Cuidado Campo Minado
segunda-feira, 31 de dezembro de 2018
O discurso antes da posse. O meu.
Parte 1/3
Domingo, 28 de outubro de 2018.
Neste momento, Jair Bolsonéscio é anunciado presidente eleito pela imprensa que, passadas duas horas o encerramento do pleito, só então (devido a diferenças de fuso no vasto país) tem permissão para divulgar pesquisa de “boca de urna” mesmo sem a apuração absoluta. Em casa, no bairro rico do Rio de Janeiro, através de uma live, o declarado eleito, o Jair, se declara o escolhido, o Messias. Exibe o que reconheci como segundo volume das memórias de Churchill*, embora não haja sido especificado na imprensa, que, duvido, o eleito haja lido. Nele Winston profere: "se Hitler invadisse o inferno, pelo menos uma menção favorável ao diabo na Câmara dos Comuns eu faria". Era anticomunista, se referia a Stalin ao citar o diabo, ainda assim o relativizava em relação a Hitler. Stalin só merecia o segundo lugar porque sua falácia do "socialismo num só país" o mantinha "ocupado" interna e burocraticamente, e a Churchill uma ditadura do proletariado o preocuparia, mas não uma ditadura sobre o proletariado. Era o imperialismo alheio que afligia o dirigente inglês, quanto mais ele viesse com a bota da barbárie sobre os negócios e o povo europeu já que os ingleses estavam tentando deixar a barbárie para trás mesmo considerando-se donos da Ìndia, da Austrália, do Egito....
Já em a frente à casa, à frente de sua "equipe" de cabos (eleitorais), no pronunciamento à multidão que cerca o local, se confirma o aspecto patológico de sua patota bíblico-policialesca de homens cujos olhares projetam um reempoderamento (no pior sentido, no de retorno, de retrocesso) de tudo que há de mais insano na sociedade. Importante ressaltar: a insuportabilidade de aceitação de sexualidades multiformes, o ódio a personalidades que representem causas populares e humanitárias, assim como a defesa ecológica. Algumas aversões economicamente fundamentadas - defesa de áreas preservadas e das populações indígenas= entrave à exploração ruralista desenfreada, programas de amparo social= menos dinheiro do PIB economizado para fundo de garantia dos credores internacionais (teto de gastos) e outras mais subjetivas que respondem tardia e pateticamente a avanços que já alteraram por completo as estruturas sociais.
Mas no que me refiro a seus cabos, não se trata de aspectos físicos a priori (como o determinismo eugenista). È anímico. Seu staff e muitos de seus eleitores mais entusiastas são aberrações físicas porque são a imagem perfeita de seu conteúdo. Consumidos por um rancor visceral do que não conseguem encarar a não ser como uma aberração (travestis, transsexuais, transgêneros, lésbicas, gays, negros empoderados, índios diplomados), se transformam na verdadeira aberração social: o branco hipertrofiado com sangue nos olhos ou o atrofiado - em todos os sentidos – que, atrás das redes virtuais triplica de tamanho. Estes foram a caricatura do seu eleitorado, mas dentre os 57 milhões de eleitores do néscio, do muito, um tudo. Duas das pessoas mais doces e polidas no trato que convivi, uma delas esmerada em antecipar pagamentos, abonar, fazer equilíbrios financeiros em prol dos funcionários sob sua supervisão, se sentiram representadas pelo que o amigo Demétrio Xavier tão bem conceitualizou, numa conversa despretensiosa, como dublê violento, capaz de combater a crise atacando com a “devida” intolerância os inimigos caluniosamente forjados. Boa parte do Brasil elegeu Bolsonéscio com exceção da região nordeste - alvo do ódio das elites do sul e sudeste - triunfo das gestões petistas pelo investimento nas forças produtivas localizadas na região, assim como em programas assistenciais que retiraram milhões da miséria. Tal foi o teor da política petista o que não corresponde à defesa petista pós impeachment de que houve um "enfrentamento às elites" em benefício dos pobres. Tudo é uma questão de temporalidade. As concessões orçamentárias do Estado a programas sociais preconizados durante as gestões de Lula não arranharam o lucro das elites nem do mercado, ao contrário, o capital foi beneficiado na medida em que houve incremento no consumo e na qualificação de mão de obra para o mercado de trabalho, porém, em sua nova fase pós crise a retração do lucro exige do sistema uma resposta de arrocho salarial e social (teto de gastos). O capitalismo dá voltas.
Muito se mencionou nas intervenções de dirigentes socialistas – os quais frequento pois estão neste país muito alijados da exposição midiática, apesar da atuação quixotesca garantir-lhes certas aparições contundentes - de "ruptura da Constituição de 88", melhor dizendo: do acordo democrático costurado naquele ano. Os termos são muito impactantes, mas está tão descosturado da realidade quanto a democracia descosturada do povo. Podemos falar de democracia em termos de superestrutura, liberdade de filiação política, de organização política, de imprensa, etc, totalmente relativizada na prática, a liberdade de manifestação é permitida se a manifestação conta com meia dúzia de sindicalistas inofensivos prestes a ir tomar seu vinho no restaurante mais próximo ou se o protesto está devidamente adestrado pela mídia, caso contrário, a polícia estará no encalço cometendo abusos morais e materiais invariavelmente, criminalizando a liberdade de manifestação. A quantidade enorme de órgãos (da sociedade civil, não governamentais, assistenciais), refletem não uma diversidade de modos de organização que proliferam democraticamente, mas uma infinidade de carências a serem intermediadas, sanadas, minimizadas por setores da sociedade que, a partir das mais divergentes intenções, se mobilizam numa verdadeira "operação tapa buraco", tamanha fenda democrática, política e social. A democracia política é obstaculizada pela ditadura da desigualdade econômica. Para ficar somente no aspecto mais rotineiro, sem abordar as chacinas de jovens pobres e negros há décadas, ou o alijamento dos movimentos sociais e partidos que representam de fato interesses sociais sobre a quase totalidade das decisões políticas (câmaras e senado comprados), num país no qual um salário mínimo é de 954, o novo desgoverno promete cortar os investimentos em Cultura, mas um deputado federal ganha 13.400 de "auxílio cultura", num universo de "auxílio terno", "auxílio moradia", auxílio alimentação"... Aos amigos europeus, convém deixar claro: isso tudo e mais um pouco, além de um gordo salário de R$: 33.763. O cidadão no seu dia a dia praticamente não pratica a democracia, ele quase não se manifesta, ele espera quando no posto de saúde o mandam para casa e lhe dizem para esperar que o chamem, ele toma um ônibus lotado que passa de meia em meia hora porque a empresa alega redução da frota por risco de assaltos e ele aceita, há uma greve de metroviários e ele caminha duas horas para chegar à casa do patrão. Aqui, o centenário lema leninista trotskista de que os democratas não são capazes de cumprir com a democracia em países do capitalismo periférico se cumpre, neste século tivemos apenas duas, porém, determinantes ondas democráticas: as Jornadas de Junho e o ELE NÂO! As duas de caráter internacionalista, a primeira depois do mundo haver assistido a primavera árabe e a segunda depois de vermos as ruas das capitais estadunidenses tomadas contra Trump.
Parte 2/3
Domingo, 28 de outubro de 2018.
"Aproveitei o "passe livre" para sentir a temperatura que não se sente na televisão ou nas bolhas sociais e, embora soubesse que boa parte das pessoas, quando não a maioria naqueles coletivos, votaria ou havia votado em Bolsonéscio, o clima era de uma apatia tremenda. Tomei pelo menos dois ônibus que retornavam ou conduziam a bairros de residência da base do povo trabalhador e periférico. Em nenhum dos coletivos se deu alguma manifestação contundente além de uma breve conversa com um passageiro que perguntou "onde seria a festa da vitória", devido à minha minissaia de bolinhas e os escancarados adesivos de #ELE NÂO, pra ser sincera não sei se era de fato eleitor de Haddad ou queria sondar. À pergunta respondi que não haveria vitória, que, no máximo, haveria a derrota de Bolsonéscio. Ninguém adesivado em favor “dELE" e quase ninguém pelo treze ou#ELENÂO. Num dos desembarques no centro histórico da cidade, passou por mim um indivíduo com camiseta da candidatura, bandeira do Brasil e corneta (!!!) que não olhei nos olhos e passou quieto, e à minha frente caminhou um histérico casal de meia idade fardado de verde e amarelo, cada um com uma bandeira do Brasil nas costas. Muito mais adiante, na praça abarrotada, em frente à orla do Gasômetro que é o mais recente destino dos portoalegrenses a passeio após a reconfiguração - dita revitalização - um único homem de camiseta de Bolsonéscio estampado. O eleitor dele foi um eleitor tímido, retraído, ressentido, em sua esmagadora maioria, se isso soa estranho é porque os poucos vociferozes fizeram um estardalhaço tal e proferiram disparates tais, de dentro de suas casas para projeção por facebook e whatsapp, a ponto de hipertrofiar a aparência de histeria desse eleitorado via redes sociais, onde qualquer criatura ganha a coragem que não tem na vida real... Na rua, ele só se manifesta acompanhado salvo exceções extremamente pervertidas e levadas às últimas consequênciashttps://www.atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/2000649-mestre-moa-do-kantende-e-morto-a-facadas-apos-discussao-politica-em-salvador/, em grupo então, aí sim é a zona de conforto para praticar a violência verbal ou física que o discurso de Bolsonéscio tanto aclama.
Meu partido havia se intimidado e não organizou acompanhamento coletivo da apuração no segundo turno. Durante a fala do eleito, vaiei até demais pra quem subloca um quarto no apartamento de uma amiga que já não cai nas graças do síndico. Ninguém me acompanhou, o entorno permanecia em completo silêncio, o que se escutava, minutos depois, era o foguetório que vinha de local mais afastado, até que, lá pelas tantas, passou um com uma corneta (!!!) - os apoiadores de Bolsonéscio usaram cornetas e camisas da seleção brasileira de futebol que há muito não se orgulhavam de vestir no devido âmbito . Fui até a janela: "O terceiro turno vai ser na rua!”. Finalmente, uma voz se levanta: " Fascista!” Mais corneta e defenestro: “Não passarão!.” A voz vizinha repercute: "Conspiradores". E nada mais, sem mais corneta sem mais vizinha, sem mais vaia.
Uma das teclas mais marteladas por nosso campo era a ausência de Bolsonéscio nos debates, a escusa médica para escapar dos enfrentamentos foi a desculpa mais furada da história do país, pois a tendência já era manifesta antes mesmo do atentado do qual foi alvo em 6 de setembro e, recentemente fez flexão pros coleguinhas milicos com bolsa de colostomia a tiracolo. Bolsonéscio era um deputado desarticulado, com escassez de conceitos até mesmo mais simples, incapaz de formular uma narrativa de maneira integral cuja base eleitoral no Rio era obviamente militar e pensionista de militar. Seria derrotado num debate até por uma criança de dez anos que, facilmente, o enquadraria no ECA. O que a esquerda insistiu em ignorar é que o povo também estava fugindo do debate. A crise mundial e o rearranjo mundial de forças sociais e políticas soterra o que eram os prognósticos dos cientistas políticos e interrompe o próprio percurso das eleições gerais: a "estadunização" da política representativa, a polarização entre dois partidos hegemônicos PT E PSDB. O PT preferiu apostar num desenvolvimentismo "possível", num país apenas democrático e foi pego de jeito por uma crise mundial. Agora, toda a amedrontada esquerda brasileira paga o preço pelo PT ser o comunista (que nunca foi), pelo PT ter apurado os crimes da ditadura (que timidamente deixou apurar), pelo PT ter democratizado o ensino superior (que democratizou o dinheiro público com a iniciativa privada), pelo PT ter tirado 40 milhões de brasileiros da miséria (que a crise dita “marolinha” está devolvendo à miséria).
O brilhante debatedor que é Guilherme Boulos, mesmo com intervenções retoricamente perfeitas e que dialogavam com as demandas da maioria do povo, não passou do um por cento e, tudo que as pessoas não queriam ver era a "esquerda" governista engambelar, prometendo mundos e brasis de outrora que a crise levou e falsas promessas como um botijão de gás a 50 reais, medida que não se sustentaria por dois meses, tamanha sua artificialidade numa gestão cuja política econômica não romperia em nada com o programa neoliberal para o país, no máximo postergaria a agenda das contrarreformas durante a incerta gestão (o que, é obvio, já seria um freio enorme no ataque do capital mais cru e nu contra a massa trabalhadora brasileira).
O grande golpe, o que as pessoas se autoimpetraram mesmo tendo acesso à verdade (ver para não crer), é o de que o então candidato dublê, que acabaria “com isso daí" - a corrupção e a bandidagem - não vinha direto do chão do quartel, o que poderia, mas não necessariamente, justificar sua inabilidade com o mundo das ideias, mas estava lá há 28 anos, numa Câmara de Deputados podre, na qual nunca se destacou em nada nacionalmente, diferentemente dos parlamentares do Psol por mais cariocas e paulistas que fossem, muito menos no ataque à corrupção. A criança imaculada passou por, nada mais, nada menos, que 8 partidos durante seus sete mandatos, um dos quais o PP, partido que ocupa semanalmente as pautas da imprensa quando o assunto é corrupção, permanecendo nele por mais de dez anos e se filiou ao 17 só em março do presente ano eleitoral. A mídia que também não sabe o que é democracia, tratou como "polêmicas" os crimes que comete discursando, fazendo apologia à tortura, ao estupro e ao homicídio, crimes não tomados como tais que sim o tornaram conhecido em âmbito nacional no recentíssimo período.
Na terça-feira seguinte à eleição ocorreu o primeiro protesto pela Democracia em Porto Alegre, o qual não cheguei em tempo de acompanhar porque fiquei presa no trabalho, na cozinha. Meu trabalho mais árduo na casa da Margarete (que recém havia me conhecido e, claro, 20 minutos depois já sabia que eu era do PSOL), era esquivar-me quando vinha com o celular mostrando video pró Bolsonéscio. Margarete sempre me liberava cedo, mas aquele dia pareceria que, além das mil fake news do 17, recebeu também a agenda da esquerda com a hora bem verdadeira do ato, porque queria purê de moranga, arrozinho integral (cateto pra demorar bastante) e cadáver de boi vulgo "guizadinho". Às 20:30, quando cheguei à Esquina Democrática já nem sinal de democracia, a mobilização deve ter contado com número reduzido de pessoas. Dei meia volta e fui pra roda de samba que estava cheia.
Parte 3/3
A propaganda eleitoral brasileira neste ano parecia estar sendo transmitida nos anos 60. Tudo, tudo mesmo (!) que não estivesse apoiando as candidaturas milico restauradoras fazia parte da horda de “comunistas, esquerdistas, socialistas”. São Paulo deu show. No Rio Grande do Sul se criou um monstro chamado Sartonaro (abominável híbrido de Sartori com Bolsonaro), nos dois casos o segundo turno da disputa a governador ficou entre a direita com ralíssimas nuances.
Durante o discurso do eleito, nenhuma vaia além da minha se pôde escutar até onde meus ouvidos alcançaram, só tinha meu próprio retorno.
Quinta, 22 de novembro.
Falta ainda um bom espaço de tempo para posse, 1ºde janeiro, mas o Messias começa a ser desvelado. Ao contabilizar 4 ministros (indicados) que respondem a processos por corrupção, profere, em encontro com parlamentares de seu mais recentíssimo partido (PSL, 17):
- "Muito mais grave que a corrupção é a questão ideológica".(site G1. 21/11 por Filipe Matoso). E segue:
- "Se nós errarmos, aquele pessoal volta e nunca mais sai". E quem vai ter que sair seremos nós, nadarmos até a Àfrica ou os Estados Unidos".
Ideologia...eu quero uma pra morrer. A ideologia é tão poderosa e diuturnamente tramada, que até a declaração supracitada será justificada em suas teias. No documentário "O guia pervertido da ideologia", Slavoy Zizek argumenta que a ideologia, ao contrário do que aparenta, "é nossa relação espontânea com o mundo" e para ter alguma chance de ser crítico a ela é necessário não despir-se de mecanismos que obstruam a realidade, mas vestir-se, recorrer a um sistema filosófico, uma lente que atue sobre a realidade de maneira a atribuir-lhe sentido crítico. Não seria justamente isso que está faltando? https://www.youtube.com/watch?v=jEPEHAgVUdQ&t=7s
No mesmo audiovisual, Zizek aborda obsessões temáticas da ideologia: "o outro goza de privilégios e prazeres" pervertido até: "o outro pode ser alguém que tenta roubar de nós a nossa satisfação". Uma ultradireita diretamente militarista e corrupta (desde a última declaração e indicação dos ministros abertamente corrupta) eleita com a bandeira anticorrupção (!) que durante a campanha incrementou o valor ideológico anti esquerda retrocedendo históricamente a 64 (data inaugural das ditaduras civis militares no cone sul), contra uma centroesquerda governista que, nas últimas 3 gestões governou - foi governada - para a burguesia, capitulou para os setores mais reacionários do ruralismo e da religião, manteve inquestionadas as concessões dos meios de comunicação, aderiu e organizou novos esquemas de corrupção endêmicos ao establishment, aparelhou para o acomodo o sindicalismo. O grande desafio para a práxis crítica, no atual cenário brasileiro, é como lidar com uma realidade ideológica não como se ela fosse uma inverdade, mas com uma atuação filosófoca e política cuja verdade vá às últimas consequências contra a ideologia.
Configurando um mercado consumidor gigantesco, um produto aqui desenvolvido acabou por elevar-se ao status de unificador nacional, os meios de comunicação, o rádio e a telecomunicação que "educaram" o cidadão brasileiro nos últimos 50 anos - o processo de Impeachment de Dilma Rousseff foi um complot facilitado pela campanha televisiva ostensiva de achincalhamento de tudo que remetesse ao PT e à figura de Dilma até o momento espetacular realmente digno de um programa dominical de qualquer emissora brasileira. É sempre importante lembrar que Lula governou diretamente com a algoz da terceira gestão do PT à qual perdoou dívida, renovou concessão, se negou a discutir a concentração dos meios. Um poder ideológico nunca antes visto foi, durante décadas, protagonizado pela televisão brasileira e, agora, no momento em que parte da novíssima geração reemplaza esse "produto nacional" por entretenimentos fabricados pela internet em escala globalizada, uma parcela considerável da população se identifica e é conduzida ao retrocesso pela Igreja Evangélica e o estratégico alargamento de seus meios de comunicação. Se nossa ideologia continuar consistindo em fazer balanços positivos e entusiastas em torno de um multiculturalismo com o qual não conseguirá ir às últimas consequências, por um lado, e um derrotismo que apenas faz ressuscitar os lemas contra o fascismo español por outro, continuaremos a ser surpreendid@s não pela dinâmica da realidade, mas pelo próprio imaginário defasado.
11 de dezembro, 2018.
Hoje é novamente terça-feira. Passaram-se duas semanas entre meu trabalho de transcrições sobre terceirização do trabalho a encargo de um cientista social, algumas panelas engorduradas no bistrô e muitos filmes na Netflix.
A esta altura da dinâmica política, o mundo do trabalho continua meio paralisado, mas a superestrutura galopa. Há um par de horas o “projeto” “Escola sem Partido” foi enterrado (ao menos por este ano) na Câmara Federal e (pasmem!) o presidente eleito não empossado é alvo do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) por lavagem de dinheiro. Assim como na Argentina, um motorista foi a pista. Lá ele* foi bem mais colaborativo e entregou planilhas completíssimas dos dólares transportados - trajetos, destinos, nomes, descrições de personagens, peso das malas, quantidade de notas - durante os governos dos Kirchner, passados dois anos do secretário de Obras Públicas* à época, desovar nove milhões de dólares num convento e ser preso em flagrante. Por aqui, apesar da discrição do funcionário*, a conta bancária dele não era tão discreta assim. Valores que ultrapassam o milhão movimentados na conta deste, em apenas um ano, abriram a tampa da primeira panelinha do Bolsonéscio: seu clã familiar/parlamentar.
O mal aventurado futuro governo chega ao auge de sua indicação de ministros (22) nomeando para o Meio Ambiente, pasta que seria suprimida, porém, mantida devido à péssima repercussão nacional e internacional, um fulano que preside o movimento Endireita Brasil e fraudou mapa de preservação ambiental na várzea do Rio Tietê para favorecer empresários. (http://www.ihu.unisinos.br/…/585353-um-investigado-por-frau…)
Mas nem mesmo se tem muito tempo para articular uma campanha crítica contra o futuro Sinistro do Meio Ambiente, as atenções daqueles que lutamos contra a quadrilha política militarista estão no desenrolar dos fatos levantados pelo Coaf e Ministério Público Federal, enquanto a rede Globo está preocupada em destacar os abusos sexuais cometidos por João Teixeira de Faria, o pretenso médium espírita e tratar de maneira muito secundária a gravíssima acusação contra os Bolsonéscio..
Apesar de ser a quarta chamada da pauta ficando atrás de “João de Deus” e alguma eventualidade grave (roubo de cargas por agentes policiais, chacina em igreja), o jornalismo da rede Globo fez uma obsessiva devassa no caso dos “depósitos suspeitos” focando mais no deputado Flávio Bolsonéscio, desvinculando-o do Messias, se contou meticulosamente o número de horas que um assessor investigado por haver efetuado depósitos na conta do motorista e receber salário e benefícios como tal, ficou fora do país e, mesmo a defesa do deputado alegando tratar-se de férias acumuladas tiradas da cartola no maior malabarismo que puderam, os jornalistas alertaram para o fato de que a estada no que seria a atual residência do assessor em Portugal, dobrou o tempo do benefício de férias. O Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) que não assisto, tem um dono que apoia diretamente Bolsonéscio e o recebeu em seu aniversário.
Hoje,14 de dezembro, o fuzilmento de Marielle Franco e Anderson Gomes cumpre 9 meses e, na véspera, a mídia divulga conteúdo de relatório da Polícia Civil que apurou plano para execução de Marcelo Freixo, eleito deputado federal pelo Psol e atual presidente da Comissão de DDHH na Assembleia do Rio. Já calejado de receber ameaças, Freixo conta com proteção desde 2008 pela instauração da CPI das Milícias na referida Casa, mas não deixa de dar arrepio a materialidade do plano, com data, hora e local programados para um par de dias depois.
Nisso sumiu o futuro Sinistro do Meio Ambiente, nisso perpassa a notícia de que o “futuro governo (futuro? Já não sei mais o que pode acontecer até janeiro, fevereiro, tudo está muito longe) sairá do Pacto Global de Migrações” há quatro dias do Dia Internacional do Migrante. Eu vou me arrastando nas descrições de Churchill mais porque ele escreve muito bem que por outra coisa, com receio do anacronismo, que nada, abro a Folha de São Paulo e lá está a Ucrânia em batalha naval com a Rússia e as devidas divisões nos apoios a uma ou outra...
O ano se estica ao máximo e a esta altura, 19 de dezembro é contraproducente abordar tudo que acontece, para isso estão os jornais, os jornalistas, a esquerda profissionalizada. Ontem o velho futuro Sinistro da Economia comeu e discursou para os industriais: - “Tem que meter a faca”. No sistema S, sistema de serviços como formação inicial e continuada, saúde, cultura e lazer, com investimento através da Receita Federal do arrecadado da contribuição das empresas sobre a folha de pagamento para corporações das próprias patronais da indústria, comércio e agronegócio. Meteram a faca no Bolsonéscio e deu merda, meter a faca no financiamento público do sistema privado vai dar merda também. https://www.nexojornal.com.br/…/O-que-%C3%A9-o-Sistema-S-qu…
O ministro do STF resolve chutar o balde e manda “soltura de todos os presos que estão detidos em razão de condenação após a segunda instância”, leia-se: mandou soltar o Lula. Do outro lado da força o Temer mandou caçar o Cesare Battisti para extraditá-lo no domingo.
Amanhã, dia 1º de janeiro, são esperadas entre 250 mil e 500 mil pessoas para a posse. Quem espera? São esperadas...Quando o PT era militava contra os governos neoliberais botava 100 mil em Brasília com movimentos sociais e sindicais, fui por duas vezes e faz tempo... Duvido que essa gente tenha gente pra botar duzentos mil. Um esquema de segurança nunca antes visto para um presidente nunca antes visto... Os partidos de esquerda (até os governistas) negaram-se a comparecer. Uma mostra de dignidade não ir aplaudir quem quer metralhar-te...
Ah, feliz ano novo...
*José López
*Oscar Centeno motorista de Roberto Baratta, então secretário de coordenação do ministro do Planejamento Federal Julio De Vido, que esteve durante 12 anos no comando de todas as obras públicas do kirchnerismo.
*Fabrício José Carlos de Queiroz. Assessor de Flávio Bolsonéscio (filho mais velho, deputado estadual recém eleito)
segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
A arte vai salvar a política.
Talvez ninguém seja tão intolerante quanto eu. Tão intolerante quanto eu escutando discurso político de artista. A maioria dos artistas quando o assunto é política costuma ser tão ruim quanto a maioria dos militantes políticos escrevendo poesia. A confusão de conceitos em termos de política só se compara à conceitualização linear em termos poéticos no outro. Eu faço os dois e devo confundir-me um tanto e escrever mal outro tanto, mas criticar eu faço bem.
A situação do Rio Grande do Sul é tal que já anseio muito ler sobre ela futuramente, junto com o Rio de Janeiro (este com os últimos 4 governadores presos), é um verdadeiro estado de calamidade. Professora fazendo faxina para botar algum dinheiro em casa, devido ao atraso e parcelamento do baixo salário, é só uma mera ilustração de todo o quadro calamitoso.
Sempre bom lembrar, caso para os de longe não fique tão claro, é uma crise de sistema, é uma crise arrolada por supostos agentes públicos, verdadeiros gerentes estatais do capital financeiro e sócios ruralistas locais, não é uma crise do povo mas para o povo.
Uma das calamidades: a extinção das fundações. Invisíveis para a base do povo, elas estavam lá, fazendo girar a cultura e arte locais (minha peça ia aparecer na RBS?), protegendo espécies de fauna e flora vitais ao ecossitema (outras entidades dependem da fundação para alocação de animais), contabilizando dados que permitem prospectar o futuro financeiro e o PIB do estado (!), o IBGE precisa saber o PIB do estado...
O movimento para salvar as fundações conformou uma dobradinha política que é a única necessária à governabilidade, a dos trabalhadores e os deputados estaduais que militaram dentro da Assembleia com maior ou menor grau de soltura e comprometimento com o mundo do trabalho.
E o balanço que temos hoje? Uma Assembleia cujo deputado mais votado foi un tenente na cauda do Bolsonéscio. Por outro lado os trabalhadores da FM Cultura da Fundação Piratini fundando uma rádio!
Pera lá, na inauguração da rádio web, no London Pub, na tarde de ontem estava Sofia Cavedon que acompanha a cultura na cidade seja ela feita na Restinga ou no London, e foi eleita para mandato próximo na referida Casa, o deputado Pedro Ruas, inveterado na defesa das fundações, não estava mas mesmo com seu mandato não renovado, bem sabem os servidores públicos que contam com ele em sua militância política sempre. A política está aí e há meia dúzia de mandatos combativos no parlamento gaúcho apesar do tenente e do futuro mandatario burguês como o atual só menos burro. Mas quando se fala em resistência, um fato político dos mais relevantes sem dúvida é a iniciativa desta rádio, Salve Sintonia.
O fenômeno conta com sua especificidade, os comunicadores da Fm Cultura, estes empreendedores, para desmistificar esta atitude a qual o neoliberalismo e seus administradorzinhos se apropriam, este “coletivo de comunicadores artistas” como diz Demétrio Xavier, é de um alto grau de consciência política, articuladíssimos durante o processo de ataque e consequente extinção da Fundação, cientes de seu papel para a sociedade gaúcha e o mais importante, não foram tomados pelo lamentismo político, iniciaram prontamente a construção necessária ao mantenimento da comunicação e arte de qualidade que é sua tarefa fundamental no que se nomeia resistência. No palco do London, José Fernando Cardoso enfatizou: “vamos continuar lutando pela rádio pública e não esqueçamos que nossos colegas que lá estão fazem o que podem para garantir um mínimo de qualidade à emissora”.
A tarde do sunday no London contou com apresentação de Paulinho Moreira mas como o dia era bem brasileiro, foi comemorando o samba que começou e a música não parou até as onze da noite. Nossos artistas de Ian Ramil a Gelson Oliveira, passando por Marcelo Delacroix, Simone Rasslan, Àlvaro Rosacosta, Tonho Crocco, Dany Calixto, Leandro Maia, Nino e sua “coluna Prestes”, entre outros instrumentistas maravilhosos de que não disponho o nome, se apresentaram na “abertura” da Salve Sintonia lindamente encerrada por Demétrio Xavier e sua guitarrita. De Pedrinho Figueiredo que encantou a todos com sua flauta transversa quero falar especialmente porque sua fala retomou o momento que foi um marco na defesa da TVE, FM Cultura e fundações, o festival “Salve Salve” no Centro Municipal de Cultura Lupicinio Rodrigues em junho deste ano. Ali o que houve foi uma demonstração de força, da capacidade de articulação dos comunicadores e artistas. O governo Sartori não conseguiu acabar com os servidores e artistas deste estado, são eles que construindo a resistência, veem o governo acabar e, se estamos longe de uma hegemonia capaz de de haver eleito elementos progressistas em defesa do estado e do povo gaúcho, há no mínimo, uma bela sintonia.
Talvez ninguém seja tão intolerante quanto eu. Tão intolerante quanto eu escutando discurso político de artista. A maioria dos artistas quando o assunto é política costuma ser tão ruim quanto a maioria dos militantes políticos escrevendo poesia. A confusão de conceitos em termos de política só se compara à conceitualização linear em termos poéticos no outro. Eu faço os dois e devo confundir-me um tanto e escrever mal outro tanto, mas criticar eu faço bem.
A situação do Rio Grande do Sul é tal que já anseio muito ler sobre ela futuramente, junto com o Rio de Janeiro (este com os últimos 4 governadores presos), é um verdadeiro estado de calamidade. Professora fazendo faxina para botar algum dinheiro em casa, devido ao atraso e parcelamento do baixo salário, é só uma mera ilustração de todo o quadro calamitoso.
Sempre bom lembrar, caso para os de longe não fique tão claro, é uma crise de sistema, é uma crise arrolada por supostos agentes públicos, verdadeiros gerentes estatais do capital financeiro e sócios ruralistas locais, não é uma crise do povo mas para o povo.
Uma das calamidades: a extinção das fundações. Invisíveis para a base do povo, elas estavam lá, fazendo girar a cultura e arte locais (minha peça ia aparecer na RBS?), protegendo espécies de fauna e flora vitais ao ecossitema (outras entidades dependem da fundação para alocação de animais), contabilizando dados que permitem prospectar o futuro financeiro e o PIB do estado (!), o IBGE precisa saber o PIB do estado...
O movimento para salvar as fundações conformou uma dobradinha política que é a única necessária à governabilidade, a dos trabalhadores e os deputados estaduais que militaram dentro da Assembleia com maior ou menor grau de soltura e comprometimento com o mundo do trabalho.
E o balanço que temos hoje? Uma Assembleia cujo deputado mais votado foi un tenente na cauda do Bolsonéscio. Por outro lado os trabalhadores da FM Cultura da Fundação Piratini fundando uma rádio!
Pera lá, na inauguração da rádio web, no London Pub, na tarde de ontem estava Sofia Cavedon que acompanha a cultura na cidade seja ela feita na Restinga ou no London, e foi eleita para mandato próximo na referida Casa, o deputado Pedro Ruas, inveterado na defesa das fundações, não estava mas mesmo com seu mandato não renovado, bem sabem os servidores públicos que contam com ele em sua militância política sempre. A política está aí e há meia dúzia de mandatos combativos no parlamento gaúcho apesar do tenente e do futuro mandatario burguês como o atual só menos burro. Mas quando se fala em resistência, um fato político dos mais relevantes sem dúvida é a iniciativa desta rádio, Salve Sintonia.
O fenômeno conta com sua especificidade, os comunicadores da Fm Cultura, estes empreendedores, para desmistificar esta atitude a qual o neoliberalismo e seus administradorzinhos se apropriam, este “coletivo de comunicadores artistas” como diz Demétrio Xavier, é de um alto grau de consciência política, articuladíssimos durante o processo de ataque e consequente extinção da Fundação, cientes de seu papel para a sociedade gaúcha e o mais importante, não foram tomados pelo lamentismo político, iniciaram prontamente a construção necessária ao mantenimento da comunicação e arte de qualidade que é sua tarefa fundamental no que se nomeia resistência. No palco do London, José Fernando Cardoso enfatizou: “vamos continuar lutando pela rádio pública e não esqueçamos que nossos colegas que lá estão fazem o que podem para garantir um mínimo de qualidade à emissora”.
A tarde do sunday no London contou com apresentação de Paulinho Moreira mas como o dia era bem brasileiro, foi comemorando o samba que começou e a música não parou até as onze da noite. Nossos artistas de Ian Ramil a Gelson Oliveira, passando por Marcelo Delacroix, Simone Rasslan, Àlvaro Rosacosta, Tonho Crocco, Dany Calixto, Leandro Maia, Nino e sua “coluna Prestes”, entre outros instrumentistas maravilhosos de que não disponho o nome, se apresentaram na “abertura” da Salve Sintonia lindamente encerrada por Demétrio Xavier e sua guitarrita. De Pedrinho Figueiredo que encantou a todos com sua flauta transversa quero falar especialmente porque sua fala retomou o momento que foi um marco na defesa da TVE, FM Cultura e fundações, o festival “Salve Salve” no Centro Municipal de Cultura Lupicinio Rodrigues em junho deste ano. Ali o que houve foi uma demonstração de força, da capacidade de articulação dos comunicadores e artistas. O governo Sartori não conseguiu acabar com os servidores e artistas deste estado, são eles que construindo a resistência, veem o governo acabar e, se estamos longe de uma hegemonia capaz de de haver eleito elementos progressistas em defesa do estado e do povo gaúcho, há no mínimo, uma bela sintonia.
sexta-feira, 16 de março de 2018
Estado ausente, Marielle presente
- Moço. o T5 está parado pegando gente há 5 minutos. A parada extrapolou com pessoas esperando por ele, a frente do prédio que fica ali estava tomada a ponto de obstruir o acesso dos moradores, agora os outros coletivos não conseguem avançar e o T5 está abarrotado de gente, como um caminhão de galinhas.
- Em quem a senhora votou?
De maneira torta, o agente da EPTC, cuja vocação deve ser qualquer outra que não servidor público, exprimiu o tom que caracteriza nossa atualidade política e econômica. A tarefa do agente era me responder, na dimensão em que pudesse, o motivo daquele caos e sobre uma possível supressão na tabela horária daquela linha e não fazer pesquisa de boca de urna para saber se votei no crápula que está deixando a cidade à míngua. Mas a resposta dele dá conta apenas do espírito mesquinho do momento político-econômico em que atitudes e respostas polidas e conciliatórias dão lugar à crueza da transferência da culpabilidade aos prejudicados, como neste caso, mas não dá conta da necessidade material e objetiva do momento, a resposta, por diversificado que fosse o nome, não seria uma solução. A retórica curiosidade "sem filtro" do meu interlocutor está aquém porque qualquer nome que não proponha um programa radical de ruptura do sistema está aquém.
Sob uma crise econômica que assola a América Latina - depois de um período no qual os mais empobrecidos foram, com prazo de validade fixado pela óbvia oscilação das commodities, elevados a certa dignidade no consumo de bens supérfluos ou mesmo imateriais (como o ensino superior no caso brasileiro) - o Brasil viu, mesmo ante a fumaça densa da ideologia que vela a luta de classes, as classes dominantes, patrões e capitalistas autóctones ou não atacarem o povo brasileiro (mesmo uruguaya sei que sou mais brasileira que qualquer explorador nascido aqui) por todos os lados, financiando, compondo ou pressionando governos como sempre fizeram, desta vez numa velocidade alarmante. Então, através da política, temos nossos direitos trabalhistas solapados e, através da política, nosso transporte público é tratado como bem privado e, através da política vemos a capital afetiva do Brasil ocupada pelas forças armadas de um Estado que só atua nessas duas esferas: a apropriação do público para endereçar ao privado e policial para garantir a primeira operação.
Para uma cornucópia de problemas ocasionados, por um lado pela ausência de Estado quando se trata de garantias constitucionais essenciais à dignidade humana e, por outro, pela ocupação desse vazio por facções tão criminosas quanto as que parasitam a máquina pública, o governo federal ilegítimo com seu mandatário sabidamente chefe de quadrilha e sob investigação, determina ocupação militar de uma cidade cujo funcionalismo foi levado à fome por seus "gestores" e antecipa a repressão a possíveis protestos sociais e detêm o poder de ir e vir de seus cidadãos pobres, para garantir o direito de ir e vir de seus cidadãos de bem e de bens respingados pela barbárie em que está atolado o Rio de Janeiro. Nessa conjuntura Marielle, defensora dos direitos humanos de todas as classes, vereadora pelo PSOL, relatora da comissão que apura abusos policiais nas comunidades ocupadas do Rio, é assassinada.
É justamente renunciando à fórmula tosca e populista de reduzir a violência urbana a um duelo entre "cidadãos de bem desarmados" e "marginais armados" que o PSOL já viu seus dirigentes/representantes públicos ameaçados de morte e, no caso de Marielle, o ato sem aviso prévio, levado às últimas consequências.
Em Porto Alegre o crime organizado não pauta todas as esferas da vida social como no Rio de Janeiro, mas nossa militância e parlamentares combatem politicamente máfias nem tão políticas que determinam, por exemplo, um dos aspectos mais importantes da cidade. O transporte "público" da cidade é gerido numa articulação de várias instâncias cujo objetivo é atender as demandas dos mandarins do "setor", o prefeito e sua ala de vereadores, o Sindicato dos Rodoviários e uma maioria dentre os conselheiros do COMTU (Conselho Municipal de Transporte Urbano) a serviço dos transportadores, cuja reunião para aprovação do último aumento terminou em pancadaria.
Dia após dia depois do aumento, vejo as pessoas perplexas na roleta questionando os cobradores, poucos dentre estes numa postura humilhante defendem o patrão argumentando sobre o aumento da gasolina, outros dão respostas como as do agente da EPTC, o fato é que quando se pergunta o que acontece com os ônibus depois de um certo horário a desculpa é o crescente número de assaltos aos coletivos, o que me lembra um texto de Bertolt Brecht no qual o "Sr. Schmitt" era mutilado à medida que seus membros doíam até ficar reduzido a nada. Temos supressão de horários nas tabelas e ônibus em péssima manutenção (como é o caso da zona leste) e pagamos a passagem mais cara do país, a cidade está se ausentando onde deveria estar presente e quando se faz presente é para transferir os custos da crise econômica à maioria da população.
O que Marielle tinha além da coragem, do fato de ser mulher, da Maré e negra o que a colocava em todas as possibilidades de enfrentamento inconsciente e, em seu caso, consciente? Marielle não só tinha como tem programa, um programa de ruptura com o sistema político privatizado por facções com siglas de partidos, um programa por mandatos revogatórios, um programa de radicalização da participação popular nos âmbitos decisórios da vida política, um programa de suspensão do escoamento da riqueza produzida pelo país via "dívidas" interna e externa, um programa de desmilitarização das polícias, um programa feminista, ecossocialista, anticapitalista. Marielle presente significa para o partido defender a todo custo seu programa fundacional e suas candidaturas programáticas e significa que a "unificação da esquerda" tão abstrata na prática é justamente o presente que Marielle deixou a este campo social: a defesa de uma luta radicalizada, de ruptura com os donos do poder e suas milícias.
quinta-feira, 29 de junho de 2017
*22 de junho de 2017
Hoje minha colega trocou o turno comigo, de outro jeito não poderia participar da reunião dos sindicatos que estão no chamado aguerrido às suas categorias para a greve geral do dia 30, a qual as principais centrais sindicais cujas direções tem interesses atrelados ao normal funcionamento do establishment, independentemente de estarem alinhados com a situação ou com a oposição, são impelidas a negociações na superestrutura boicotando a agenda de lutas com a base.
Fui a pé pro trabalho, não sabia que o TRI havia entrado, o patrão do seu jeito me ajuda muito mas a lei injusta o ampara, e pela lei, ele pode descontar uma semana de passagem e um almoço por mês. Então costuma acontecer de eu não sentir fome uma vez ao mês e ir ler no parque. Por sorte e depois de dias de frio, a tarde estava deslumbrante, as borboletas ignoravam o que era o segundo dia do inverno e até um avião desenhando o céu com sua fumaça compunha aquela paisagem, simulacro de esperança. Eu lia a nada calorosa descrição de Molotov no livro de Churchill quando Nicolau me ofereceu o jornal Boca de Rua, eu sabia mais de Churchill que de Molotov e de Nicolau eu nem sabia, mas ele podia escrever minha biografia, segundo sua narrativa, quando eu volto do trabalho entre 19:30 e 20:00 ele está deitado na rua entre papelões e cobertas, me grita qualquer coisa bonita e eu sigo a rotina.
O primeiro informe da reunião foi sobre o tumulto no centro da cidade, os trabalhadores ambulantes haviam reagido ao ataque da Guarda Municipal num operativo de repressão ao comércio informal. Reagir foi a palavra de ordem, reagir contra gestões reacionárias.Molotov novamente em pauta. Vyatcheslav também é citado no vernáculo da resistência como:"agir de maneira mais contundente" e "jogar uns troço". O segundo informe:os metroviários deliberaram parar.
Quando terminou passei no supermercado.
- "Tem cacetinho ainda? Tenho que ver se 1,30 dá para três, senão levo dois por favor".
Joana - estava escrito no crachá - colocou três e deu mais caro.
-"Joana, levo dois, tá bom".
Mesmo com gente esperando na fila ela procurou um terceiro pão menor para que meu dinheiro alcançasse. Não alcançou. Ela pesou dois pães e imprimiu o valor, olhou para os lados e, aos olhos de todos, colocou o terceiro pão. Joana com certeza sabe o que é ter 1,30 para viver três dias, sabe o que é ficar sem passagem, sabe reconhecer seus iguais e não sei se sabe que é justo dar o pão de quem explora a quem não tem ou se agiu por impulso, mas eu sei que quando a reagir passa a ser uma postura perante a repressão e a solidariedade predomina sobre a natural tendência de não colocar-se em risco, pode ainda não ter mudado nada, mas está tudo diferente.
*por motivos variados só publico hoje
Hoje minha colega trocou o turno comigo, de outro jeito não poderia participar da reunião dos sindicatos que estão no chamado aguerrido às suas categorias para a greve geral do dia 30, a qual as principais centrais sindicais cujas direções tem interesses atrelados ao normal funcionamento do establishment, independentemente de estarem alinhados com a situação ou com a oposição, são impelidas a negociações na superestrutura boicotando a agenda de lutas com a base.
Fui a pé pro trabalho, não sabia que o TRI havia entrado, o patrão do seu jeito me ajuda muito mas a lei injusta o ampara, e pela lei, ele pode descontar uma semana de passagem e um almoço por mês. Então costuma acontecer de eu não sentir fome uma vez ao mês e ir ler no parque. Por sorte e depois de dias de frio, a tarde estava deslumbrante, as borboletas ignoravam o que era o segundo dia do inverno e até um avião desenhando o céu com sua fumaça compunha aquela paisagem, simulacro de esperança. Eu lia a nada calorosa descrição de Molotov no livro de Churchill quando Nicolau me ofereceu o jornal Boca de Rua, eu sabia mais de Churchill que de Molotov e de Nicolau eu nem sabia, mas ele podia escrever minha biografia, segundo sua narrativa, quando eu volto do trabalho entre 19:30 e 20:00 ele está deitado na rua entre papelões e cobertas, me grita qualquer coisa bonita e eu sigo a rotina.
O primeiro informe da reunião foi sobre o tumulto no centro da cidade, os trabalhadores ambulantes haviam reagido ao ataque da Guarda Municipal num operativo de repressão ao comércio informal. Reagir foi a palavra de ordem, reagir contra gestões reacionárias.Molotov novamente em pauta. Vyatcheslav também é citado no vernáculo da resistência como:"agir de maneira mais contundente" e "jogar uns troço". O segundo informe:os metroviários deliberaram parar.
Quando terminou passei no supermercado.
- "Tem cacetinho ainda? Tenho que ver se 1,30 dá para três, senão levo dois por favor".
Joana - estava escrito no crachá - colocou três e deu mais caro.
-"Joana, levo dois, tá bom".
Mesmo com gente esperando na fila ela procurou um terceiro pão menor para que meu dinheiro alcançasse. Não alcançou. Ela pesou dois pães e imprimiu o valor, olhou para os lados e, aos olhos de todos, colocou o terceiro pão. Joana com certeza sabe o que é ter 1,30 para viver três dias, sabe o que é ficar sem passagem, sabe reconhecer seus iguais e não sei se sabe que é justo dar o pão de quem explora a quem não tem ou se agiu por impulso, mas eu sei que quando a reagir passa a ser uma postura perante a repressão e a solidariedade predomina sobre a natural tendência de não colocar-se em risco, pode ainda não ter mudado nada, mas está tudo diferente.
*por motivos variados só publico hoje
terça-feira, 15 de novembro de 2016
"NÃO PENSE EM CRISE, TRABALHE"
Eu penso muito, no caso não significa pensar com astúcia, desenvolver complexas elaborações mentais rumo a simples conclusões, significa apenas e dolorosamente, pensar muito. Só não penso muito quando me chamam para trabalhar, quase sempre, eu vou. Só não sei se volto...
Não preciso pensar muito para ir à indignação, de ônibus, pagando 3,75 pelo meu direito de ir ou vir no que chamam de "transporte público", mas esse é apenas um ponto do ônibus. Nos dias em que emendo os trabalhos diurno e noturno a parada fica sinistra. No bar dona e funcionárias agilizamos, apesar do trabalho noturno acordamos todas cedo e precisamos dormir cedo também, então no melhor dos cenários cheguei 23:25 à parada, não adiantou de nada, enquanto 2 Orfanatrofio, 2 Santa Maria, 2 Pinheiro, 2 Restinga, 1 Campo Novo, 1 Jd. Botânico, alguns de Viamão e outros levaram seus passageiros, eu presenciava a renovação das pessoas que ali esperavam e o esvaziamento cada vez mais preocupante da parada, do 1 de Maio, Gloria, Alpes, nada. Meia noite e dez consegui deixar a parada, diferente da semana passada que não houve jeito pela hora avançada, peguei um taxi resignada. O taxi teve de andar a 20 km p hora na parte inicial do trajeto, o motivo? Protesto dos taxistas, haviam assassinado um e marchavam na madrugada.
E pegando carona na segurança...faço um deslocamento de aproximadamente 500 m na noite para ter acesso a transporte, dá tudo certo, chego inteirinha na parada e lá fico 40 minutos parada, não é ultrajante que a probabilidade de ser abordada, assaltada, esfaqueada, seja justamente depois de haver superado o caminho mais arriscado?
A explicação do motora é a explicação que o explorado aceita como negação para não encarar o fato de sua própria condição, no caso, o prejuízo do patrão." Só tem duas linhas, um pega a cascatinha e outro passa por aqui, não adianta botar mais pra dois ou três pegar, é prejuízo e alguém tem que pagar". A menos que eu consiga o milagre da onipresença só tenho uma opção, tento escolher a que me parece menos periclitante, essa parada aqui. Ligar para a EPTC para saber o horário de um ou outro, para além do divórcio que possa haver entre teoria e prática, significa consumir 5,00 em créditos por 2 minutos de ligação, ainda quero saber porque essa empresa pública, controlada por gangsters me rouba cinco rais por ligação, ainda não entendi porque é a ligação mais cara que faço do celular visto que nenhum orelhão funciona. Sobre o prejuízo" bem, estes senhores do empresariado são os primeiros a rosnar:"se queria ser professor deveria saber que ia ganhar menos, agora vem fazer greve", então como empreender numa área da mais urgente e grave utilidade pública não contabilizando os possíveis prejuízos decorrentes de tal atividade? Me dá vontade de dizer: NÃO PENSE EM CRISE, TRABALHE! Pensando um pouco, creio que o referido "prejuízo" seja muito bem contabilizado, esteja bem embutido no valor da passagem e nas cabeças daqueles que defendem o fim das isenções e o preço exorbitante da tarifa e a retirada de linhas em horários não lucrativos seja uma espécie de mais-valia, além de cobrir o custo das viagens não lucrativas às custas dos pagantes e da exploração dos trabalhadores rodoviários, o "prejuízo" sequer se geraria. é hora de puxar o sinal, isto tem que parar.
Eu tenho dificuldade em me deslocar no domingo quando vou trabalhar, mas fico igualmente indignada por aqueles jovens que só querem passear, porque passear é mais importante que trabalhar, e não me representa a palavra de ordem dos protestos contra o aumento da passagem: "Pra trabalhar, pra estudar, mais um aumento eu não vou pagar", porque não devemos pagar por transporte público nem pra bater siririca na Redenção.
Sobre pagar para trabalhar... os empresários são amparados por lei a não pagar integralmente nosso transporte ao trabalho. Então pagamos para ficar de punhetagem na redenção e pagamos para trabalhar.
Dia 25 de novembro tem manifestação contra a crise do capital que o povo está a pagar, em vez de ficar na parada pegue o coletivo que realmente pode levar você a algum lugar.
Não preciso pensar muito para ir à indignação, de ônibus, pagando 3,75 pelo meu direito de ir ou vir no que chamam de "transporte público", mas esse é apenas um ponto do ônibus. Nos dias em que emendo os trabalhos diurno e noturno a parada fica sinistra. No bar dona e funcionárias agilizamos, apesar do trabalho noturno acordamos todas cedo e precisamos dormir cedo também, então no melhor dos cenários cheguei 23:25 à parada, não adiantou de nada, enquanto 2 Orfanatrofio, 2 Santa Maria, 2 Pinheiro, 2 Restinga, 1 Campo Novo, 1 Jd. Botânico, alguns de Viamão e outros levaram seus passageiros, eu presenciava a renovação das pessoas que ali esperavam e o esvaziamento cada vez mais preocupante da parada, do 1 de Maio, Gloria, Alpes, nada. Meia noite e dez consegui deixar a parada, diferente da semana passada que não houve jeito pela hora avançada, peguei um taxi resignada. O taxi teve de andar a 20 km p hora na parte inicial do trajeto, o motivo? Protesto dos taxistas, haviam assassinado um e marchavam na madrugada.
E pegando carona na segurança...faço um deslocamento de aproximadamente 500 m na noite para ter acesso a transporte, dá tudo certo, chego inteirinha na parada e lá fico 40 minutos parada, não é ultrajante que a probabilidade de ser abordada, assaltada, esfaqueada, seja justamente depois de haver superado o caminho mais arriscado?
A explicação do motora é a explicação que o explorado aceita como negação para não encarar o fato de sua própria condição, no caso, o prejuízo do patrão." Só tem duas linhas, um pega a cascatinha e outro passa por aqui, não adianta botar mais pra dois ou três pegar, é prejuízo e alguém tem que pagar". A menos que eu consiga o milagre da onipresença só tenho uma opção, tento escolher a que me parece menos periclitante, essa parada aqui. Ligar para a EPTC para saber o horário de um ou outro, para além do divórcio que possa haver entre teoria e prática, significa consumir 5,00 em créditos por 2 minutos de ligação, ainda quero saber porque essa empresa pública, controlada por gangsters me rouba cinco rais por ligação, ainda não entendi porque é a ligação mais cara que faço do celular visto que nenhum orelhão funciona. Sobre o prejuízo" bem, estes senhores do empresariado são os primeiros a rosnar:"se queria ser professor deveria saber que ia ganhar menos, agora vem fazer greve", então como empreender numa área da mais urgente e grave utilidade pública não contabilizando os possíveis prejuízos decorrentes de tal atividade? Me dá vontade de dizer: NÃO PENSE EM CRISE, TRABALHE! Pensando um pouco, creio que o referido "prejuízo" seja muito bem contabilizado, esteja bem embutido no valor da passagem e nas cabeças daqueles que defendem o fim das isenções e o preço exorbitante da tarifa e a retirada de linhas em horários não lucrativos seja uma espécie de mais-valia, além de cobrir o custo das viagens não lucrativas às custas dos pagantes e da exploração dos trabalhadores rodoviários, o "prejuízo" sequer se geraria. é hora de puxar o sinal, isto tem que parar.
Eu tenho dificuldade em me deslocar no domingo quando vou trabalhar, mas fico igualmente indignada por aqueles jovens que só querem passear, porque passear é mais importante que trabalhar, e não me representa a palavra de ordem dos protestos contra o aumento da passagem: "Pra trabalhar, pra estudar, mais um aumento eu não vou pagar", porque não devemos pagar por transporte público nem pra bater siririca na Redenção.
Sobre pagar para trabalhar... os empresários são amparados por lei a não pagar integralmente nosso transporte ao trabalho. Então pagamos para ficar de punhetagem na redenção e pagamos para trabalhar.
Dia 25 de novembro tem manifestação contra a crise do capital que o povo está a pagar, em vez de ficar na parada pegue o coletivo que realmente pode levar você a algum lugar.
terça-feira, 22 de março de 2016
NÃO PASSARÃO!
"No pasarán" foi o emblemático lema encarnado por Dolores Ibarruri (La Pasionaria) deputada pelo Partido Comunista Español uma das principais dirigentes na luta contra a conspiração militar que golpeou a República liderada por generais como José Sanjurjo, Emilio Mola, Francisco Franco, levada a cabo depois de uma atordoada conjuntura nacional (autoritarismo, reformas estruturais, contrarreforma, eleições gerais 6 meses antes...) e internacional (vésperas da II Guerra Mundial).
Menos passional Miguel de Unamuno escreveu: "Eles vencerão mas não convencerão". A força do anarquismo espanhol, as lutas por autonomia da Catalunya, Euskal Herria, a derrota do exército espanhol na região do Rif (Marrocos) sobre a qual os peninsulares firmaram suas patas com as principais potências europeias faz do episódio golpista -nada episódico pois a ditadura "franquista" depois de 3 anos de guerra civil ditadurou por 37 - um evento singular, contudo elementos bem universais da luta de classes e seus desdobramentos políticos contextualizados na España de 1936-39 me levaram a mencionar a gravidade de algumas similitudes latentes já em 2014 durante uma palestra sobre ditadura militar na Feira do Livro da cidade após intervenção de Olívio Dutra, inflamado ele instigava: Reforma ou Revolução! Eu ia ficar quietinha, dentre os palestrantes figurava não só um entendido sobre Guerra Civil Española como filho de exilados do regime encabeçado por Franco, mas a primeira coisa que me perguntei por mais óbvio que pareça foi: que inquirimento é este vindo de um quadro do PT -???- (cujo programa não está em disputa há muito pois os golpismos e autoritarismos intrapartidários fazem jus a qualquer totalitarismo, numa máquina partidária acoplada ao estado então nem se fala...) sendo que, as únicas reformas na pauta governista do partido desde 2003 eram as "contrarreformas" como a da Previdência, "revolução" me soou quase como um estranhamento estético, pronto, falei.
E justamente por falar de coisas que, aparentemente, não faziam todo o sentido há um par de anos o debate foi encerrado, estou farta de saber, a esquerda adora um fato consumado, pra que debater, protestar antes, mais fácil esperar que esteja tudo escancarado. Talvez naquela ocasião haja me remetido ao fatal fracasso de um estado republicano perante contradições sociais que só podem ter algum desfecho favorável num sentido revolucionário e com, certeza, lembrei do vacilo majoritário da esquerda legalista que respaldada pelo stalinismo fez o serviço pro fascismo perseguindo a "esquerda incontrolável", "quinta coluna de Franco".
Há exatos 80 anos do início da G.C.E e 02 de meu atestado de extraterrestre por evocar o conflito español na feira literária de Poa, a tv a cores ou o facebook parecem as modalidades pós-modernas de veicular um anacronismo, setores médios da sociedade polarizados, enfrentamentos com repressão na universidade, reivindicações de intervenção militar, e o lema vermelho: Não passarão...
Apesar das aberrações irracionais que a direita conservadora, déspota, moderna, democrata, produz quando mina o campo social não subestimo sua capacidade lógica e lucidez. Uma "elite", uma burguesia, nunca é uma só, ela é jacobina mas também é girondina, uma totalidade sempre pode partir-se em dois. Alguns setores da burguesia brasileira podem ter ficado em segundo plano nas gestões de Lula e Dilma, outros mantiveram intacto seu status, e uma parcela significativa da população teve acesso a direitos elementares até então distantes, um dos mais importantes o ensino superior. Mas é aí que o raciocínio não pode ficar a meio caminho, parcial, um aspecto sacralizado. A garantia desse acesso (sem entrar no mérito do rebaixamento de avaliação da qualidade do ensino, fábricas de diplomas, etc) não confrontou interesses financeiros, pelo contrário, fez parte de uma dinâmica de mercado cujo objetivo entre outros é ampliar oferta, mercado consumidor, otimização de mão de obra. Isso não significa que uma parte repugnante da sociedade não se sinta extremamente agredida ao ter que conviver e ver representados nas diferentes esferas sujeitos sociais até então completamente alijados dos direitos universais, não sou eu que vou dizer, cada negro formado numa universidade deve saber e dizer o que é. Mas tomar esta "reação" e colocar sobre ela uma lente de aumento da qual se deduz um enfrentamento travado pelos recentes governos é uma armadilha que se retroalimenta por uma forte e odiosa reação orquestrada recentemente cujos últimos episódios só fizeram piorar.
E minha única dedução lógica é que o hiato entre as gestões do "PT/PMDB/ETC/SOCORRO" - que administraram o país com Sarney, Collor, Calheiros, empreiteiras, capital financeiro lucrando como nunca, neutralização do movimento sindical que rachou em dez, ajuda fiscal à mídia golpista, redução do cidadão brasileiro a consumidor da indústria automotiva e eletroeletrônica - e o atual cenário que permitiu a sabida reação com episódios golpistas, foi a repercussão da crise financeira mundial que eclodiu em 2008 e um Junho que nasceu promissor, libertário, crítico em 2013 e cujo espectro atemorizou de fato as elites decidindo o preço da passagem na rua, colocando em questão a Copa do Mundo da Fifa, forçando a Dilma a falar em Constituinte ("desatino" abafado em questão de horas), as jornadas de junho que apavoraram o governo e as elites e foram disputadas pela reação conservadora, foram o "choque de realidade", o verdadeiro fantasma vermelho que assombrou o establishment, assim como o levante de 1934 assombrou as elites españolas encarnadas dois anos mais tarde na sublevação militar após as eleições gerais.
O momento é de debate político e muito foi e será dito, não me resta muito mais que ser panfletária, Lula ministro pra escapar de processo é golpismo, lei antiterrorismo é golpismo, ajuste fiscal é golpismo. São golpes duros em um projeto estratégico de emancipação do povo que perde a razão de ser quando é atacado por estas medidas capitulacionistas, necessárias ao capitalismo ou meramente de acobertamento de esquemas de desvio de dinheiro. Do mesmo ofício de Frei Betto porém russo, Vladimir Solovyov refletiu: "A beleza desprovida do bem e da verdade é apenas um ídolo", a bandeira vermelha que tremula pela democracia ao mesmo tempo que a esvazia na essência é fetiche para enfeitiçar gerações que, em respeito à própria história não puderam acreditar na fraude petista, e muitos mais jovens herdeiros legítimos da referência histórica do partido. Sou pelas pseudoliberdades que nos vendem como democráticas por mais burguesas que se apresentem e seria uma desonestidade intelectual atribuir-me desconhecimento sobre os perigos do autoritarismo, dos desmandos de um estado de exceção, das irreversíveis chagas da tortura, a tortura... pode partir do poder ou do pathos e, não raras vezes, somatiza. A tortura pode ser doméstica, manual, ou pode ter manual, como a máquina de lavar.
Os comunistas até hoje acusam George Orwell de ser um "inimigo do povo" financiado pela CIA, ele lutou em apoio à República na Guerra Civil Española e, mais tarde, escreveu: "A Frente Popular podia ser uma fraude, mas Franco era um anacronismo", dificilmente um agente do fascismo proferiria uma conclusão destas mas é preciso sempre atacar pensamentos como o de Orwell, é preciso sempre se defender do pensamento crítico e incitar o ufanismo, é preciso legitimar personagens como Ciro Gomes e Fernando Collor discursando contra o golpismo, é oportuno e reconfortante que o juiz seja um corrupto de direita, oportunista e golpista, isso ameniza o esquema depravado da direção petista.
Se depender de mim não passarão os golpistas, não convencerão os petistas!
Menos passional Miguel de Unamuno escreveu: "Eles vencerão mas não convencerão". A força do anarquismo espanhol, as lutas por autonomia da Catalunya, Euskal Herria, a derrota do exército espanhol na região do Rif (Marrocos) sobre a qual os peninsulares firmaram suas patas com as principais potências europeias faz do episódio golpista -nada episódico pois a ditadura "franquista" depois de 3 anos de guerra civil ditadurou por 37 - um evento singular, contudo elementos bem universais da luta de classes e seus desdobramentos políticos contextualizados na España de 1936-39 me levaram a mencionar a gravidade de algumas similitudes latentes já em 2014 durante uma palestra sobre ditadura militar na Feira do Livro da cidade após intervenção de Olívio Dutra, inflamado ele instigava: Reforma ou Revolução! Eu ia ficar quietinha, dentre os palestrantes figurava não só um entendido sobre Guerra Civil Española como filho de exilados do regime encabeçado por Franco, mas a primeira coisa que me perguntei por mais óbvio que pareça foi: que inquirimento é este vindo de um quadro do PT -???- (cujo programa não está em disputa há muito pois os golpismos e autoritarismos intrapartidários fazem jus a qualquer totalitarismo, numa máquina partidária acoplada ao estado então nem se fala...) sendo que, as únicas reformas na pauta governista do partido desde 2003 eram as "contrarreformas" como a da Previdência, "revolução" me soou quase como um estranhamento estético, pronto, falei.
E justamente por falar de coisas que, aparentemente, não faziam todo o sentido há um par de anos o debate foi encerrado, estou farta de saber, a esquerda adora um fato consumado, pra que debater, protestar antes, mais fácil esperar que esteja tudo escancarado. Talvez naquela ocasião haja me remetido ao fatal fracasso de um estado republicano perante contradições sociais que só podem ter algum desfecho favorável num sentido revolucionário e com, certeza, lembrei do vacilo majoritário da esquerda legalista que respaldada pelo stalinismo fez o serviço pro fascismo perseguindo a "esquerda incontrolável", "quinta coluna de Franco".
Há exatos 80 anos do início da G.C.E e 02 de meu atestado de extraterrestre por evocar o conflito español na feira literária de Poa, a tv a cores ou o facebook parecem as modalidades pós-modernas de veicular um anacronismo, setores médios da sociedade polarizados, enfrentamentos com repressão na universidade, reivindicações de intervenção militar, e o lema vermelho: Não passarão...
Apesar das aberrações irracionais que a direita conservadora, déspota, moderna, democrata, produz quando mina o campo social não subestimo sua capacidade lógica e lucidez. Uma "elite", uma burguesia, nunca é uma só, ela é jacobina mas também é girondina, uma totalidade sempre pode partir-se em dois. Alguns setores da burguesia brasileira podem ter ficado em segundo plano nas gestões de Lula e Dilma, outros mantiveram intacto seu status, e uma parcela significativa da população teve acesso a direitos elementares até então distantes, um dos mais importantes o ensino superior. Mas é aí que o raciocínio não pode ficar a meio caminho, parcial, um aspecto sacralizado. A garantia desse acesso (sem entrar no mérito do rebaixamento de avaliação da qualidade do ensino, fábricas de diplomas, etc) não confrontou interesses financeiros, pelo contrário, fez parte de uma dinâmica de mercado cujo objetivo entre outros é ampliar oferta, mercado consumidor, otimização de mão de obra. Isso não significa que uma parte repugnante da sociedade não se sinta extremamente agredida ao ter que conviver e ver representados nas diferentes esferas sujeitos sociais até então completamente alijados dos direitos universais, não sou eu que vou dizer, cada negro formado numa universidade deve saber e dizer o que é. Mas tomar esta "reação" e colocar sobre ela uma lente de aumento da qual se deduz um enfrentamento travado pelos recentes governos é uma armadilha que se retroalimenta por uma forte e odiosa reação orquestrada recentemente cujos últimos episódios só fizeram piorar.
E minha única dedução lógica é que o hiato entre as gestões do "PT/PMDB/ETC/SOCORRO" - que administraram o país com Sarney, Collor, Calheiros, empreiteiras, capital financeiro lucrando como nunca, neutralização do movimento sindical que rachou em dez, ajuda fiscal à mídia golpista, redução do cidadão brasileiro a consumidor da indústria automotiva e eletroeletrônica - e o atual cenário que permitiu a sabida reação com episódios golpistas, foi a repercussão da crise financeira mundial que eclodiu em 2008 e um Junho que nasceu promissor, libertário, crítico em 2013 e cujo espectro atemorizou de fato as elites decidindo o preço da passagem na rua, colocando em questão a Copa do Mundo da Fifa, forçando a Dilma a falar em Constituinte ("desatino" abafado em questão de horas), as jornadas de junho que apavoraram o governo e as elites e foram disputadas pela reação conservadora, foram o "choque de realidade", o verdadeiro fantasma vermelho que assombrou o establishment, assim como o levante de 1934 assombrou as elites españolas encarnadas dois anos mais tarde na sublevação militar após as eleições gerais.
O momento é de debate político e muito foi e será dito, não me resta muito mais que ser panfletária, Lula ministro pra escapar de processo é golpismo, lei antiterrorismo é golpismo, ajuste fiscal é golpismo. São golpes duros em um projeto estratégico de emancipação do povo que perde a razão de ser quando é atacado por estas medidas capitulacionistas, necessárias ao capitalismo ou meramente de acobertamento de esquemas de desvio de dinheiro. Do mesmo ofício de Frei Betto porém russo, Vladimir Solovyov refletiu: "A beleza desprovida do bem e da verdade é apenas um ídolo", a bandeira vermelha que tremula pela democracia ao mesmo tempo que a esvazia na essência é fetiche para enfeitiçar gerações que, em respeito à própria história não puderam acreditar na fraude petista, e muitos mais jovens herdeiros legítimos da referência histórica do partido. Sou pelas pseudoliberdades que nos vendem como democráticas por mais burguesas que se apresentem e seria uma desonestidade intelectual atribuir-me desconhecimento sobre os perigos do autoritarismo, dos desmandos de um estado de exceção, das irreversíveis chagas da tortura, a tortura... pode partir do poder ou do pathos e, não raras vezes, somatiza. A tortura pode ser doméstica, manual, ou pode ter manual, como a máquina de lavar.
Os comunistas até hoje acusam George Orwell de ser um "inimigo do povo" financiado pela CIA, ele lutou em apoio à República na Guerra Civil Española e, mais tarde, escreveu: "A Frente Popular podia ser uma fraude, mas Franco era um anacronismo", dificilmente um agente do fascismo proferiria uma conclusão destas mas é preciso sempre atacar pensamentos como o de Orwell, é preciso sempre se defender do pensamento crítico e incitar o ufanismo, é preciso legitimar personagens como Ciro Gomes e Fernando Collor discursando contra o golpismo, é oportuno e reconfortante que o juiz seja um corrupto de direita, oportunista e golpista, isso ameniza o esquema depravado da direção petista.
Se depender de mim não passarão os golpistas, não convencerão os petistas!
domingo, 6 de dezembro de 2015
Os fantasmas e as almas penadas
Há muitos anos adentrei numa aula de grego a convite de minha amiga Karine, à época estudante de Filosofia, passar despercebida com este tamanho não era uma opção, se havia algo que fazia jus a Schopenhauer ali era toda minha corporeidade...Lá pelas tantas o professor escreve um verbo no quadro como exemplo: ristó (colocar em pé), a palavra restaurante retroativamente fez todo o sentido para mim e também o dito: "saco vazio não para em pé".
Todos os dias às oito colocamos o restaurante em pé. Ao meio-dia, centenas de sacos vazios sentarão para parar em pé. São operários das obras, seguranças dos prédios, faxineiras das casas do bairro rico. Há duas tv's enormes claro. Quando o telejornal noticiou o esquema corrupto do deputado Jardel e seus funcionários fantasmas meu colega carregando na voz as horas de trabalho falou: - Aqui não tem funcionário fantasma...Eu, deixando meu ateísmo de lado lhe respondi:- Só se formos almas penadas. Ele me olhou como se estivesse vendo um fantasma...
A responsável pelo restaurante (que também faz as vezes de cozinheira e descasca laranjas com a gente) tem apenas 21 anos. Mas um recorrente infantilismo se nota nos funcionários, no mundo do trabalho é o poder que pauta o etário. Outra cozinheira me contou que tem 4 filhos: - Uma morta e três vivos. Um casal sai de lá direto para atender até tarde da noite num armazém, foram criados para o work-a-holic do trabalho forçado, eu sou uma uruguaia no ninho.
Em tempos modernos Chaplin continua vigorando para além do trabalho operário, há um fordismo nos serviços prestados. Saio dos locais nos quais trabalho garçoneteando, deixando os outros passar na minha frente, oferecendo guardanapo, dizendo "às ordens" depois do "obrigado". Minha professora de dança escuta o "sora" das aluninhas chamando em casa, na rua, no carro. No pequeno comércio o patrão é outro quando se vê os donos trabalhando como qualquer condenado. Ser rico é ter tempo e dinheiro nunca os dois separados. Claro que nada é simples assim, e assim divididos estamos, trabalhadores proprietários aspirando ser grandões e trabalhadores sindicalizados chamando parte dos seus de lumpemproletariado. Não vou fingir que me safo, brigo com os operários quando pegam o prato da salada para servir a sobremesa, é um restaurante não o refeitório da empreiteira, não gosto de trabalhador arriado.
De tanto adentrar em aulas com todo meu Schopenhauer, de tanto adentrar em lutas com meu lumpemproletariado, fiz muitos amig@s acadêmicos e boa pare deles transparece uma espécie de gratidão quase envergonhada em relação ao proletário. Como se @s assombrasse o fantasma dos não privilegiados. Não resta dúvida que o domínio da ideologia os penetra para além de suas teorias, a burguesia lhes roubou tanto quanto à maioria do povo e lhes injetou a culpa em troca da academia.
A Venezuela tem seus fantasmas, típico de um governo militarizado em qualquer parte do mundo, a Venezuela de 89 tem seus incontáveis fantasmas, típico de um governo democrático latino-americano. O Brasil é o país da diversidade, os fantasmas são quase todos negros e a maioria dos brancos almas penadas. Nossa missão é resolver as coisas mundanas que não nos deixam descansar em paz, resolvê-las num conjunto espectral sabendo que continuaremos a brigar porque uns queremos virar a mesa, outros se entregaram de bandeja, e também pelo tamanho do prato da sobremesa.
Todos os dias às oito colocamos o restaurante em pé. Ao meio-dia, centenas de sacos vazios sentarão para parar em pé. São operários das obras, seguranças dos prédios, faxineiras das casas do bairro rico. Há duas tv's enormes claro. Quando o telejornal noticiou o esquema corrupto do deputado Jardel e seus funcionários fantasmas meu colega carregando na voz as horas de trabalho falou: - Aqui não tem funcionário fantasma...Eu, deixando meu ateísmo de lado lhe respondi:- Só se formos almas penadas. Ele me olhou como se estivesse vendo um fantasma...
A responsável pelo restaurante (que também faz as vezes de cozinheira e descasca laranjas com a gente) tem apenas 21 anos. Mas um recorrente infantilismo se nota nos funcionários, no mundo do trabalho é o poder que pauta o etário. Outra cozinheira me contou que tem 4 filhos: - Uma morta e três vivos. Um casal sai de lá direto para atender até tarde da noite num armazém, foram criados para o work-a-holic do trabalho forçado, eu sou uma uruguaia no ninho.
Em tempos modernos Chaplin continua vigorando para além do trabalho operário, há um fordismo nos serviços prestados. Saio dos locais nos quais trabalho garçoneteando, deixando os outros passar na minha frente, oferecendo guardanapo, dizendo "às ordens" depois do "obrigado". Minha professora de dança escuta o "sora" das aluninhas chamando em casa, na rua, no carro. No pequeno comércio o patrão é outro quando se vê os donos trabalhando como qualquer condenado. Ser rico é ter tempo e dinheiro nunca os dois separados. Claro que nada é simples assim, e assim divididos estamos, trabalhadores proprietários aspirando ser grandões e trabalhadores sindicalizados chamando parte dos seus de lumpemproletariado. Não vou fingir que me safo, brigo com os operários quando pegam o prato da salada para servir a sobremesa, é um restaurante não o refeitório da empreiteira, não gosto de trabalhador arriado.
De tanto adentrar em aulas com todo meu Schopenhauer, de tanto adentrar em lutas com meu lumpemproletariado, fiz muitos amig@s acadêmicos e boa pare deles transparece uma espécie de gratidão quase envergonhada em relação ao proletário. Como se @s assombrasse o fantasma dos não privilegiados. Não resta dúvida que o domínio da ideologia os penetra para além de suas teorias, a burguesia lhes roubou tanto quanto à maioria do povo e lhes injetou a culpa em troca da academia.
A Venezuela tem seus fantasmas, típico de um governo militarizado em qualquer parte do mundo, a Venezuela de 89 tem seus incontáveis fantasmas, típico de um governo democrático latino-americano. O Brasil é o país da diversidade, os fantasmas são quase todos negros e a maioria dos brancos almas penadas. Nossa missão é resolver as coisas mundanas que não nos deixam descansar em paz, resolvê-las num conjunto espectral sabendo que continuaremos a brigar porque uns queremos virar a mesa, outros se entregaram de bandeja, e também pelo tamanho do prato da sobremesa.
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