O Brasil e o Uruguay discrepam muito em dimensões, discrepam muito em índices educacionais, discrepam muito. E por mais que se discrepe sobre as fronteiras entre sul do Brasil, Uruguay e Argentina brasileiros de todo o Brasil e uruguayos de todo o país concordam em discrepar dos argentinos de Buenos Aires...
Se há uma coisa que aprendi do trotskismo é que não há ismo num só país e, por mais que o pão com manteiga seja uma prova irrefutável de que estou em Montevideo, o jornal parece ter sido trazido por um cachorro brasileiro.
Uma mídia arbitrária que, para além de seu discurso totalizante, reserva o mesmo tempo de pronunciamento para representantes do poder público e da "oposição" como se estes também governassem a nação, um governo ex esquerda que dedica dois minutos de ódio diários aos dissidentes, uma classe média medíocre que se indigna com a corrupção, com os ataques à liberdade de expressão, com os uruguayos que votam no país sem nele residir e com o kirchnerismo, no país vizinho...
O que as classes médias do continente, luso ou hispanofalantes, não conseguem formular é que as empresas indianas ou de qualquer parte do oriente instaladas na República Oriental decidem e legislam mais que qualquer cidadão com seu voto epistolar, que meia dúzia de canais de televisão, todos com a mesma visão, vociferam para preservar seu monopólio da expressão enquanto 56 rádios e um canal de televisão criados por povos originários são autorizados na Argentina, que toda corrupção pode significar um bebê em óbito à espera de uma ambulância, uma criança sem merenda na escola, um velho sem remédio, uma casa de cultura sem acervo, mas a corrosão no erário provocada pelo sistema financeiro que escoa o dinheiro gerado pela população local para instituições privadas trans(nacionais) é maior, que é fácil odiar adolescentes delinquentes mas muito difícil farejar violência nos jovens filhos das classes proprietárias que não estão roubando, mas estudando para perpetrar o sistema da desigualdade social.
Há uma dimensão que nossos setores esclarecidos mais nocivos parecem não querer acessar, que é uma análise radical da violência, onde ela é mais capaz, onde não se deixa decifrar. É justamente essa violência fundamental que o sujeito exclui de seu entendimento que volta, como uma psicose, diretamente do real, com uma magnitude brutal, com uma mão armada batendo no vidro do carro pronta pra matar e para a qual ele só vê uma saída: a perversão institucional, "o Estado para me proteger deve os castigar", mas a violência continua a aumentar então é preciso ser uma mão armada pronta para matar.
Viro a página, seção internacional, há, em diferentes magnitudes, em nosso continente, insuficiente controle popular sobre a vida cidadã, herança colonial, presente de nosso capitalismo dependente e motivos para restringir liberdades em certo grau do processo, do kirchnerismo ao castrismo passando pelo bolivarianismo e delirando com o trotskismo sempre aparecerão, ainda justificadas todas as contradições, bloqueios e boicotes, há uma dimensão que nossos setores esclarecidos mais revolucionários parecem não conseguir acessar, que é uma aceitação radical da liberdade individual, que sempre permanecerá residualmente, diretamente do real, tratada como uma psicose.
O bom de ler um jornal já sabendo o que está escrito é poder focar na língua vernacular, rememorar certos regionalismos, aprender alguma curiosidade gramatical, tentar abstrair que há um capitalismo, um neoliberalismo, um golpismo, um istmo que une os países de nosso continente por mais que estes estejam profundamente separados pela qualidade do pão no café da manhã.
Então, fiquei curiosa: - Qual é a diferença no pão? :)
ResponderExcluirBeijos!