segunda-feira, 24 de junho de 2013
"Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano"
Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano.
Quero lançar um grito desumano
que é uma maneira de ser escutado.
Chico Buarque, Cálice
O discurso da manhã é um, a prática da noite é outra.
Na manhã de segunda-feira,Tarso Genro, o hipócrita, concedeu entrevista coletiva atribuindo os atos violentos durante as gigantescas manifestações a agentes da extrema direita e disse que, se preciso fosse, defenderia a sede do PSOL como defende as empresas de comunicação...
Na noite de segunda-feira os militantes do PSOL presentes no protesto, desde a vereadora até o mais recente militante de base, estávamos intoxicados em plena esquina democrática - por mais irônico que esse apelido caia ao trecho da Rua dos Andradas nessas ocasiões.
Enquanto escrevo, nós, que chegamos aos poucos em casa, vemos pela janela entreaberta, um desfile medonho. Depois da passagem de talvez uma centena de pessoas que não identifico como militantes e com uma aparente agressividade reprimida disposta a acertar as contas com um Estado negligente de qualquer maneira, um bloco do BOE avança, atrás dele uma dezena de camburões, na retaguarda a cavalaria. Nós tomamos as ruas, e a polícia tomou a nossa rua. Na televisão, os "comunicadores" lastimam a destruição das agências bancárias...
Eu caminhava indignada, uma jovem chorava durante o protesto, havia sido assaltada. Não são poucos os policiais à paisana que sorrateiam as manifestações, pelo visto não é para impedir a violência, a menos que a violência seja dispensada à sacrossanta propriedade privada. Ela ainda lacrimejava quando vieram as bombas de gás lacrimogêneo, a Brigada Militar começava o vandalismo.
A polícia é a minoria que faz barulho, a minoria agressiva, a minoria que macula as manifestações.
O Tarso diz que os partidos estão falidos. Eu digo que o partido do Tarso está falido. A mídia diz que "partidos" tentam cooptar o movimento. Os partidos da esquerda radical - que não estarão falidos enquanto não se declarar fim a este sistema há muito falido - não lançam seus enormes e nocivos tentáculos sobre o movimento, eles são o gérmen do movimento, apenas zelam para que a rebeldia que baixou a passagem de ônibus em Porto Alegre e em todo o Brasil não se transforme na "manifestação bonita" da rede Globo, cuja imbecilização repercute em tantas bocas ingênuas cooptadas das ruas para seus telejornais: manifestação bonita... manifestação bonita...
Efeito moral é um nome bonito... para o quase choque anafilático que as bombas provocam. O atordoamento provocado pela insuficiência respiratória e ardência parcialmente cegante não provoca só dispersão, é um convite à confusão geral, não fosse a consciência de cada um em tentar não colocar os outros em risco, um pisoteamento não estranharia e seria consequência direta do "efeito moral" da polícia.
Eu subestimava o poder, do vinagre. Em meio à desordem provocada pelo avanço da PM, um ataque de solidariedade, inúmeros manifestantes menos afetados ofereciam o produto aos que estavam sob efeito do gás. Um deles molhou minha luva para que inalasse o líquido, caiu literalmente, como uma luva.
Em seguida, a violência tomou conta da região central da cidade. Seria tão estranho e tão facilmente repreensível alguém a saquear uma televisão de uma loja durante um protesto se a polícia não atacasse toda a manifestação provocando o caos... Os revolucionários não querem uma tv LCD, os revolucionários querem a RBS tv. Quem precisa de ladrão atuando em meio aos atos é a polícia, caso contrário, não haveria visão turva dos telespectadores, nem cegueira momentânea da militância petista que não enxergasse: ela está aí para reprimir os filhos dos trabalhadores, jovens trabalhadores, os filhos dos servidores, futuros servidores, a serviço do governador que de dia promete política mas de noite manda a polícia.
terça-feira, 18 de junho de 2013
O povo não esquece, abaixo a RBS
Meus olhos ardem na frente da tela. e olha que eu sou a primeira a sair correndo, o efeito moral - a desmoralização - em mim é muito eficiente, as agressões físicas quando criança contribuíram sobre maneira com minha obediência civil, minhas detenções são todas muito legítimas, dificilmente me verão num surto de heroísmo enfrentando o choque, se meus olhos ardem, imagina os daqueles com vocação para mártir...
Só faltava um ingrediente para a encomenda de docinhos que me foi feita para entregar terça. Sendo o local do protesto ao lado do Mercado Público de Porto Alegre foi para lá que me dirigi antes de chegar ao ato, afinal: primeiro o dever, depois o prazer. Me deparei com algo insólito, antes das 18:30, mercado fechado e três brigadianos atrás das grades - do portão. Desisto de tentar conciliar trabalho e agitação...agora só vou protestar.
Os arredores da Prefeitura tomados, bandeiras tremulando e nas palavras de ordem: cobras e lagartos. Vez que outra se ouvia: Sem partido! Sem partido! Decididamente não haveria luta contra o aumento da passagem na cidade não fosse a militância dos partidos de esquerda nos anos e meses precedentes e sua contribuição intelectual para demonstrar como, mesmo maquiadas as planilhas, as contas dos transportadores não fecham. Partidos que já foram de esquerda, como o PC do B ali presente, só podiam emudecer durante as inúmeras vezes em que a Copa e a Dilma eram o alvo do repúdio, afinal...
Os grandes meios de comunicação que tentaram isolar e criminalizar as primeiras manifestações com considerável repercussão, mudaram a tática de maneira oportunista quando a adesão popular foi massiva ignorando o reacionarismo da mídia. Os editores chefes mudaram a linha. Agora manifestar-se é "belo", um "mar de gente" ocupa as ruas e, desemboca no "pacífico" .Estas bombas de efeito moral atiradas no ar incessantemente são uma tentativa desesperada de introjetar no brasileiro sua duvidosa vocação para a paciência, a pacificidade. Mas o discurso da pacificidade acaba quando se chega às portas da RBS. É aí que mais perigosas que as ondas se tornam as margens que as contêm...Quando chega a hora da Zero Hora a tolerância é zero.
Quando o mar de gente se aproximou do Dilúvio o Choque entrou em ação. Os tubarões da comunicação dispõe de uma tropa de poraquês e seus cavalos nada marinhos. Se o motivo que deflagrou o ataque desferido pela polícia foi, por acaso, a investida isolada à loja de motocicletas lhes veio a calhar, porque desde que adentramos a avenida Ipiranga, o mar já não estava para peixe.O capital é algo fantástico, empossa regimes, derruba regimes e sua ditadura se perpetua. Tenho a impressão que, se os mesmos anarcoboys que insistem em atitudes além coletivo e indiscriminam seus alvos
atirassem uma dúzia de Harley-Davidson ao Dilúvio, desde que fosse no trecho do arroio remoto à RBS, a tropa teria dado um arrego.
Depois de muita tensão gerada pela repressão policial, grande parte da marcha adentrou a Cidade Baixa, foi quando encontrei o que já foram as "amiguinhas" de uma das "filhinhas" da qual fui, sou, sei lá, babá. Meu instinto matriarcal tão desprendidamente reprimido ou a síndrome da cuidadora aflorou, agora tinha uma razão de ser muito nobre no ato, não era dirigir as massas ou enfrentar o Choque, era uma tarefa mais árdua: a mãe da Vitória ao telefone...Fato é que depois desse choque geracional uma coisa está decidida, este ano não vou fazer trinta, vou fazer quinze, de militância. Nesta sociedade de qualquer maneira estarei enquadrada, manifestar-se é crime, mas envelhecer também.
Depois que dispersamos tudo prosseguiu, repressões isoladas, ações impensadas, mas para o bem, nada mais continua como estava...a passagem também já não é a mais cara.
Corri para chegar em tempo de comprar leite condensado, mas o supermercado do esquilo havia fechado as portas apressado.
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sexta-feira, 14 de junho de 2013
"Isso não representa o movimento"
A frase acima foi improvisada em cartaz fixado no que restou de uma fachada de vidro de uma das agências bancárias atingidas ontem durante o protesto contra o aumento das passagens em Porto Alegre.
Deixei meu trabalho como garçonete às 20h numa corrida contra o tempo para protestar contra o aumento. Meu grande elogio à comunicação, a escassez de meios de comunicação, me fez seguir sem saber de imediato para onde ia, o ato havia começado um par de horas antes. Parei junto a uma viatura da EPTC e perguntei ao agente de trânsito a localização da manifestação "contra o aumento da passagem" naquele momento: - Não moça, não é contra o aumento, é em apoio a São Paulo...
Eu adorei a pretensa correção pois já houve tempos em que agentes e policiais monitoravam e reprimiam protestos sem saber direito o porquê e lhe agreguei: - Contra o aumento aqui, que pode ser decidido no judiciário e contra o aumento em São Paulo. Me foi informada com detalhes a localização da marcha e voei para a avenida Borges de Medeiros.
A meu lado iam outros cinco atrasados para o ato, todos brigadianos.
Rua tomada, trânsito trancado, eis um dos problemas desta cidade. O direito de ir e vir é algo tão abstrato e tão concreto, tão simples e tão complexo que para conseguir refletir sobre ele tenho que recorrer a discriminações do tipo: como se vai e como se vem, com quem se vai e com se volta e até onde se vai... Quando uma manifestação tranca uma via é com o deliberado propósito de chamar a atenção pública para alguma causa e o decorrente congestionamento do trânsito é uma maneira de fazer o problema chegar à sociedade.O que pouco se reflete é que no caso em questão impedir o direito de ir e vir de veículos por três ou quatro horas chama a atenção para o direito de ir e vir das pessoas o ano inteiro pois ter ou não ter o valor correspondente à tarifa é o que vai determinar esse direito numa cidade com longas distâncias como esta. Não faz uma década que caminhei de Viamão (conhecida como uma das "cidades dormitório" pelo fato das pessoas trabalharem na capital e voltarem a ela apenas à noite) até o centro de Porto Alegre para buscar trabalho já cansada de incomodar os cobradores da Carris que, sempre solidários, permitiam minha viagem clandestina. Se o preço da passagem não é uma obstrução do direito de ir e vir da massa trabalhadora eu não sei o que é.
Algo menos aparente mas nem por isso menor sobre o direito de ir e vir é o modus operandi desta ação... Milhares e milhares de automóveis particulares com capacidade para cinco pessoas, boa parte das vezes portando apenas uma, obstruem diariamente as ruas das capitais brasileiras, a pessoa está lá no ônibus já contrariada de ter que pagar caro para viajar em pé, esmagada, depois de ter aspirado muita fumaça durante um longo período na parada e se depara com a tranqueira. Além de obstrução da via pública, o modelo consumista, automobilístico que sustenta governos e mídia constitui-se numa violência sanitária - psíquica e fisiológica - contra cada indivíduo.
Quando a mídia - que chama de "liberdade de expressão" seu monopólio de expressão - veicula que manifestações populares"prejudicam" "àqueles que nada tem a ver com a situação" prejudica a inteligência dos espectadores que devem saber: neutro só o sabonete, a neutralidade para o ser social não existe. Aqueles que, por ingenuidade ou por perversão, se abrigam sob a máscara da neutralidade mais cedo ou mais tarde responderão por este ato. Discriminando, o lado ingênuo: a maioria da população, o lado perverso: a imprensa da minoria.
A certa altura da manifestação encontrei um dos rostos mais bonitos que já vi, tapado. Se minha amiga de mais de uma década não tivesse me abordado, não a teria reconhecido ao passar. Lhe perguntei sobre o lenço cobrindo a face e me argumentou ser uma defesa contra a espionagem da polícia que tem como prática invasiva registrar de todas as formas todos os indivíduos dos protestos que realizamos desde sempre. Marchamos debatendo a eficácia ou não desta "defesa' contra a intrusão policialesca, eu sempre me senti mais protegida mostrando a cara, porque fazendo isso não sou mais uma "mascarada" a qual facilmente a mídia demoniza, sou a colega de trabalho, a vizinha que dá bom dia, que no posto de saúde está parada na fila. Foi em aumentos anteriores da tarifa, que quando viu minha cara na tv sendo detida pela polícia a Rita, mãe da Carol, se levantou lá na Lomba do Pinheiro: - A Ana ninguém deixa presa! Foi ontem, quando voltava da manifestação que um garçom do bar da esquina - o qual nem frequento - me para: - Se a polícia te prendesse a gente ia lá te defender. E isso com essa cara, imagina com a cara da minha amiga...
Quando cheguei na rua da Cidade Baixa na qual moro como doméstica, me deparei com alguns vizinhos comentando sobre o rumo derradeiro da manifestação da qual grande parte dos participantes havia se despedido. Danificação de um veículo particular e muitas pichações de casas do bairro. Eu realmente acho que mais cedo ou mais tarde as pessoas terão de parar de fingir que os problemas da cidade não as envolvem direta ou indiretamente, mas esta hora, violenta ou não, não deve ser por decisão de um ou outro indivíduo que falta com respeito ao patrimônio público desta cidade tanto quanto a prefeitura, patrimônio que não é a vidraça do Paço, nem a agência do Bradesco, nem a loja da Oi, o verdadeiro patrimônio público de Porto Alegre são as pessoas. Não confundir com as pessoas da Ana Amélia, "as pessoas" para o PP só tem um sinônimo primeiro e último e é "os latifundiários".
Indignada com toda agressão mal paga por parte da polícia e toda agressão gratuita por parte de quem atua em desacordo com o coletivo, eu insisto, "isso não representa o movimento" tanto quanto o prefeito desta cidade não representa seu povo.
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