os funcionários do Mercado Público trabalham lá há décadas...vejo seus filhos serem levados para trabalhar lá também, vejo que o trabalho duro inquestionado pelos pais é mal tragado pelas gerações atuais...afinal, no mundo das aplicações e dos aplicativos, dos milionários de vinte anos de idade, pode não ser o sonho emitir papéis com continhas feitas de cabeça um dia inteiro todo dia. No mundo do pregão eletrônico, o esforço físico carregando caixas pesadas pode não ser uma atividade tão bem cotada. Mas sempre há algum ou outro Hegeliano que acredite que o escravo é que é realmente livre...

Quando o índice de pessoas é muito alto eu dispenso uma "solidariedade comerciária" e ludibrio a clientela pregando alguns valores nutricionais dos alimentos que estão a comprar. Um dos funcionários, tem em mim uma espécie de corretora, vira para o pai:

- Não é a primeira vez que ela me salva quando o cliente pergunta.

Agora, e não sei por quanto tempo, o mercado onde: vendo! e: compro! está: fechado!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

"Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano"




Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano.
Quero lançar um grito desumano
que é uma maneira de ser escutado.
Chico Buarque, Cálice





O discurso da manhã é um, a prática da noite é outra.

Na manhã de segunda-feira,Tarso Genro, o hipócrita, concedeu entrevista coletiva atribuindo os atos violentos durante as gigantescas manifestações a agentes da extrema direita e disse que, se preciso fosse, defenderia a sede do PSOL como defende as empresas de comunicação...

Na noite de segunda-feira os militantes do PSOL presentes no protesto, desde a vereadora até o mais recente militante de base, estávamos intoxicados em plena esquina democrática - por mais irônico que esse apelido caia ao trecho da Rua dos Andradas nessas ocasiões.

Enquanto escrevo, nós, que chegamos aos poucos em casa, vemos pela janela entreaberta, um desfile medonho. Depois da passagem de talvez uma centena de pessoas que não identifico como militantes e com uma aparente agressividade reprimida disposta a acertar as contas com um Estado negligente de qualquer maneira, um bloco do BOE avança, atrás dele uma dezena de camburões, na retaguarda a cavalaria. Nós tomamos as ruas, e a polícia tomou a nossa rua. Na televisão, os "comunicadores" lastimam a destruição das agências bancárias...

Eu caminhava indignada, uma jovem chorava durante o protesto, havia sido assaltada. Não são poucos os policiais à paisana que sorrateiam as manifestações, pelo visto não é para impedir a violência, a menos que a violência seja dispensada à sacrossanta propriedade privada. Ela ainda lacrimejava quando vieram as bombas de gás lacrimogêneo, a Brigada Militar começava o vandalismo.
A polícia é a minoria que faz barulho, a minoria agressiva, a minoria que macula as manifestações.

O Tarso diz que os partidos estão falidos. Eu digo que o partido do Tarso está falido. A mídia diz que "partidos" tentam cooptar o movimento. Os partidos da esquerda radical - que não estarão falidos enquanto não se declarar fim a este sistema há muito falido - não lançam seus enormes e nocivos tentáculos sobre o movimento, eles são o gérmen do movimento, apenas zelam para que a rebeldia que baixou a passagem de ônibus em Porto Alegre e em todo o Brasil não se transforme na "manifestação bonita" da rede Globo, cuja imbecilização repercute em tantas bocas ingênuas cooptadas das ruas para seus telejornais: manifestação bonita... manifestação bonita...

Efeito moral é um nome bonito... para o quase choque anafilático que as bombas provocam. O atordoamento provocado pela insuficiência respiratória e ardência parcialmente cegante não provoca só dispersão, é um convite à confusão geral, não fosse a consciência de cada um em tentar não colocar os outros em risco, um pisoteamento não estranharia e seria consequência direta do "efeito moral" da polícia.

Eu subestimava o poder, do vinagre. Em meio à desordem provocada pelo avanço da PM, um ataque de solidariedade, inúmeros manifestantes menos afetados ofereciam o produto aos que estavam sob efeito do gás. Um deles molhou minha luva para que inalasse o líquido, caiu literalmente, como uma luva.


Em seguida, a violência tomou conta da região central da cidade. Seria tão estranho e tão facilmente repreensível alguém a saquear uma televisão de uma loja durante um protesto se a polícia não atacasse toda a manifestação provocando o caos... Os revolucionários não querem uma tv LCD, os revolucionários querem a RBS tv. Quem precisa de ladrão atuando em meio aos atos é a polícia, caso contrário, não haveria visão turva dos telespectadores, nem cegueira momentânea da militância petista que não enxergasse: ela está aí para reprimir os filhos dos trabalhadores, jovens trabalhadores, os filhos dos servidores, futuros servidores, a serviço do governador que de dia promete política mas de noite manda a polícia.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O povo não esquece, abaixo a RBS


Meus olhos ardem na frente da tela. e olha que eu sou a primeira a sair correndo, o efeito moral - a desmoralização - em mim é muito eficiente, as agressões físicas quando criança contribuíram sobre maneira com minha obediência civil, minhas detenções são todas muito legítimas, dificilmente me verão num surto de heroísmo enfrentando o choque, se meus olhos ardem, imagina os daqueles com vocação para mártir...

Só faltava um ingrediente para a encomenda de docinhos que me foi feita para entregar terça. Sendo o local do protesto ao lado do Mercado Público de Porto Alegre foi para lá que me dirigi antes de chegar ao ato, afinal: primeiro o dever, depois o prazer. Me deparei com algo insólito, antes das 18:30, mercado fechado e três brigadianos atrás das grades - do portão. Desisto de tentar conciliar trabalho e agitação...agora só vou protestar.

Os arredores da Prefeitura tomados, bandeiras tremulando e nas palavras de ordem: cobras e lagartos. Vez que outra se ouvia: Sem partido! Sem partido! Decididamente não haveria luta contra o aumento da passagem na cidade não fosse a militância dos partidos de esquerda nos anos e meses precedentes e sua contribuição intelectual para demonstrar como, mesmo maquiadas as planilhas, as contas dos transportadores não fecham. Partidos que já foram de esquerda, como o PC do B ali presente, só podiam emudecer durante as inúmeras vezes em que a Copa e a Dilma eram o alvo do repúdio, afinal...

Os grandes meios de comunicação que tentaram isolar e criminalizar as primeiras manifestações com considerável repercussão, mudaram a tática de maneira oportunista quando a adesão popular foi massiva ignorando o reacionarismo da mídia. Os editores chefes mudaram a linha. Agora manifestar-se é "belo", um "mar de gente" ocupa as ruas e, desemboca no "pacífico" .Estas bombas de efeito moral atiradas no ar incessantemente são uma tentativa desesperada de introjetar no brasileiro sua duvidosa vocação para a paciência, a pacificidade. Mas o discurso da pacificidade acaba quando se chega às portas da RBS. É aí que mais perigosas que as ondas se tornam as margens que as contêm...Quando chega a hora da Zero Hora a tolerância é zero.

Quando o mar de gente se aproximou do Dilúvio o Choque entrou em ação. Os tubarões da comunicação dispõe de uma tropa de poraquês e seus cavalos nada marinhos. Se o motivo que deflagrou o ataque desferido pela polícia foi, por acaso, a investida isolada à loja de motocicletas lhes veio a calhar, porque desde que adentramos a avenida Ipiranga, o mar já não estava para peixe.O capital é algo fantástico, empossa regimes, derruba regimes e sua ditadura se perpetua. Tenho a impressão que, se os mesmos anarcoboys que insistem em atitudes além coletivo e indiscriminam seus alvos
atirassem uma dúzia de Harley-Davidson ao Dilúvio, desde que fosse no trecho do arroio remoto à RBS, a tropa teria dado um arrego.

Depois de muita tensão gerada pela repressão policial, grande parte da marcha adentrou a Cidade Baixa, foi quando encontrei o que já foram as "amiguinhas" de uma das "filhinhas" da qual fui, sou, sei lá, babá. Meu instinto matriarcal tão desprendidamente reprimido ou a síndrome da cuidadora aflorou, agora tinha uma razão de ser muito nobre no ato, não era dirigir as massas ou enfrentar o Choque, era uma tarefa mais árdua: a mãe da Vitória ao telefone...Fato é que depois desse choque geracional uma coisa está decidida, este ano não vou fazer trinta, vou fazer quinze, de militância. Nesta sociedade de qualquer maneira estarei enquadrada, manifestar-se é crime, mas envelhecer também.

Depois que dispersamos tudo prosseguiu, repressões isoladas, ações impensadas, mas para o bem, nada mais continua como estava...a passagem também já não é a mais cara.
Corri para chegar em tempo de comprar leite condensado, mas o supermercado do esquilo havia fechado as portas apressado.




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